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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4000 Data:
03 de agosto de 2012
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O PLANO REAL
O Biscoito Molhado alcança a edição de
nº 4000 e, para comemorar este acontecimento, optamos por falar de uma das
poucas coisas boas que duram neste país: o Plano Real, que chegou aos 18 anos
de existência. A inflação, quando ele surgiu, era maior do que o número de
moedas que o Tio Patinhas guardava na sua caixa-forte: 1 142 332 741 811 850%, de
1967 a
1994. Este valor impronunciável foi constituído nos governos de Costa e Silva,
Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, João Batista de Figueiredo, José Sarney,
Fernando Collor de Mello e Itamar Franco. Para que não cometamos injustiças,
temos de citar os seguintes governantes que muito contribuíram para tal
desgraça: Juscelino Kubitschek, com a construção de Brasília; Jânio Quadros, com
a sua renúncia; e João Goulart, pela anarquia avermelhada.
Dos presidentes citados, o gramaticão
José Sarney foi quem mais se impregnou de charlatanice com o denominado Plano
Cruzado. Lançou-o com o congelamento de preços e os mais iludidos se denominaram
“fiscais do Sarney”, e, depois de eleitos quase todos os candidatos a
governador do seu partido, a derrocada veio com maior intensidade e se abateu
sobre o país. Deixou o governo com uma hiperinflação diária de 3%. Nesse cenário, Fernando Collor de Mello tomou
posse e ministrou ao paciente um remédio mais maléfico do que a doença: o
confisco do dinheiro circulante. Destituído do poder por corrupção (a moda da
punição não pegaria no Brasil), assumiu o vice-presidente Itamar Franco.
Depois de indicar quatro ministros da
Fazenda sem competência para o cargo, ouviu um conselho iluminado do
parlamentar Roberto Freire: “Mude o Fernando Henrique Cardoso do Ministério das
Relações Exteriores para o Ministério da Fazenda”.
Sobre o novo cargo que teria de assumir
no governo de Itamar Franco, FHC escreveu:
“Curiosa a vida. Eu sempre olhara para a
economia pelo viés sociológico das questões estruturais. De repente, tive que
entrar em cena em um momento no qual o desafio a ser enfrentado requeria
medidas ortodoxas de política fiscal e de política monetária, sem contar
negociações com os banqueiros internacionais para pôr fim à desafortunada
moratória de 1987.”
Sobre essa moratória, vale lembrar um
episódio ocorrido no Senado Federal onde o carismático ministro Dílson Funaro
foi prestar esclarecimentos sobre o Plano Cruzado. Em certo momento o Senador
Roberto Campos o abordou:
-Ministro, eu fui informado que as
reservas do Brasil não passam de irrisórios 5 bilhões de dólares.
-Eu posso lhe garantir que as reservas
são bem maiores do que esse valor. - retrucou Funaro.
-As reservas do Brasil estão
perigosamente baixas. - insistiu Roberto Campos.
-É a minha palavra contra a sua. -
declarou Dílson Funaro sob os aplausos da plateia orelhuda.
Poucos meses depois, ou seja, em 1987, o
Brasil entrava na “desafortunada moratória”, cinco anos após aquela decorrente
da quebra do país, em 1982, na gestão do czar Delfim Netto.
Para tratar desse mal, o ministro da
Fazenda Fernando Henrique Cardoso convocou a personalidade mais capacitada para
tal, Pedro Malan. Eis o que escreveu:
“... Pedro Malan, primeiro como
negociador-chefe e depois, como presidente do Banco Central, com firmeza e
seriedade, além da paciência chinesa que o caracteriza, preparou um intricado
pacote de opções para a troca dos antigos títulos da dívida por novos, com
melhores condições de pagamento.”
“Com esse aval nas mãos (a chancela do
FMI) o Tesouro americano emitiria bônus de uma série especial que o Banco
Central do Brasil compraria e depositaria no Banco Internacional de
Compensações (BIS) - espécie de banco central dos bancos centrais, sediado em
Basileia, na Suíça. Esses bônus serviriam de garantia aos bancos credores na
troca dos títulos velhos por novos, com melhores condições de pagamento e juros
menos agressivos.”
“O volume total da dívida negociada
chegou a 70 bilhões de dólares, sendo cerca de 50 bilhões com credores privados
e o restante com governos e instituições oficiais. Emitiram-se títulos novos de
prazo médio superior a 20 anos. Com a renegociação da dívida, o Brasil saiu da
moratória e voltou ao mercado internacional de crédito. Foi a maior operação de
renegociação da dívida feita até então pelo mercado financeiro internacional.”
O Dieckmann apresentou um dia, no
Departamento de Marinha Mercante, um teste de um curso de administração de
empresas. Consistia o mesmo em quatro grupos de cinco pessoas, com um chefe.
Eles se perderam da nave-mãe, na lua, e cada um dos perdidos possuía treze
artigos (bússola, lanterna, caixa de fósforos, lata de leite em pó, garrafa d'
água, etc.). Todos, com uma listagem na mão, deveriam, depois de um tempo de
confabulações no seu grupo, assinalarem em ordem decrescente os artigos mais
importantes para se chegar à nave mãe. No final, valeria como nota de cada
grupo a listagem entregue pelo seu respectivo chefe, mas se saberia depois a
nota de todos os participantes do teste.
O grupo chefiado por uma colega psicóloga, que se antecipara e escolheu
o MacGyver (um amigo engenheiro, mestre nessa matéria) para o seu grupo, tirou,
no entanto, a segunda pior nota, entre os grupos, do teste, cinco e meio,
enquanto ele foi o que mais se destacou de todos, oito e meio. Por que aconteceu
essa disparidade? Porque o conhecimento técnico foi neutralizado pela
ignorância autoritária da chefe.(*)
Fernando Henrique Cardoso soube escolher
e organizar a melhor equipe para a formulação do Plano Real, ouvir as ideias
desses técnicos, e, com excelente tino administrativo, no Ministério da
Fazenda, colocá-las em prática, enquanto dissuadia o presidente da República,
Itamar Franco, de tomar medidas populistas, como o congelamento de preços.
André Lara Resende, Persio Arida e Edmar
Bacha, que estiveram no Plano Cruzado como o MacGyver dos “perdidos na lua”,
foram convocados para atuarem no Plano Real, além do já citado Pedro Malan, e
outros, como Armínio Fraga. Sobre este, escreveu Fernando Henrique Cardoso:
“... Armínio, que eu viria a conhecer
melhor mais tarde, após ele ter assumido o BC, em 1999, já àquela época (1993)
tinha consistência técnica profunda. Sempre demonstrou acuidade e raciocínio
rápido, somado à capacidade de ação. Com seu jeito adolescente – depois de
minha saída da Presidência, várias vezes apareceu na minha casa em São Paulo de mochila às
costas - sua simplicidade pessoal e a maneira agradável, direta e clara de
expressar o que pensa e faz, cativam logo. Além disso, é de um otimismo
fundamental.
Fernando Henrique Cardoso defendeu o
Plano que interrompeu a marcha insidiosa da inflação de 1 142 332 741 811 850%
até poucos dias antes do fim do seu mandato. Eis o que escreveu o cronista
Ricardo Noblat
-”A campanha presidencial de 2002 estava
pelo meio quando FH convidou Lula para uma conversa reservada: “O que você
acha?”- perguntou Lula. “Acho que você vai ganhar, mas precisa fazer um gesto
para acalmar o mercado financeiro e o mercado internacional.” - respondeu FH.
“Pouco tempo depois, Lula divulgou a
Carta aos Brasileiros onde prometia manter a política econômica de FH. Em
telefonemas para os presidentes dos Estados Unidos, Bill Clinton, do FMI e do
Banco Mundial, FH avalizou a promessa de Lula.”
Como se vê poucas coisas foram tão
eficazes na história do Brasil quanto o Plano Real, por isso é o assunto deste
Biscoito Molhado que chega ao número que se equipara à inflação anual do tempo
do presidente Sarney.
Além disso, o Biscoito Molhado também
chegou aos 18 anos de existência.
(*) A
experiência foi relatada sucintamente e perguntamos ao próprio Dieckmann qual
era a sua lembrança do fato. O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO primeiramente
alegou falta de memória, mas, em seguida, convencido pelos holofotes que
iluminariam o seu nome a partir de uma história decente nos disse: “O exercício
era para mostrar a funcionalidade do trabalho em grupo. E , no caso, tratou-se
não de autoritarismo puro e simples, mas da capacidade excepcional da colega em
questão em colocar seus pontos de vista. Com perspicácia e argumentação de
primeira linha, retirou as boas opiniões do Mc Gyver e as substituiu por
idiotices soberbas. Foi o único caso no DMM em que a nota do grupo foi inferior
à média das notas individuais. O SEBRAE comentou pouco depois que foi um dos
poucos casos em que esta situação ocorreu e que seria um caso de forte
liderança negativa.”
Em seguida, o
Dieckmann disparou: “Pode-se considerar o episódio uma história decente?”Claro
que pode – retrucamos.
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