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terça-feira, 14 de agosto de 2012

2202 - a rádio Roquette


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4002                                          Data: 05 de agosto de 2012
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65ª VISITA À MINHA CASA

   A visita que o grande educador Edgar Roquette-Pinto fez à minha casa foi uma as melhores coisas que me acontecerem.
-A sua importância foi fundamental para o país, pena que os brasileiros não valorizam as grandes personalidades que aqui nasceram. - disse-lhe.
-Eu dei o máximo de mim para levar educação ao povo. - afirmou.
-Um dos momentos mais significativos da sua vida foi a comemoração do I Centenário da Independência do Brasil?
-Sim, ela aconteceu aqui, no Rio de Janeiro, Capital Federal, com a Grande Feira Internacional.
-Foi nessa feira que os empresários estadunidenses mostraram a tecnologia da radiodifusão.
-O rádio, que surgiu na Primeira Grande Guerra, para acelerar as informações entre as tropas, passava a ser usada comercialmente. - interferi.
-Nessa Feira Internacional – prosseguiu – eles, para testar esse meio de comunicação, instalaram uma antena no pico do morro do Corcovado, onde colocaram mais tarde o Cristo Redentor; também havia aparelhos receptores em São Paulo.
Sim... - expressei a minha ansiedade em ouvir suas palavras sobre esse fato histórico.
-Então, o presidente Epitácio Pessoa proferiu o seu discurso de celebração do I Centenário da Independência do Brasil que foi captado aqui, em Niterói, em Petrópolis, na serra fluminense e em São Paulo.
-Foi a primeira transmissão radiofônica no Brasil. - vibrei.
-A bem da verdade, houve uma emissão radiofônica, em 1919, na Rádio Clube de Pernambuco.
-Sim, Professor Roquete Pinto, mas nessas proporções, que envolveram milhões de ouvintes, essa, da Feira Internacional dos Estados Unidos do  I Centenário da Independência do Brasil, foi  a primeira transmissão radiofônica no Brasil.
-Quando a isso, não há a menor dúvida. - concordou.
-Para você, que a tudo assistiu, foi como uma epifania.
-Eu disse na hora: “Eis uma máquina importante para educar nosso povo”.
-E partiu para a luta?
-Lutei para convencer o Governo Federal a comprar os equipamentos radiofônicos apresentados na Feira Internacional, mas foi uma batalha inglória.
-Estivéssemos no tempo do Império e Dom Pedro II, que se entusiasmou pela máquina fotográfica e pelo telefone, logo adotaria a invenção de Marconi. - manifestei-me.
-Eu não esmoreci, e convenci a Academia Brasileira de Ciências a adquirir os equipamentos. Foi criada, então, em 1922, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a atual Rádio MEC, dirigida por mim.
-Considerada a primeira rádio do Brasil.- enfatizei.
-Não se esqueça que, em 1919, já existia a Rádio Clube de Pernambuco. - lembrou-me.
-Sim, mas partindo da premissa do presidente Getúlio Vargas, que o Rio de Janeiro é um tambor que repercute por todo o Brasil, a sua rádio ficou conhecida como a primeira do Brasil e o programa “Ópera Completa”, aos domingos, 17 horas, como o mais antigo.
-A minha obsessão era educar o povo brasileiro e eu tinha nas mãos um importante instrumento. Eu disse: “O rádio é o jornal de quem não sabe ler, é o mestre de quem não pode ir à escola, é o divertimento gratuito do pobre, é o animador de novas esperanças, o consolador dos enfermos, o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e elevado.”
-Além das escolas em que estudei, Professor Roquette Pinto, eu cito a Rádio MEC como a instituição em que mais colhi ensinamentos, mormente sobre música clássica. Creio que, dos treze anos de idade, até hoje, não fiquei mais de trinta dias sem ouvir a rádio que você fundou.
-O presidente Getúlio Vargas percebeu a força da comunicação com as massas populares e investiu no rádio. Em 1936, os aparelhos de rádio já eram vendidos nas lojas. O alcance em mega-hertz da radiofusão foi elevado, pelo governo, a um nível que não poderia ser atingido pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
-Por ocasião do registro dos 80 anos do rádio, no Brasil, em 2002, eu assisti a uma entrevista com sua filha, na extinta TV Educativa. Ela disse que o pai, não tendo condições financeiras para investir, procurou o ministro Gustavo Capanema, do Ministério da Educação e Saúde, em 1936, com o objetivo de doar a rádio ao governo.
-Fui informado que ela seria incorporada ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Protestei na hora e estava certo, imagine que três anos depois, surgiria desse departamento o DIP, órgão repressor, responsável pela censura.
-Sua filha afirmou nessa entrevista, que você impunha a preservação do objetivo educativo como condição para a entrega da rádio e, no fim, venceu a disputa.
-O ministro Gustavo Capanema era um admirador da cultura, não fosse assim, não teria como chefe de gabinete um homem como Carlos Drummond de Andrade.
-Quantas poesias e crônicas do grande poeta não foram lidas na Rádio MEC.- recordei.
-Muitas obras de grandes homens de letras do Brasil foram repercutidas na Rádio MEC, apesar de o espaço maior da programação ser dedicado à música.
-Sim, mas houve, na década de 60, um programa em que eram lidos, diariamente, capítulos de um romance. Assim, eu tomei conhecimento de “O turbilhão”, de Coelho Neto, sem precisar comprar o livro num sebão.
-Na década de 60, eu já estava morto. Vivi de 1884 a 1954. Fundei também a Rádio Escola Municipal que, em 1946, o prefeito Henrique Dodsworth, sob meus protestos, mudou o nome para Rádio Roquete Pinto.
-Você era médico legista, professor, escritor, antropólogo, etnólogo e ensaísta?
-Eu não ficava parado.
-Você viajou com o Marechal Rondon?
-Fiz parte, em 1912, da Missão Rondon e fiquei várias semanas em contato com os índios nambiquaras, nas costas do Rio Grande do Sul, que desconheciam a civilização. Eu trouxe extenso material etnográfico das minhas viagens e, como tinha de partilhar com as demais pessoas o que aprendera, eu escrevi “Rondônia – Antropologia Etnográfica”.
-Você trouxe muitas gravações dos cantos indígenas, de músicas folclóricas, o som da selva.
-Villa Lobos gostou muito dessas gravações e as consultava com interesse.
-Vi, certa vez, o Guerra Peixe afirmar que o índio que o Villa Lobos conhecia era o carnavalesco. Dizia, subliminarmente, que o lenda de que viajara pelas selvas brasileiras em busca da música  silvícola.
O Professor Roquette Pinto preferiu não interferir nessa celeuma, mantendo-se quieto.
-A rádio Roquete Pinto está sob o domínio do governo estadual e até transmitiu óperas completas no passado; mas quando Carlos Lacerda se tornou governador, com a Capital Federal passando para Brasília, tornou-se marcantemente política. Certa vez, na campanha do seu candidato, Flexa Ribeiro, à sua sucessão, ele falou das 22 horas às 4 da manhã. Décadas depois, a rádio foi tomada pela chamada música da periferia, um atentado aos ouvidos civilizados, Há poucos anos, o Arthur da Távola, como secretário das Culturas, reformulou a programação e já se escuta choro, jazz, depoimentos de compositores e estudiosos da música popular brasileira. Houve uma melhora sensível. - tagarelei.
-Eu, quando me despedi, em 1936, da rádio que fundara, cochichei, chorando, no ouvido da minha filha Beatriz: “Entrego esta rádio com a mesma emoção com que se casa uma filha”.
Com essas palavras, partiu.





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