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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3 996
Data: 27 de julho de 2012
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COMENTÁRIOS NO TÁXI
Reparando numa jovem de cabelo azul,
entrei no carro do Flamenguista. Julguei que ele prestasse atenção no
taxímetro, mas às suas primeiras palavras, constatei que estava errado.
-Quem vai dar emprego a uma pessoa com
essa aparência?
-Ela é bonita.
-Mas de cabelo azul?!...
-Eu tenho visto mais mulheres de cabelo
vermelho, sem falar nas louras, é claro. - falei.
Ele prosseguiu na sua crítica:
-Cabelos coloridos, unhas de bruxas,
colares que dão mil voltas no pescoço, calças rasgadas...
-Piercings. - acrescentei.
-Piercings – repetiu para
concluir:
-Quem vai dar emprego para uma pessoa
que se apresenta assim?
Certamente quem se mostra de uma maneira
tão exótica numa agência de empregos não está com intenção de trabalhar, mas eu
não me manifestei, pois não queria impedir o seu fluxo de palavras.
-Brinquinhos... Onde já se viu um homem
de brinquinhos?!... Eu nunca colocaria brinquinhos.
-Eu também não, mas nós somos de outra
geração, por isso não nos sentiremos confortáveis de brincos.
-E ter ainda de furar a orelha... -
parecia arrepiar-se com a espetadela imaginada.
-Essa questão de brinquinhos não chama a
atenção como antes, pode-se dizer que hoje é natural. Recordo-me de uma viagem
de metrô, lotado como sempre, em que um sujeito disse para outro altissonante:
“Para mim, usou brinquinho, é viado.” Mas isso, ocorreu na década de 90, hoje,
se um sujeito grita essas palavras, é agredido por umas dez pessoas de
brinquinho.
-Eu critico, mas penso que cada um faz
da sua vida o que quer. - declarou o Flamenguista.
-Essa moça de cabelo azul, talvez ela
seja eficiente num trabalho sério. Tenho visto pessoas aparentemente
apresentáveis que nada querem com o serviço. - comentei.
-Eu, se sou empresário, não emprego.
E arrematou, enquanto parava o carro na Rua
Modigliani:
-Ela parece que saiu de um daqueles
desenhos em três dimensões que a minha filha vê.
-Preparado para assistir às Olimpíadas
de Londres, porque o nosso Botafogo, com todo o Seedorf, não anima? -
indagou-me o Botafoguense antes de eu entrar no seu táxi.
-Com tantas notícias ruins, as
olimpíadas, pelo menos, afastam as tragédias para o outro lado. - respondi.
-Mas que essa não seja igual aquela em
que dependemos de um cavalo para ganhar uma medalhinha só de ouro no meio de
uma penúria geral.
-O “Baloubet du Rouet”?... -
lembrei-lhe.
-Ainda por cima o cavalo era
estrangeiro; nós perdemos, é claro.
-Naquela olimpíada, em Sydney, em 2000, nós
fomos pessimamente, ganhamos só medalhas de prata e bronze. - disse-lhe.
-Eu ouvi, antes de sair de casa para
rodar com o táxi de tarde, que os organizadores já começaram a fazer besteiras.
-Trocaram a bandeira da Coreia do Norte
pela da Coreia do Sul. - antecipei-me.
-Um comentarista disse que é como trocar
a bandeira do Brasil pela da Argentina.
-Eles são rivais.
-O jogo da Coreia do Norte quase não
acontece, atrasou por mais de uma hora porque os coreanos do norte protestaram.
-E a Colômbia recebeu o nome de
Columbus. - citei outra batatada dos organizadores ingleses.
-Eles não dão importância para os países
mais pobres. - diagnosticou o Botafoguense.
-Houve um jogo Brasil e Espanha, não me
lembro em que olimpíada, em que tocaram o nosso Hino à Bandeira como se fosse o
Hino Nacional.
-Veja só! - exclamou o Botafoguense,
enquanto me deixava em casa.
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Os comentários sobre os Jogos Olímpicos
prosseguiram no táxi do Cunhado da Ivete.
-Você viu a nadadora mexicana? -
surpreendeu-me, pois esperava que ele falasse do tempo.
-Aquela que os navegantes da internet
consideram uma sereia?
-Eu vi nos jornais; apareceu de maiô
cavado com a marca do biquini... - vibrou.
-Ela sabe que os jogos olímpicos estão
na vitrine de toda a mídia e quer aproveitar a oportunidade. Você reparou que
ela se colocou em lugares estratégicos, perto do Michael Phelps e do Rayan
Lochte, dois recordistas de medalhas de ouro?- tagarelei.
-Os fotógrafos mostraram os dois como
coadjuvantes.
-E ela não deve nadar grandes coisas.
-E precisa?!... - enfatizou
-Como a mexicana não atrairá as lentes de
televisão e as câmeras dos fotógrafos pelas braçadas, tratou de recorrer aos
atrativos eróticos, e ...
-Sabe o nome dela?
-Maria Fernándes Gonçales, nome fácil de
decorar. Ela nada 100 e 200
metros , não sei a especialidade.
-Nado de peito. - não perdeu a piada
infame, que o fez gargalhar.
-Na Copa do Mundo, aquela paraguaia...
Depois de patinar, veio-me à mente o
nome:
-Larissa Riquelme! Ela dividiu a atenção
de todos com os jogadores.
-Você se lembra do lugar em que ela
colocava o celular enquanto torcia?
-No decote pra lá de generoso. -
respondi ao Cunhado da Ivete.
-Terminada a Copa do Mundo, Larissa
Riquelme ganhou rios de dinheiro como modelo de fotos da Playboy e outras
revistas masculinas.
-Ela soube administrar a plasticidade do
corpo, pois sua fama não durou apenas quinze minutos.
-Creio que a fama dessa nadadora
mexicana também durará muito. - vaticinou o fauno do táxi, enquanto me largava
na Rua Modigliani.
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No táxi do Meu Nobre, o assunto não foi sobre
as olimpíadas de Londres por causa da sua infância.
-Soltei muita pipa, quando garoto. -
disse, quando uma pipa, empinada pelos lados de Maria da Graça, entrou no nosso
campo visual.
-Minha mãe me chamando para estudar, e
eu com a pipa no alto sem querer trazê-la
para o chão.
-Tenho esse tempo bem na memória; era
uma febre, muitos preferiam a pipa à bola de futebol. - intervim.
-E quando eu derretia a cola de madeira
para fazer o cerol?... Empesteava a casa e punha a minha mãe doida.
-O vidro moído vinha de cacos de garrafa
colocados na linha do bonde?...
-Isso. - vibrou com a lembrança.
-Eu senti uma atração irresistível pelas
pipas com uns oito anos de idade, depois de uns seis anos, não empinei mais
pipa, mas meus dois irmãos mais novos prosseguiram por muito tempo desenrolando
a linha dez com cerol pelos céus do Cachambi. - manifestei-me.
Meu Nobre retomou a palavra:
-Havia verdadeiros artistas da pipa;
criavam morcego, arraia, o diabo... Faziam rabiola de pano...
-A pipa-morcego não levava rabiola. -
aparteei, recordando-me de um vizinho da Rua Cachambi que era um mestre na
confecção das pipas-morcego.
-Sei disso muito bem. Voltando à rabiola
de pano, colocava-se pedações de lâminas de gillette nela...
-Oferecia-se a rabiola para a pipa
adversária, quando ela vinha, puxava-se a linha e a lâmina entrava em ação. -
antecipei-me.
-Chegamos, meu nobre. - anunciou,
enquanto parava o seu táxi.
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