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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3 994
Data: 24 de julho de 2012
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SABADOIDO
ENTRE A FICÇÃO
E A REALIDADE
Lá fui eu, pela terceira vez, à casa do
meu irmão com o mesmo pacote de Biscoitos Molhados para a Rosa, digo, envelope,
em vez de pacote. No caminho, cumprimentei cinco pinguins. A temperatura neste mês
de julho caiu tanto que o Ponto Frio se transformou no Ponto Gélido, dizem os
engraçadinhos. Eu, que sou mais sério, acenava para as aves visitantes do
Círculo Polar Antártico e pensava no desenho dos Simpsons em que o frio era tão
congelante que eles, na igreja, sonharam com o quentinho do inferno quando o
pastor falou do destino dos pecadores.
Meu irmão, quando atendeu ao meu
chamado, no portão da sua casa, tremia tanto que olhei para os seus pés;
julgava que calçasse sapatos de raquete. Ao ver-me com o envelope na mão,
previu a minha intenção e disse:
-O Luca não virá.
Olhei para o meu irmão enquanto dizia
comigo mesmo que o fato de o Luca não vir para o Sabadoido não significa que
ele não aparecerá. Reportei-me então ao
dia em que
Napoleão Bonaparte se coroou imperador da França. Letícia,
sua mãe, nutria verdadeira ojeriza pela futura imperatriz, Josephine Bonaparte,
e, por isso, não compareceu ao evento. Isso não impediu que o pintor David,
primo de Debret, seguindo as ordens do imperador, a colocasse no quadro em que
reproduziu a coroação.
Na cozinha, encontrei-me com o meu
sobrinho que já havia devorado um pedaço de pão.
-Carlão, e o Seedorf?... Vai a estreia
dele amanhã?
-Daniel, não gosto de estreias.
Lembro-me da estreia do Campo Grande no Campeonato Carioca de 1962, quando
pegou o Botafogo de 5 jogadores titulares da Copa do Mundo do Chile. Eles
ganharam de 1 a
0.
-Li isso no “Há 50 Anos” do Globo. -
interveio meu irmão.
-Eu ouvi esse jogo, numa noite de quarta
ou quinta-feira, na Rua Americana, num rádio de pilha. - recordei.
-Não se apoquente, Carlão, pois o
Botafogo ganhou o título daquele ano.
-Assisti à decisão contra o Flamengo,
num sábado, no Maracanã. Ganhamos de 3 a 0, com dois gols do Garrincha.
-Eu também estava no grupo que saiu da Rua
Americana para o Maracanã. - manifestou-se mais uma vez meu irmão que, embora
lesse o jornal, prestava atenção no que dizíamos.
-Daniel, tenho de pagar um boleto
bancário... Eu costumo fazer esses pagamentos no computador personalizado do
meu trabalho, mas só volto quinta-feira das férias e a fatura vence antes,
segunda-feira.
-Carlão, eu aconselho a não fazer esses
pagamentos em que se tem de colocar senhas, no meu computador; fica tudo mais
exposto.
-Você quer dizer que, caso seu
computador vá para o conserto, alguém pode roubar meus dados?
-Isso.
-Você volta quinta-feira das férias ou
da greve? - quis saber o Claudio.
-Volto das férias. No meu trabalho,
entraram muitas pessoas jovens que imaginam que o serviço público foi feito
para se encostar, e eu não vou entrar em greve para preguiçoso ganhar um
salário maior neste país de tantos trabalhadores que ganham mal.
Meu sobrinho saiu da cozinha, enquanto
eu deduzia, pela falta de uma voz feminina, que a sua mãe não se encontrava em
casa.
-Claudio, a Rádio MEC está apresentando
programas dominicais de uma hora de duração, ao meio-dia, com o Turíbio Santos.
-É interessante, certamente.
-Durante muito tempo, o Turíbio Santos
foi o responsável pelo Museu Villa-Lobos. Ele conta que, certa vez, recebeu a
visita do Antônio Carlos Jobim.
-Tom Jobim apreciava muito o Villa-Lobos.
- aparteou-me.
-Turíbio Santos fala que, olhando as
partituras do Villa-Lobos, ele lhe dizia: “Há tesouros por aqui”. Então,
segundo o grande violonista, Tom Jobim se deteve na partitura do “Estudo nº 4
para violão” e falou mais enfaticamente sobre o tesouro que ali estava.
Notei a atenção do meu irmão e
prossegui:
-Turíbio Santos disse que, tempos
depois, notou que “O samba de uma nota só” fora tirado do “Estudo nº 4 para
violão” de Villa Lobos.
-Carlão, o computador está ao seu
inteiro dispor. - interrompeu-nos o Daniel com o seu jeito desenvolto.
Eu, que não desfivelara a pochete, onde
se achavam dois pendrives, rumei para o meu cybercafé dos
sábados. Acessei vídeos interessantes e
textos não menos curiosos, porém, o mais interessante deles eu leria no dia
seguinte numa coluna do Elio Gaspari. Vale transcrevê-la aqui:
“Outro dia, um curioso foi ao lindo
edifício do antigo Hotel Serrador, na Cinelândia, hoje ocupado por Eike Batista
e suas empresas. Dirigiu-se a um elevador e foi informado de que ele servia
apenas ao doutor Eike.”
“Esperou alguns minutos, embarcou noutro
e teve um delírio. Achou que subia na companhia de Ângelo Calmon de Sá, dono do
Banco Econômico; Theodoro Quartim Barbosa, do Comind; Edemar Cid Ferreira, do
Santos; e Richard Fuld, do Lehman Brothers. Todos gostavam de elevadores
exclusivos. Todos quebraram.”
Elio Gaspari poderia citar Paulo Ferraz,
que não era banqueiro, e sim empresário, dono do Estaleiro Mauá, que quebrou e
gostava de elevador privativo no prédio da Avenida Rio Branco, 103. Lá, em
1985, no sexto andar, onde localizava o seu escritório, ele não teve nervos
para esperar a areia assentar e deu um tiro no peito quando estourou o chamado
“Escândalo da Sunamam”. Na época, o czar
da economia brasileira, Delfim Neto, dizia que 500 milhões de dólares (em valor
da época) não sumiam assim...
Minhas divagações tiveram um basta
quando a voz grave do Vagner chamou pelo meu irmão.
-Vagner enfrentou o frio para comparecer
ao Sabadoido. - surpreendi-me.
Para desanuviar os meus pensamentos,
resolvi rever o vídeo em que o ator Jerry Lewis faz mímica de uma banda de
jazz. Mantive o texto do Elio Fischberg, o remetente do vídeo, que acertara em
cheio ao dizer que apenas os grandes artistas são capazes de atuação tão
espetacular como Charles Chaplin, Groucho Marx, Oscarito e Jacques Tati. Acrescentei o cômico francês e creio que o
Elio concorda, pois acredito não lhe veio à mente na hora em que escreveu.
Bem, o Vagner já chegou, daqui a pouco
virá o Luca, era hora de eu me dirigir para o local da sessão do Sabadoido.
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