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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4008 Data:
17 de agosto de 2012
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TÁXI OLÍMPICO
-E o metrô?
Depois que o 184 apareceu no ponto da Rua
Domingo de Magalhães, é a terceira vez que entro no seu táxi e a conversa se
inicia com a mesma pergunta.
-Estava vazio.
-Vazio?!... – expressou uma admiração
comparável a de uma pessoa realista que foi informada que todos os corruptos
serão agora punidos no Brasil.
-Dentro dos parâmetros normais,
considera-se vazio um trem de metrô em que os passageiros viajam em pé sem se
esbarrarem.
-Duas pessoas por metro quadrado?
-Mais ou menos isso. -
Depois de satisfazer a sua curiosidade,
prossegui:
-No entanto, alguns desses passageiros
pegam o celular e falam...
-Não podem falar?- interveio.
-De uma maneira educada, sim, mas não em
voz alta, expondo a sua privacidade para todos. Eu não quero saber se o
namorado da filha de um desconhecido sai à noite para a balada, nem de
conhecido quero saber, aliás. - expressei-me com alguma irritação.
-Eu não consigo falar baixo, as minhas
cordas vocais são assim... – manifestou-se o 184.
Continuei:
-Descobri, por acaso, que pessoas
falando no telefone perto de mim, em voz alta, envelhecem meu cérebro em 15
anos pelo menos.
Sem esperar qualquer reação dele, fui
adiante:
-Há um teste japonês, na internet, em
que você calcula a idade do seu cérebro através da memorização de algarismos em
décimos de segundo. Pois bem, na sala do meu trabalho, no meio do silêncio, eu
me submeti ao teste e obtive como resultado 36 anos. Assim que me submeti pela
segunda vez ao mesmo teste, o telefone da mesa ao lado tocou e foi atendido por
um colega, com cordas vocais de barítono, que deu de contar as fofoquinhas da
atual greve do funcionalismo público. Terminei o teste e a minha idade pulou de
36 para 51 anos.
-Você prestou atenção no que ele falava?
-Com aquele vozeirão?!... Havia um
compositor, Villa Lobos, que compunha no meio de uma barulheira infernal. Ele
dizia que os ouvidos de dentro não têm nada a ver com os ouvidos de fora. Eu
não tenho esse poder de abstração.
Quando chegamos na Rua Modigliani, o 184
voltou a falar do Edinho, sua ideia
recorrente como o metrô.
-Sim, agora eu sei quem é o Edinho.
E rumei para casa.
No dia subsequente, mostrei-me
preocupado; descia as rampas da estação de Maria da Graça e não avistava um
táxi sequer no ponto da Rua Domingo de Magalhães. Passei entre os estudantes do
CEFET, que frequentam apenas as aulas nas oficinas por causa da greve dos
demais professores e quase corri para atravessar a rua. Nesse instante,
despontou um táxi apressadamente; fiz sinal e ele parou.
-É o 009, o Gaguinho. – constatei,
enquanto ele abria a porta da frente.
-Parei porque era você.
E explicou-se.
-Recebi, nesse momento, um telefonema do
meu filho; ele precisa ir agora a Madureira, e está na Rua Luiza Vale.
-É caminho. – aparteei.
-Ele vai jogar handebol.
-O Brasil se saiu bem nesse esporte, em
Londres, talvez agora haja divulgação na mídia. - comentei.
-Ele joga handebol muito tempo antes das
Olimpíadas de Londres. Treina no Fluminense. – gaguejou o 009 mais do que o
costume.
-Eu assisti a alguns jogos na televisão.
-O handebol é muito violento. – gaguejou
ainda mais.
-Eu vi a fotografia de duas africanas
estrangulando uma norueguesa, se não me engano era da Noruega, no meio de uma
partida.
-Ela ficou desacordada. - completou o 009 a notícia.
-Houve muitas atletas truculentas nessa
Olimpíada de Londres; por exemplo, na partida dos 100 metros , um camarada
atirou uma garrafa de plástico na pista...
-Na frente do Usain Bolt?... –
interrompeu-me.
-Não, os atletas não viram porque foi
arremessado atrás deles sem prejuízo algum para a corrida.
E continuei com a narrativa.
-Mal o sujeito arremessou a garrafa, foi
imobilizado por uma judoca da Holanda, com mais de 1,80 m , de altura, que o entregou aos policiais.
-Chegamos a Rua Modigliani. – avisou.
-Um bom jogo de handebol para o seu filho.
- desejei, enquanto saltava para a calçada.
Na quarta-feira, o táxi do 081 ponteava
a fila do ponto da cooperativa.
-Lá vamos nós. - falou ele, na sua voz
altissonante, sem perder o acento português, apesar das muitas décadas no Brasil.
Notei que não acionara o taxímetro, como
nas últimas dez ou quinze corridas que fiz com ele, mas nada falei, pois
receberia os 8 reais com gorjeta.
-Você agora, depois do trabalho, vai
para casa?
-Sim. - respondi.
-Eu, depois dessa corrida, vou caminhar.
-As caminhadas são muito boas.
Ele, no entanto, se mostrou contrariado.
-Eu não queria caminhar, mas tenho de ir
porque meu pé... deu um negócio no meu pé. – disse abrindo e fechando a mão por
várias vezes.
-Seu pé latejou. – tentei adivinhar,
imaginando o dedo que lhe fora amputado por causa da diabetes.
-Isso aí, latejou. Eu gostaria de ir
para casa jantar e dormir, mas tenho de caminhar. O médico mandou.
-Eu caminho uma hora.
-Muita coisa; meia-hora para mim está
bom e três vezes por semana.
-Muito pouco. – pensei sem me
manifestar.
-Olha a sujeira dessas árvores. - disse
de mal humor, indicando as folhagens no chão.
Aquela má vontade com os vegetais me fez
esquecer das limitações do 081.
-As árvores são vitais para nós por
causa da fotossíntese.
-Que porra é essa? – alteou ainda mais a
voz.
-As folhas absorvem dióxido de carbono e
liberam oxigênio.
-Olhe como elas estão: secas, caídas,
entrando nos bueiros para entupir tudo nos dias de chuva.
Emudeci, só falei quando saltei do seu
táxi para lhe desejar uma boa caminhada.
No outro dia, peguei o táxi do Botafoguense.
-E o nosso técnico que colocou o Seedorf
no banco contra o Atlético Goianiense... – reclamou mal eu encaixara o cinto de
segurança na cintura.
-A argumentação do Oswaldo de Oliveira é
plausível; Seedorf veio da temporada europeia, entrou de férias e, agora,
estaria em pré-temporada, ou seja, o calendário dele, fisicamente falando,
ainda não se ajustou aos jogadores de futebol daqui.
-Ele só jogou vinte minutos. – lamentou.
-Você viu que, no dia seguinte, o
Seedorf corria em volta do campo. Diante do espanto dos repórteres, ele
explicou que precisava de mais atividade física para entrar em forma.
O Botafoguense me ouviu e se manifestou:
-Veja se a garotada faz isso?... Mal
termina o treino, eles disparam para os seus carrões imaginando a noitada.
-Na época dos grandes craques, eles
ficavam depois do término do treino para aprimorar batidas de falta, entre
outras coisas. – lembrei.
-É verdade.
-Isso não acontece só no futebol, em
outros segmentos também. No meu trabalho, por exemplo, os jovens, de maneira
geral, só pensam em dinheiro no bolso e não em se tornarem mais capacitados
para o serviço.
E o papo se encerrou com a chegada do
táxi à minha rua.
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