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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4009 Data:
18 de agosto de 2012
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AS IDADES DOS TAXISTAS
-E o metrô?
Não direi que a pergunta do 184 voltava
como leitmotif wagneriano porque estaria colocando boa música em cacofonia.
-Muita gente. - limitei-me a dizer.
-Eu viajava muito de metrô, quando trabalhei
na Prefeitura. Eu sou economista.
-Você me disse isso numa outra viagem. -
lembrei-lhe com o intuito de que ele descobrisse como era repetitivo.
Ele continuou:
-No metrô, a minha autoestima despencou.
Percebi que não precisava puxar por ele,
pois se deixava levar pelo som da própria voz.
-Eu viajava de pé, como sempre, com uma
das mãos agarradas no balaústre. Notei, então, que uma senhora me olhava. Ela
deveria alargar as calças e os vestidos na cintura e nos quadris, mas não era
muito gorda; beirava uns 45 anos. De repente, ela me dirigiu a palavra.
Apesar de curioso com essa cena, falei
um monossilábico sim com tonalidade de pergunta.
-“O senhor deseja se sentar?”.
Fez uma pausa, que eu não preenchi com
comentário algum, e prosseguiu.
-Ela me tomou por um idoso. É verdade
que tenho 62 anos, mas ninguém me dá mais de 52 e eu acreditava nisso.
-Com o oferecimento dessa senhora, você
não acredita mais? - intervim com um recôndito sadismo.
-Balancei. O pior de tudo era que aquela
senhora gorda não estava no banco dos idosos, gestantes, deficientes físicos.
Julguei-me um Matusalém.
-Ela, com a melhor das intenções, lhe
fez um mal.- comentei.
-Quase procurei um psicanalista com se
fosse um argentino.
E, repentinamente, enveredou para outro
tema:
-Sabe que o país onde há mais pacientes
de psicanalistas é na Argentina?
-Os hermanos sofrem de complexo
de culpa por votarem tão mal. - não perdi a piada.
-A Cristina Kirchner está esculhambando
o país; eles precisam desesperadamente de dólares.
Não pretendendo testar seu conhecimento
de economia, falei-lhe da desolação de um torcedor argentino na Copa do Mundo
de 1982:
-Depois da derrota para o Brasil de 3 a 1, eu li, no Globo, um
portenho, que disse: “Perdemos, neste ano, a Guerra das Malvinas para a
Inglaterra, acabamos de ser derrotado pelo Brasil no futebol. Só falta agora
descobrirmos que Gardel não era macho.
-Pelo menos, nessa Copa na Espanha, o
Brasil ganhou da Argentina. - manifestou-se mais uma vez.
A chegada à Rua Modigliani encerrou a nossa conversa que,
pela disposição verbal do taxista, iria até Corrientes, 348.
No dia subsequente, a corrida se deu no
táxi do Paizão.
-Tudo bem? - indaguei, enquanto
afivelava o cinto de segurança.
-Sendo você o meu primeiro cliente do
dia, é sinal de que tudo está bem, pois o seu astral é muito bom.
-Embora ele estivesse enganado,
agradeci.
-Deu a sua caminhada hoje?
-Rapaz, acompanhei a patroa nas compras
da semana. Isso me impediu de andar pelas ruas de Maria da Graça.
-Procure manter uma rotina de caminhadas.
- aconselhei.
-É claro; o meu cardiologista ordena que
eu ande três vezes por semana no mínimo.
-No táxi do 081, dia desses, ele
reclamava que teria de caminhar, depois de me deixar na Modigliani, queria
mesmo, confessou, ir para casa, jantar e dormir.
-Eu tenho 78 anos de idade. A minha
carteira de motorista foi tirada em 1955 (*). Estou aposentado desde 1992.
Dirijo, agora, das quatro horas da tarde às onze e meia da noite, mas não saio
de casa com a obrigação de fazer xis de diária.
Eu apenas o ouvia, para não interromper
o fluxo das suas palavras.
-O 081 possui vários imóveis, além de
outros bens... Não tenho olho grande nas suas propriedades; Deus o ajude,
porém, ele fica numa ansiedade incrível, gritando o número dele no rádio da
cooperativa em busca de passageiro. Parece que está com a corda no pescoço.
Longe disso...
-Ele não desfruta o dinheiro que tem. -
comentei.
-É isso. Viver não é só trabalhar. Eu
administro o meu tempo.
-O senhor deve trabalhar, porque o
cérebro tem de se manter ativo.
-Eu sei que não é aconselhável parar,
nem me estressar. - enfatizou o Paizão.
-Transformar o trabalho em lazer é uma
das mais sábias conquistas do cidadão. - disse-lhe.
-É o que eu tento fazer nos meus 78 anos
de idade.
-E o senhor não aparenta.
Quase lhe disse que estava tão bem
quanto o octogenário Sílvio Santos, mas ao notar a sua cintura, que se alargava
ainda mais na posição sentada, calei-me a tempo.
-Rua Modigliani, aqui eu deixo o meu primeiro
passageiro de hoje. - vibrou a voz do Paizão.
O
taxista do outro dia foi o Flamenguista. Chamo-o assim porque há um pequeno
escudo do Flamengo no painel do seu carro, no entanto, raramente fala de
futebol, menos ainda do clube da Gávea. Nessa corrida, tratou das agruras que
sofreu no trânsito naquela semana.
-Eu rodava na Avenida Brasil quando caiu
um contêiner.
-Era um contêiner refrigerado de vinte
pés com frangos.
-Eu sei que aquele trambolho, em plena Avenida Brasil ,
na altura de Benfica, provocou engarrafamentos num raio de quilômetros e mais
quilômetros, refletindo-se até em Niterói.
-Alguns dos poucos colegas meus, que não
entraram de greve, chegaram atrasados ao serviço.
-Para culminar, ainda houve o protesto
dos motoristas das Vans.
Sem pausas, foi adiante:
-Eu estava contente porque peguei, logo
que saí de casa, uma corrida boa para Fazenda Botafogo, mal sabia que me
depararia com aquele engarrafamento. Feitas as contas: perdi dinheiro.
-Ouvindo o noticiário, soube que o contêiner
caiu às três horas da manhã.- disse-lhe.
-Eles não podiam remover esse contêiner até
seis horas da manhã? - mostrou-se inconformado.
-O estorvo só foi removido às onze horas
da noite por causa do protesto dos motoristas das vans.
-Este país não tem jeito.
Tirou as mãos do volante e as levou à cabeça, mas
podia fazê-lo, pois o seu táxi já parara na Rua Modigliani.
O taxista, que se seguiu, não costumava
frequentar o ponto da rua Domingo de Magalhães, por isso titubeou quando eu lhe
disse o nome da minha rua.
-Onde é mesmo?
-Junto à Praça Manet.
-Sei qual é a praça, eu ia lá anos
atrás, sempre cheia de macumbas.
-Os despachos foram comuns até os anos
90. De sexta-feira para sábado, eles eram tantos que os urubus desciam para
bicar as galinhas sacrificadas que colocavam nos alguidares (**). Bicavam e
brigavam com os cachorros vadios que também queriam participar daquele
banquete.
-Era isso mesmo. - exultou ele com essas
lembranças malsãs.
Com o sucesso da igreja do bispo Macedo,
muitos umbandistas se tornaram evangélicos, e o número de macumbas caiu
drasticamente.
-É por isso que o bispo está cheio da
nota.
Depois dessa observação, a conversa
esfriou e fomos em silêncio até o destino que eu lhe indicara.
(*) Uma
investigação para o redator do seu O BISCOITO MOLHADO: qual terá sido o
primeiro táxi do Paizão?
O
Distribuidor aposta em Chevrolet 37.
(**) Taí um
assunto merecedor de uma edição exclusiva. Briga de cachorro com urubu, os
sindicatos dessas duas categorias deveriam entrar com ação contra os
evangélicos, que destronaram a macumba. Ou não?
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