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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5037 Data: 29 de janeiro de
2014
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
PARTE VI
CRISMA – Aconteceram umas duas ou três vezes no meu curso
primário; depois das provas habituais, nos entregavam mais papéis
mimeografados, com o seu característico cheiro de cachacinha, para respondermos
questões religiosas. Não reprovavam, senão eu ficaria eternamente no mesmo ano.
O grandalhão da turma, para escapar daquilo, disse à professora que era
espírita, ela lhe indagou, em seguida, se os espíritas acreditavam em Deus; com
a resposta afirmativa, obrigou-o a se sentar e responder àquelas questões
religiosas.
Pouco tempo depois, meteram-me nas
aulas de catecismo para eu fazer a Primeira Comunhão. Foi um desastre. A
professora me pediu para recitar o “Credo” de cor. Confessei-lhe que não sabia.
“E o Padre-Nosso?” Afirmei que sabia; graças a Deus ela não duvidou de mim, foi
crédula, pois seria outro fiasco.
Creio que, em casa, contei com o meu
pai como aliado, pois consegui evitar aquelas aulas e de ser vestido de branco
dos sapatos à cabeça.
Mas da Crisma eu não escapei. Ainda
hoje, encontro católicos fervorosos que me garantem que o Sacramento da Crisma
não é realizado sem a Primeira Comunhão. Juro que fui crismado sem comunhão,
mas não quero criar celeuma alguma.
Como poderia esquecer a minha Crisma?
Eu e meu irmão Claudio fomos crismados juntos. A minha confissão ao padre não
se apaga da minha memória, foi a primeira e última. Apesar de eu ser
considerado bem comportado pelos adultos, recebi a pena de rezar não sei
quantos Padres Nossos e Ave Marias. Meu irmão, coitado, que brigava de soco todos
os dias na escola e que era considerado um pestinha, saiu do confessionário
vermelho, completamente abalado, como se já sentisse o tridente do diabo
espetando as suas nádegas.
Meu padrinho de Crisma foi meu primo
mais velho e favorito, o Dudu que, levando tão a sério a escolha da minha mãe,
me chamava, às vezes, de afilhado, mesmo quando muitos anos já tivessem sido
transcorridos.
Ganhei presentes; um LP do tenor
Ferruccio Tagliavini, de outro primo e também pelos meus quinze anos, ganhei da
minha mãe o “Tronco do Ipê”, romance de José de Alencar, uma brochura com uma
dedicatória dela, que sobrevive até hoje porque está nos seus guardados.
MERENDA – Na Escola 9-10 Manoel Bomfim, todos os dias, uma moça
com lápis e papel na mão, pedia licença à professora e se dirigia à turma
informando qual era a merenda. Não havia
necessidade de perguntas, braços eram levantados, ela contava quantos, escrevia
no seu caderno e passava para as salas seguintes com a mesma missão.
Mingau de sagu, mingau de aveia e sopa
de feijão não eram muito demandados; muitos braços se erguiam quando a merenda
era mingau de maisena ou macarronada com queijo parmesão ralado. Certa vez, um
coleguinha me afirmou que repetiu a macarronada cinco vezes, comia e voltava
para a fila com um prato vazio nas mãos. Não era permitido o bis, por isso,
achei exagerada a sua afirmação. Mas que um prato só de macarronada não saciava
a nossa fome, isso era verdade. Tudo era bem contado pela gente da cozinha,
tantos eram os glutões.
Quando a moça interrompia a aula e para
informar que a merenda era biscoito com goiabada, poucos eram os dedinhos que
não ficassem em pé. Infelizmente, isso só acontecia uma vez por semestre.
Muitos traziam a merenda de casa
embrulhada em papel de padaria. Como eu não sou e nem pretendo ser candidato a
qualquer cargo eletivo, podem acreditar no que digo, merendei, muitas vezes,
sanduíche de banana. Era preferível à sopa de feijão, mingau de sagu e outros
integrantes do cardápio escolar com exceção da macarronada; os biscoitos com
goiabada não vou nem citar.
Não era só isso. Antes do início das
aulas, éramos todos perfilados no pátio, e lá, depois de cantarmos o Hino do
Soldado (*), tínhamos de beber um leite de gosto duvidoso que ficava num
caldeirão bojudo junto à entrada para as salas de aula. Todas as turmas ficavam
afuniladas por essa entrada; não havia, portanto, como escapar daquele leite.
Um dia, comovi a minha mãe sobre o meu
horror em ingerir aquele líquido sem açúcar e gosto de leite. Ela disse, então,
à merendeira, quando eu era o próximo da fila a ser sacrificado, que eu chupei
manga. A merendeira, que acreditava nessas crendices, me liberou, Nas outras
vezes, porém, eu não escapei.
Quem lia os gibis do Bolinha e se
lembra da reação dele quando a sua mãe lhe enfiava um tônico goela abaixo,
entende o que eu quero dizer.
Quando eu ingressei no ginásio, no
Colégio Visconde de Cairu, havia também merenda, mas era de melhor
qualidade. Num balaio de tamanho industrial,
colocavam pãezinhos recheados de sardinha em lata; os alunos passavam por ele e
retiravam o seu sanduíche.
O nosso diretor era um lacerdista
empedernido; colocou no colégio uma placa escrita “Obra do Governo Carlos
Lacerda”, semelhante às milhares de placas espalhadas pela cidade-estado,
embora não houvesse obra alguma ali, apenas um monte de terra.
Surpreendi-me quando ele foi exonerado
pelo seu ídolo com a acusação de ter fraudado a receita transferida pelo Estado
da Guanabara para a compra das merendas. Surpreendi-me, em termos, pois a
qualidade já havia caído ao nível das merendas do meu tempo de curso primário.
(*) Conhecido
como o Hino do Soldado, trata-se , entretanto, da Canção do Exército:
Canção do Exército
Nós somos da Pátria a guarda,
Fiéis soldados,
Por ela amados.
Nas cores de nossa farda
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
Em nosso valor se encerra
Toda a esperança
Que um povo alcança.
Quando altiva for a Terra
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
A paz queremos com fervor,
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.
Fiéis soldados,
Por ela amados.
Nas cores de nossa farda
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
Em nosso valor se encerra
Toda a esperança
Que um povo alcança.
Quando altiva for a Terra
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
A paz queremos com fervor,
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.
Como é sublime
Saber amar,
Com a alma adorar
A terra onde se nasce!
Amor febril
Pelo Brasil
No coração
Nosso que passe.
Saber amar,
Com a alma adorar
A terra onde se nasce!
Amor febril
Pelo Brasil
No coração
Nosso que passe.
E quando a nação querida,
Frente ao inimigo,
Correr perigo,
Se dermos por ela a vida
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
Assim ao Brasil faremos
Oferta igual
De amor filial.
E a ti, Pátria, salvaremos!
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
Frente ao inimigo,
Correr perigo,
Se dermos por ela a vida
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
Assim ao Brasil faremos
Oferta igual
De amor filial.
E a ti, Pátria, salvaremos!
Rebrilha a glória,
Fulge a vitória.
A paz queremos com fervor,
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.
A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada
For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor.
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