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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

2209 - briga de cachorro com urubu


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4009                                          Data: 18 de agosto de 2012
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AS IDADES DOS TAXISTAS

-E o metrô?
Não direi que a pergunta do 184 voltava como leitmotif wagneriano porque estaria colocando boa música em  cacofonia.
-Muita gente. - limitei-me a dizer.
-Eu viajava muito de metrô, quando trabalhei na Prefeitura. Eu sou economista.
-Você me disse isso numa outra viagem. - lembrei-lhe com o intuito de que ele descobrisse como era repetitivo.
Ele continuou:
-No metrô, a minha autoestima despencou.
Percebi que não precisava puxar por ele, pois se deixava levar pelo som da própria voz.
-Eu viajava de pé, como sempre, com uma das mãos agarradas no balaústre. Notei, então, que uma senhora me olhava. Ela deveria alargar as calças e os vestidos na cintura e nos quadris, mas não era muito gorda; beirava uns 45 anos. De repente, ela me dirigiu a palavra.
Apesar de curioso com essa cena, falei um monossilábico sim com tonalidade de pergunta.
-“O senhor deseja se sentar?”.
Fez uma pausa, que eu não preenchi com comentário algum, e prosseguiu.
-Ela me tomou por um idoso. É verdade que tenho 62 anos, mas ninguém me dá mais de 52 e eu acreditava nisso.
-Com o oferecimento dessa senhora, você não acredita mais? - intervim com um recôndito sadismo.
-Balancei. O pior de tudo era que aquela senhora gorda não estava no banco dos idosos, gestantes, deficientes físicos. Julguei-me um Matusalém.
-Ela, com a melhor das intenções, lhe fez um mal.- comentei.
-Quase procurei um psicanalista com se fosse um argentino.
E, repentinamente, enveredou para outro tema:
-Sabe que o país onde há mais pacientes de psicanalistas é na Argentina?
-Os hermanos sofrem de complexo de culpa por votarem tão mal. - não perdi a piada.
-A Cristina Kirchner está esculhambando o país; eles precisam desesperadamente de dólares.
Não pretendendo testar seu conhecimento de economia, falei-lhe da desolação de um torcedor argentino na Copa do Mundo de 1982:
-Depois da derrota para o Brasil de 3 a 1, eu li, no Globo, um portenho, que disse: “Perdemos, neste ano, a Guerra das Malvinas para a Inglaterra, acabamos de ser derrotado pelo Brasil no futebol. Só falta agora descobrirmos que Gardel não era macho.
-Pelo menos, nessa Copa na Espanha, o Brasil ganhou da Argentina. - manifestou-se mais uma vez.
A chegada à Rua Modigliani encerrou a nossa conversa que, pela disposição verbal do taxista, iria até Corrientes, 348.


No dia subsequente, a corrida se deu no táxi do Paizão.
-Tudo bem? - indaguei, enquanto afivelava o cinto de segurança.
-Sendo você o meu primeiro cliente do dia, é sinal de que tudo está bem, pois o seu astral é muito bom.
-Embora ele estivesse enganado, agradeci.
-Deu a sua caminhada hoje?
-Rapaz, acompanhei a patroa nas compras da semana. Isso me impediu de andar pelas ruas de Maria da Graça.
-Procure manter uma rotina de caminhadas. - aconselhei.
-É claro; o meu cardiologista ordena que eu ande três vezes por semana no mínimo.
-No táxi do 081, dia desses, ele reclamava que teria de caminhar, depois de me deixar na Modigliani, queria mesmo, confessou, ir para casa, jantar e dormir.
-Eu tenho 78 anos de idade. A minha carteira de motorista foi tirada em 1955 (*). Estou aposentado desde 1992. Dirijo, agora, das quatro horas da tarde às onze e meia da noite, mas não saio de casa com a obrigação de fazer xis de diária.
Eu apenas o ouvia, para não interromper o fluxo das suas palavras.
-O 081 possui vários imóveis, além de outros bens... Não tenho olho grande nas suas propriedades; Deus o ajude, porém, ele fica numa ansiedade incrível, gritando o número dele no rádio da cooperativa em busca de passageiro. Parece que está com a corda no pescoço. Longe disso...
-Ele não desfruta o dinheiro que tem. - comentei.
-É isso. Viver não é só trabalhar. Eu administro o meu tempo.
-O senhor deve trabalhar, porque o cérebro tem de se manter ativo.
-Eu sei que não é aconselhável parar, nem me estressar. - enfatizou o Paizão.
-Transformar o trabalho em lazer é uma das mais sábias conquistas do cidadão. - disse-lhe.
-É o que eu tento fazer nos meus 78 anos de idade.
-E o senhor não aparenta.
Quase lhe disse que estava tão bem quanto o octogenário Sílvio Santos, mas ao notar a sua cintura, que se alargava ainda mais na posição sentada, calei-me a tempo.
-Rua Modigliani, aqui eu deixo o meu primeiro passageiro de hoje. - vibrou a voz do Paizão.


 O taxista do outro dia foi o Flamenguista. Chamo-o assim porque há um pequeno escudo do Flamengo no painel do seu carro, no entanto, raramente fala de futebol, menos ainda do clube da Gávea. Nessa corrida, tratou das agruras que sofreu no trânsito naquela semana.
-Eu rodava na Avenida Brasil quando caiu um contêiner.
-Era um contêiner refrigerado de vinte pés com frangos.
-Eu sei que aquele trambolho, em plena Avenida Brasil, na altura de Benfica, provocou engarrafamentos num raio de quilômetros e mais quilômetros, refletindo-se até em Niterói.
-Alguns dos poucos colegas meus, que não entraram de greve, chegaram atrasados ao serviço.
-Para culminar, ainda houve o protesto dos motoristas das Vans.
Sem pausas, foi adiante:
-Eu estava contente porque peguei, logo que saí de casa, uma corrida boa para Fazenda Botafogo, mal sabia que me depararia com aquele engarrafamento. Feitas as contas: perdi dinheiro.
-Ouvindo o noticiário, soube que o contêiner caiu às três horas da manhã.- disse-lhe.
-Eles não podiam remover esse contêiner até seis horas da manhã? - mostrou-se inconformado.
-O estorvo só foi removido às onze horas da noite por causa do protesto dos motoristas das vans.
-Este país não tem jeito.
Tirou as mãos do volante e as levou à cabeça, mas podia fazê-lo, pois o seu táxi já parara na Rua Modigliani.


O taxista, que se seguiu, não costumava frequentar o ponto da rua Domingo de Magalhães, por isso titubeou quando eu lhe disse o nome da minha rua.
-Onde é mesmo?
-Junto à Praça Manet.
-Sei qual é a praça, eu ia lá anos atrás, sempre cheia de macumbas.
-Os despachos foram comuns até os anos 90. De sexta-feira para sábado, eles eram tantos que os urubus desciam para bicar as galinhas sacrificadas que colocavam nos alguidares (**). Bicavam e brigavam com os cachorros vadios que também queriam participar daquele banquete.
-Era isso mesmo. - exultou ele com essas lembranças malsãs.
Com o sucesso da igreja do bispo Macedo, muitos umbandistas se tornaram evangélicos, e o número de macumbas caiu drasticamente.
-É por isso que o bispo está cheio da nota.
Depois dessa observação, a conversa esfriou e fomos em silêncio até o destino que eu lhe indicara.

(*) Uma investigação para o redator do seu O BISCOITO MOLHADO: qual terá sido o primeiro táxi do Paizão?
O Distribuidor aposta em Chevrolet 37.

(**) Taí um assunto merecedor de uma edição exclusiva. Briga de cachorro com urubu, os sindicatos dessas duas categorias deveriam entrar com ação contra os evangélicos, que destronaram a macumba. Ou não?





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