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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4004 Data:
12 de agosto de 2012
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O MUNDO NO TÁXI
Abri a porta do táxi que ponteava a fila
e tive uma surpresa ao deparar-me com o taxista de Cantagalo.
-Há quanto tempo! - exclamei.
-Tive de aparecer por aqui- disse-me com
os seus característicos gestos delicados.
-Ainda se lembra para onde eu vou?
-Para a pracinha de Del Castilho.
-Na Rua Modigliani. - precisei.
-Eu me esqueço do nome da rua.
-Você leva passageiros para outras
cidades do Rio de Janeiro, principalmente Cantagalo.
-Vou muito para Cantagalo.
-É a cidade de Euclides da Cunha; nasceu
em Cantagalo e morreu no subúrbio da Piedade.
Enquanto eu me preocupava com a
literatura, ele dizia dos funcionários de alto coturno que transportava da
cidade do Rio de Janeiro para Cantagalo e de lá para cá.
-Tenho de trabalhar estes dias aqui porque
tenho de tratar de alguns assuntos, um deles é a troca do taxímetro. Os meus
clientes das estradas não ficarão sem táxi porque meu pai me substitui.
-Você, aliás, herdou esses clientes do
seu pai; não foi isso que você me contou, uma vez?
-Sim; meu pai está, aos poucos,
aposentando-se.
Em seguida, reclamou do dinheiro que
gastaria com a troca do taxímetro.
-Uns 250 reais. Eles não perdem uma
oportunidade para enfiar a mão nos nossos bolsos.
-E a Prefeitura recolhe a sua parte?
-Sempre. - enfatizou.
-Se o dinheiro recolhido revertesse na
melhoria das ruas. Há armadilhas para motoristas e pedestres. De vez em quando,
uma pessoa idosa tropeça num desnível da calçada e se escarrapacha no chão.
-Jovens também caem. - disse, enquanto
me deixava na rua Modigliani.
No dia seguinte, entrei no táxi 184 de
um motorista que eu nunca vira antes.
-Rua Modigliani.
No entanto, parecia que ele me conhecia
de velha data.
-E o metrô? - perguntou.
-Bem, o metrô... tentei ganhar tempo para concatenar as ideias, pois
ele me surpreendera.
-Levei um passageiro de Maria da Graça a
Botafogo, porque ele disse que não resistiria à espremedura do metrô.
-Bem, eu chego ao trabalho uma hora
antes para sair às quatro horas da tarde com o objetivo de não ficar muito
amarrotado nos vagões.
-Está tão ruim assim?
-Já esteve pior; se o trem do metrô atrasa,
porém, mais de dez minutos, o sofrimento se instala. Como disse uma passageira:
“a gente viaja colada no vidro da porta como lagartixa.”
-E no verão? - indagou com ressaibo de
sadismo.
-No início, vieram trens da França para
o metrô, onde o clima não é tropical como o nosso, por isso, o termostato não
suporta. Agora, trazem trens da China que não se ajustam às plataformas...
Ele interveio:
-No Brasil, rasga-se dinheiro; é um
desperdício impressionante. Eu sou economista, trabalhei na Prefeitura na
década de 80. Sabe o que eles fizeram?...
Como era uma pergunta retórica,
mantive-me emudecido.
-Eles trouxeram do exterior aparelhos de
ultrassonografia. A mercadoria chegou às mãos da Prefeitura, e ninguém sabia
manipular aquilo. Toda carga ficou no depósito, dentro de caixotes,
enferrujando. Rasgaram dinheiro.
Eu pretendia perguntar se o prefeito era
o Saturnino Braga, quando a cidade do Rio de Janeiro foi à falência, mas o
humor do 184 mudara subitamente.
-Morando na Modigliani, você deve
conhecer o Edinho.
-Não conheço.
-Mas todos conhecem o Edinho.
Falou como se eu tivesse a obrigação de
saber quem era a tal figura.
-Certamente, eu o conheço de vista e não
estou ligando o nome à pessoa. - busquei uma saída política, enquanto pagava a
corrida.
-Se o taxímetro estiver marcando 4,70,
na partida, não deixe o motorista consultar a tabela, pois já foi tudo atualizado,
A consulta só deve ser feita se marcar
na partida 4,40.
-Todo o mundo da Metrô Táxi é gente boa.
-É verdade. - concordou comigo.
Na quarta-feira, peguei o táxi do
Botafoguense.
-Do jeito que o Botafogo está, eu só
acompanho os esportes dos Jogos Olímpicos de Londres.
-Mesmo que o Botafogo estivesse
disparado na frente da tabela, eu me interessaria pelas disputas que só ocorrem
de quatro em quatro anos.- retruquei.
-Torcendo muito pelo Brasil? - quis
saber.
-Só me mostro indiferente à seleção
brasileira de futebol.
-Mas é a único título que o nosso
futebol não tem... - mostrou-se abismado com a minha reação.
-Os jogadores de futebol do Brasil têm
as maiores regalias, se compararmos com a grande maioria dos demais atletas
brasileiros são uns nababos. No entanto, mostram-se em campo como crianças
mimadas cheias de vontade, são manhosos. Ainda há os dirigentes de moral
duvidosa, com algumas exceções. Veja os boxeadores brasileiros, por exemplo,
disputam medalhas e treinaram com o pai no quintal da casa, no Espírito Santo,
junto a uma bananeira.
-Você não deixa de ter razão.
-Os futebolistas brasileiros não são
como os jogadores de basquete dos Estados Unidos, que estão anos luz à frente
dos adversários.
-Mas os nossos adversários no futebol
são tão fracos que temos a obrigação, dessa vez, de ganhar a medalha de ouro. -
mostrou-se otimista.
Depois de uma curta pausa, voltou às
olimpíadas.
-E o Diego Hipólito que caiu de novo?...
-Um ou dois dias antes da apresentação
dele, deixou-se filmar. Um massagista fazia massagens na planta do seu do pé,
enquanto ele falava das dores que sentia, mas que, na competição, seriam
superadas. Eu vi em toda aquela cena uma demonstração de desculpa para um
fracasso anunciado. Quem é guerreiro, só demonstra vitalidade quando parte para
a luta, não fala de dores.
-A queda dele nesta olimpíada foi pior
do que a outra, embora a de Pequim fosse mais vexatória por ele ter batido com
a bunda no chão. - disse o Botafoguense. Enquanto eu saltava do seu carro.
Na quinta-feira, repetiu-se a corrida de
terça-feira, ou seja, no táxi do 184.
A pergunta inicial dele foi a mesma de antes:
-E o metrô?
-Pelo menos, é um aperto que dura pouco
tempo, de Del Castilho à estação da Carioca eu vou em 20 minutos.
-Não pegou fogo na estação do metrô de
Uruguaiana?
-Parece que houve uma fumaça por lá, mas
pouco antes das sete da manhã. Eu já havia passado por lá.
-Mas mexeu com todo o sistema
metroviário.
-Soube que resolveram tudo rapidamente.
-Para você, qual é a solução para o
metrô?- inquiriu-me.
-Se a agência reguladora, a AGETRANSP,
cumprir a sua função, como deve, já é um grande caminho andado.
Quando eu saltei do seu táxi, fui
chamado por ele aos berros. Olhei e vi uma Kombi parada ao lado do seu carro.
-Este é o Edinho. Este é o Edinho. -
dizia com uma alegria infantil.
-Prazer. - berrei, enquanto murmurava.
-Se ainda fosse o Shakespeare...
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