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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4002 Data:
05 de agosto de 2012
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65ª VISITA À MINHA CASA
A visita que o grande educador Edgar Roquette-Pinto
fez à minha casa foi uma as melhores coisas que me acontecerem.
-A sua importância foi fundamental para
o país, pena que os brasileiros não valorizam as grandes personalidades que
aqui nasceram. - disse-lhe.
-Eu dei o máximo de mim para levar
educação ao povo. - afirmou.
-Um dos momentos mais significativos da
sua vida foi a comemoração do I Centenário da Independência do Brasil?
-Sim, ela aconteceu aqui, no Rio de
Janeiro, Capital Federal, com a Grande Feira Internacional.
-Foi nessa feira que os empresários estadunidenses
mostraram a tecnologia da radiodifusão.
-O rádio, que surgiu na Primeira Grande
Guerra, para acelerar as informações entre as tropas, passava a ser usada comercialmente.
- interferi.
-Nessa Feira Internacional – prosseguiu
– eles, para testar esse meio de comunicação, instalaram uma antena no pico do
morro do Corcovado, onde colocaram mais tarde o Cristo Redentor; também havia
aparelhos receptores em São
Paulo.
Sim... - expressei a minha ansiedade em
ouvir suas palavras sobre esse fato histórico.
-Então, o presidente Epitácio Pessoa
proferiu o seu discurso de celebração do I Centenário da Independência do
Brasil que foi captado aqui, em Niterói, em Petrópolis, na serra fluminense e em São Paulo.
-Foi a primeira transmissão radiofônica
no Brasil. - vibrei.
-A bem da verdade, houve uma emissão
radiofônica, em 1919, na Rádio Clube de Pernambuco.
-Sim, Professor Roquete Pinto, mas
nessas proporções, que envolveram milhões de ouvintes, essa, da Feira
Internacional dos Estados Unidos do I
Centenário da Independência do Brasil, foi
a primeira transmissão radiofônica no Brasil.
-Quando a isso, não há a menor dúvida. -
concordou.
-Para você, que a tudo assistiu, foi
como uma epifania.
-Eu disse na hora: “Eis uma máquina
importante para educar nosso povo”.
-E partiu para a luta?
-Lutei para convencer o Governo Federal
a comprar os equipamentos radiofônicos apresentados na Feira Internacional, mas
foi uma batalha inglória.
-Estivéssemos no tempo do Império e Dom
Pedro II, que se entusiasmou pela máquina fotográfica e pelo telefone, logo
adotaria a invenção de Marconi. - manifestei-me.
-Eu não esmoreci, e convenci a Academia
Brasileira de Ciências a adquirir os equipamentos. Foi criada, então, em 1922, a Rádio Sociedade do
Rio de Janeiro, a atual Rádio MEC, dirigida por mim.
-Considerada a primeira rádio do
Brasil.- enfatizei.
-Não se esqueça que, em 1919, já existia
a Rádio Clube de Pernambuco. - lembrou-me.
-Sim, mas partindo da premissa do
presidente Getúlio Vargas, que o Rio de Janeiro é um tambor que repercute por
todo o Brasil, a sua rádio ficou conhecida como a primeira do Brasil e o
programa “Ópera Completa”, aos domingos, 17 horas, como o mais antigo.
-A minha obsessão era educar o povo
brasileiro e eu tinha nas mãos um importante instrumento. Eu disse: “O rádio é
o jornal de quem não sabe ler, é o mestre de quem não pode ir à escola, é o
divertimento gratuito do pobre, é o animador de novas esperanças, o consolador
dos enfermos, o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e
elevado.”
-Além das escolas em que estudei, Professor
Roquette Pinto, eu cito a Rádio MEC como a instituição em que mais colhi ensinamentos,
mormente sobre música clássica. Creio que, dos treze anos de idade, até hoje,
não fiquei mais de trinta dias sem ouvir a rádio que você fundou.
-O presidente Getúlio Vargas percebeu a
força da comunicação com as massas populares e investiu no rádio. Em 1936, os
aparelhos de rádio já eram vendidos nas lojas. O alcance em mega-hertz da radiofusão
foi elevado, pelo governo, a um nível que não poderia ser atingido pela Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro.
-Por ocasião do registro dos 80 anos do
rádio, no Brasil, em 2002, eu assisti a uma entrevista com sua filha, na
extinta TV Educativa. Ela disse que o pai, não tendo condições financeiras para
investir, procurou o ministro Gustavo Capanema, do Ministério da Educação e
Saúde, em 1936, com o objetivo de doar a rádio ao governo.
-Fui informado que ela seria incorporada
ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Protestei na hora e estava
certo, imagine que três anos depois, surgiria desse departamento o DIP, órgão
repressor, responsável pela censura.
-Sua filha afirmou nessa entrevista, que
você impunha a preservação do objetivo educativo como condição para a entrega
da rádio e, no fim, venceu a disputa.
-O ministro Gustavo Capanema era um
admirador da cultura, não fosse assim, não teria como chefe de gabinete um
homem como Carlos Drummond de Andrade.
-Quantas poesias e crônicas do grande
poeta não foram lidas na Rádio MEC.- recordei.
-Muitas obras de grandes homens de
letras do Brasil foram repercutidas na Rádio MEC, apesar de o espaço maior da
programação ser dedicado à música.
-Sim, mas houve, na década de 60, um
programa em que eram lidos, diariamente, capítulos de um romance. Assim, eu
tomei conhecimento de “O turbilhão”, de Coelho Neto, sem precisar comprar o
livro num sebão.
-Na década de 60, eu já estava morto.
Vivi de 1884 a
1954. Fundei também a Rádio Escola Municipal que, em 1946, o prefeito Henrique
Dodsworth, sob meus protestos, mudou o nome para Rádio Roquete Pinto.
-Você era médico legista, professor,
escritor, antropólogo, etnólogo e ensaísta?
-Eu não ficava parado.
-Você viajou com o Marechal Rondon?
-Fiz parte, em 1912, da Missão Rondon e
fiquei várias semanas em contato com os índios nambiquaras, nas costas do Rio
Grande do Sul, que desconheciam a civilização. Eu trouxe extenso material
etnográfico das minhas viagens e, como tinha de partilhar com as demais pessoas
o que aprendera, eu escrevi “Rondônia – Antropologia Etnográfica”.
-Você trouxe muitas gravações dos cantos
indígenas, de músicas folclóricas, o som da selva.
-Villa Lobos gostou muito dessas
gravações e as consultava com interesse.
-Vi, certa vez, o Guerra Peixe afirmar
que o índio que o Villa Lobos conhecia era o carnavalesco. Dizia,
subliminarmente, que o lenda de que viajara pelas selvas brasileiras em busca
da música silvícola.
O Professor Roquette Pinto preferiu não
interferir nessa celeuma, mantendo-se quieto.
-A rádio Roquete Pinto está sob o
domínio do governo estadual e até transmitiu óperas completas no passado; mas
quando Carlos Lacerda se tornou governador, com a Capital Federal passando para
Brasília, tornou-se marcantemente política. Certa vez, na campanha do seu
candidato, Flexa Ribeiro, à sua sucessão, ele falou das 22 horas às 4 da manhã.
Décadas depois, a rádio foi tomada pela chamada música da periferia, um
atentado aos ouvidos civilizados, Há poucos anos, o Arthur da Távola, como
secretário das Culturas, reformulou a programação e já se escuta choro, jazz,
depoimentos de compositores e estudiosos da música popular brasileira. Houve
uma melhora sensível. - tagarelei.
-Eu, quando me despedi, em 1936, da
rádio que fundara, cochichei, chorando, no ouvido da minha filha Beatriz:
“Entrego esta rádio com a mesma emoção com que se casa uma filha”.
Com essas palavras, partiu.
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