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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5178 Data: 29 de
agosto de 2015
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XLV
2ª PARTE
NOTAS (4) – A próxima prova foi de Ciências, segmentada em
Biologia, Química e Física. Dessa vez, estava comigo o Luca, que também se
submeteria a esse exame no mesmo local: um prédio na Tijuca pertencente à
Universidade do Rio de Janeiro. Juntando-se a nós o meu irmão Cláudio, veterano
de Supletivo, que o Luca levava como carona no seu Fusca velho de guerra de
chapa SW 3200.
Eu me sentia atraído por Biologia,
tanto pela Botânica quanto pela Zoologia. A minha atração primeira foi pela
Botânica, não pela matéria propriamente dita, mas pela palavra que me soou
misteriosa quando, garoto, escutava na Rádio Ministério da Educação e Cultura a
radiofonização da peça teatral, em 1 ato, de Machado de Assis, “Lição de
Botânica”. Mais tarde, soube que a definição de flor, cientificamente aceita,
era de um dos meus ídolos, Goethe, autor de três obras que foram transformadas
em óperas: “Fausto”, “Werther” e “Mignon”.
Anos depois, no Visconde de Cairu, vim saber,
de verdade, guardada as devidas proporções, o que representava a Botânica; foi
quando aprendi, entre outras coisas, que o órgão feminino da flor era o gineceu
e o masculino, androceu, até que cheguei ao horto da Dona Rosa. Ela merece um
parágrafo.
Dona Rosa, nossa professora da terceira
série, dividiu a sua turma em 5 grupos de 8 alunos. A cada grupo coube um
pedaço de terra do Visconde de Cairu, dividido irmãmente, onde cultivávamos
legumes e verduras. Mesmo vivendo no governo do João Goulart – o ano era 1963 –
no calor das chamadas reformas de base,
não fazíamos comparação alguma com reforma agrária,
“Rapazes, vamos lá ver como está o
“horto da Dona Rosa”, dizíamos com a expressão mais marota do que acadêmica.
Zoologia também despertava a minha
atenção. O fato de as minhocas se reproduzirem por cissiparidade era, para mim,
inesquecível, principalmente nas provas, além de outros milagres da natureza,
como a genética descoberta pelo Padre Mendel através de experiências com
ervilhas,
Tenho de assinalar também um livro de
Biologia emprestado por um amigo e vizinho da Rua Americana, o Joaquim, que
ficou em meu poder durante todo o ano de 1964. Volta e meia eu o consultava
para melhor conhecer os lepidópteros e até mesmo as periplanetas americanas,
mais conhecidas por baratas voadoras, e outros bichos, principalmente os
morcegos, que tanto me assustaram, na minha primeira infância, porque os
humanos os transformaram em vampiros trajados com compridas golas nas capas
pretas e com caninos pontiagudos.
Quanto à Química, dividida em orgânica
e inorgânica, eu conhecia alguma coisa da tabela periódica. No meu tempo de
curso ginasial, não fazia feio nas questões sobre átomos e moléculas. Sabia de
algumas fórmulas, de algumas combinações, como ácido com base, que podemos
espargir gotas de limão (ácido acético) no peixe (base). Mas depois que saí da escola, as únicas
questões de química com que me defrontei foram nas palavras cruzadas.
Se Física fosse apenas as três leis de
Newton e o seu disco sobre a composição das cores, eu me garantia, mas nessa
matéria você tem de enxergar muito além disso, muito além de Óptica, mas não
para um concurso de segundo grau.
Bem, a pior dificuldade foi a mesa em
que respondemos as questões; economizaram tanto na madeira, que tínhamos de
equilibrar a folha da prova numa autêntica raquete, o que provocou críticas até
do Luca, que era craque nas partidas de pingue-pongue.
O teste de História foi uma beleza para
mim porque eu nunca me afastei dela, mesmo fora dos bancos escolares. Meu avô
morrera em 1963, e meu pai herdou seus pesados discos de carnaúba de 78 rpm e
seus livros, alguns deles de Victor Hugo, que li. Também devorei dezenas de
romances de Alexandre Dumas, na minha adolescência. Esses dois escritores
beberam muito na fonte do historiador Michelet, que é o autor da “História da
França”, em 30 volumes, que, creio, foi lida da primeira à última página apenas
pela Rosa Grieco.
As biografias também eram uma maneira
de se conhecer História, e eu lia tantas que o Doutor Pirulito, um amigo e
vizinho que se formaria em Medicina, dizia que eu adorava saber da vida dos
outros.
Nessa avaliação do supletivo, reunimos
nós três outra vez. Depois de cumprida a missão, fomos para o curso GB, no
Méier, onde meu irmão se preparara em 1973, para o 1º grau, e em 1974, para o
2º. Lá estava um professor que habilitou seus alunos nessa matéria; sentados os
quatro, numa mesa de bar, falei-lhe das questões que me vinham à mente e das
minhas respostas. Nós nos detivemos no Encilhamento, resultado das medidas
econômicas do Ruy Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda do Brasil, nomeado
que foi pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Recordo-me que, naquela conversa, eu
resumi aquela política de promover a industrialização do Brasil incentivando o
crescimento, para livrar o país da dependência do capital externo, de besteira
do Ruy Barbosa, e o professor repetiu as minhas palavras. “Dez?” – indagou-me,
depois. “9,5, errei uma questão.” – respondi-lhe. Transcorridos os anos, não
sei dizer qual foi o meu erro, nem mesmo se era da História do Brasil, da
América ou Geral.
No dia em que a matéria a ser submetida
aos candidatos foi Geografia, nuvens ameaçadoras surgiram no céu. Eu estava
sozinho, Luca a eliminara no ano anterior, meu irmão, sem a facilidade do
transporte, preferiu passar o sábado jogando bola ou no cinema, não posso
afirmar corretamente. Ao me deparar com os 20 quesitos iniciais, logo depreendi
que encarava o meu primeiro grande obstáculo à minha pretensão de não perder
mais tempo na minha volta à escola. Já narrei, tempos atrás, que, dos aprovados
no Visconde de Cairu, eu talvez tenha tirado a pior nota em Geografia, mas
agora o contexto era outro, se, em 1961, eu fui preparado precariamente, agora,
não. Nos 4 anos do ginasial do Visconde de Cairu, eu estudei com bons
professores, e, além disso, eu memorizei tudo que estava nas apostilas do meu
irmão: clima, tipos de vegetação, rios, países, oceanos, mares, continentes,
índices pluviométricos, o diabo. Mas as perguntas fugiram desses parâmetros,
elas tinham mais a ver com os jornais do que com os livros didáticos. Apenas
11% dos candidatos não foram eliminados, eu tirei 6, cobrando-me, não pela
nota, mas por não ter assinalado que o problema maior da fronteira ocidental da
Amazônia é a proteção militar; isso não é questão que se erre, muito menos,
numa prova difícil.
Então, veio o terror: Matemática. Penso
que não exagero quando digo que mais de 50% do total dos candidatos vinham dos
supletivos dos anos anteriores, porque caíram diante dessa barreira, mesmo
considerando que, em 1974, no tempo do Romualdo Carrasco, duas questões foram
anuladas e um ponto de bonificação foi dado a todos.
Na sala, antes da sirene tocar, um
candidato se levantava ia até a porta e retornava à sua cadeira. Não passavam
30 segundos e repetia o seu gesto de puro nervosismo. Quanto a mim, procurei me
fortalecer com o meu retrospecto. Entrei para o Visconde de Cairu com nota 5, enquanto
os que tiraram nota zero chegavam as centenas. Do professor Alcyr, da Admissão,
ao professor da 4ª série ginasial, todos tiveram uma boa didática na matéria.
Nem mesmo o Professor Charada, da 3ª série, que fazia as suas alunas chorarem
com as notas baixas, me assustou. Eu estava preparado para aquela prova, eu
gostava de Matemática e pressentia que era correspondido, que não seria traído
por ela.
Enfrentamos as questões e o candidato
que se mostrara nervoso, ao entregar a prova, desabafou o seu protesto, dizendo
que aquilo era pura maldade, que não havia necessidade de prejudicar a vida de
tantas pessoas que desejavam prosseguir na vida estudando. Bem, vivíamos o
regime militar, cujo maior fracasso foi no campo educacional, mas não cabe
falar nisso neste momento.
Entreguei a prova no último segundo permitido
para a resolução dos problemas e saí de sala em dúvida: será que não deu?
Apenas 6% dos candidatos lograram êxito
e a minha nota foi 5,5.
Como não conseguiram me parar, eu tinha
de seguir em frente.
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