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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5193 Data: 19 de
setembro de 2015
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CONVERSAS NO
METRÔ
A minha ida para o trabalho, nessa última sexta-feira,
já foi complicada, começando no ônibus e terminando no táxi, a volta não seria
também normal.
Na estação Carioca, o trem, com direção a Pavuna era
daqueles que vieram da década de 80. Parece que guardam os trens chineses,
cujos termostatos estão mais preservados para o verão que se se aproxima -
pensei.
As portas do trem se abriram e eu entrei com uma leva
de pessoas. Um cidadão, que descia o último lanço da escada correu, mas, sem a
aceleração do Usain Bolt, não chegou a tempo; a porta se fechou com estrondo na
sua cara, No entanto, o trem, em vez de seguir em frente, continuou parado e as
luzes se apagaram. Em seguida, as portas reabriram. O retardatário aproveitou a
oportunidade para sair, enquanto umas dez pessoas no vagão em que eu me
encontrava retornaram para a plataforma. Em poucos minutos, várias pessoas se
abanavam, algumas, dramaticamente.
O que houve?... Com a falta de notícias, que a direção
do metrô teria a obrigação de dar aos usuários, muitos palpitaram. Os
engraçadinhos não fugiram do clichê: “o pneu furou”. Finalmente, soou dos
alto-falantes a informação que “estamos parados devido à sinalização à frente”.
Mais passageiros passaram para a plataforma, inclusive
o retardatário. Então, a luz voltou ao trem e, com ela, os que haviam saído. As
portas se fecharam e, dessa vez, o trem partiu.
-Estivemos parados devido à queda de luz na estação da
Central. - ouvimos dos alto-falantes.
Estranho! Antes, era a sinalização, agora a queda de
luz na Central... - dei tratos à bola.
Quando o trem parou nessa estação, houve o habitual
fluxo e refluxo de passageiros, dessa vez mais intenso, às 4 horas da tarde,
por causa do inesperado atraso.
Duas senhoras que embarcaram ali, com frases truncadas
falavam do que realmente atrapalhou o trânsito: uma tentativa de suicídio.
-Vou saltar porque não aguento esse calor; o ar aqui
está desligado. – disse uma delas.
-Eu ainda vou até São Cristóvão. - disse a outra.
Quando ficou sem a sua interlocutora, tratei de puxar
conversa com ela.
-Quando estávamos na Carioca, a informação que deram
foi queda de luz na Central.
-Que nada! Um sujeito se jogou na linha férrea para
ser esmigalhado por este trem.
-O metrô nunca fala em suicídio e já houve alguns. -
disse-lhe.
-Quando ele pulou para a linha férrea, parou tudo.
Vieram uns dez seguranças para tirá-lo de lá.
-Uns dez... – estranhei a quantidade.
-Que luta eles tiveram! A força do sujeito era
descomunal.
-Pelo tempo que esperamos, imagino o trabalho que os
seguranças tiveram.
-Quando ele já estava na plataforma e tudo parecia
resolvido, ele correu para se atirar na outra linha férrea.
-A do trem sentido zona sul ou Tijuca?
Ela confirmou com a cabeça.
-Os seguranças do metrô têm de ter, entre seus
equipamentos de resgate, camisa de força. – disse-lhe, mas ela mal me ouviu,
pois correu para a porta que se abrira em São Cristóvão.
Mais um depressivo.
-Que calor! – grasnaram atrás de mim.
Sem se preocuparem com a deficiência do ar
condicionado e menos ainda com a tentativa de suicídio, que ocorrera duas
estações atrás, um casal que não aparentava mais de 40 anos de idade,
conversava animadamente. Peguei a conversa no meio.
-A sua mulher já está na fase dos desejos?
-Já, infelizmente, está.
-E você está conseguindo cumprir a sua missão de
marido?
-Por enquanto estou, mas não sei até onde vou
aguentar.
-Tem de aguentar; é a sua obrigação. - disse ela com
uma entonação sádica na voz.
-Para você ter uma ideia, ela, que não queria ver copo
de leite na sua frente, que afirmava que sofria de intolerância à lactose, deu
para beber leite. Eu até pensava que ela não fosse mamífera, agora, sei que é.
-Você, então, teve de ir ao supermercado para comprar
as caixas de leite para ela.
-Quanto a isso, não houve problema, porque tenho o meu
estoque, só que, agora, são dois a consumirem. Trabalho eu tive quando ela
cismou em comer gomos de jaca.
A moça riu.
-Ela me dizia que o cheiro da jaca já lhe embrulhava o
estômago, dando-lhe ânsia de vômito; engravidou e quer comer jaca. Se nós
morássemos numa casa, eu não duvido que me obrigaria a plantar uma jaqueira no
quintal.
-Mas depois de o bebê nascer, ela mandaria você arrancar
com raiz e tudo.
-Esse desejo da jaca passou, o do leite também, mas
não sosseguei ainda dos desejos que ainda virão. Também há coisas de que ela
gostava e que, agora, tem repulsa.
-Eu, quando engravidei, tomei aversão pelo meu marido.
-A minha mulher não entrou nessa fase.
-O barulho dos passos dele pela casa me irritava, a
voz, então... Coitadinho, sofreu nas minhas mãos.
Infelizmente, o destino da grávida irritadiça com o marido
era a estação do Maracanã e o diálogo foi interrompido.
Mas aquela viagem era mesmo inusitada, pois nem todos
estavam fixados nos seus celulares e smartphones;
passageiros conversavam e eu direcionei os meus ouvidos para dois senhores que
trocavam ideias.
-Por que você não vai para o Shopping Nova América e,
de lá, pega uma condução para casa?
-Não. Não, vai atrasar a minha vida. Eu tenho de
encarar mesmo aquele corredor e pegar a Avenida Suburbana.
-Eu soube que tem havido muitos assaltos por lá.
-Para lhe ser sincero, nunca vi ninguém ser assaltado
por lá. O horror são aqueles pedintes de esmola, eles grudam em você como visgo
e, enquanto não receberem, pelo menos dois reais, não desgrudam. Já andei mais
de cem metros com um pendurado em mim. Querem dinheiro para se matarem com o
craque. É a miséria.
-A miséria, a pobreza; tudo a mesma coisa. -
acrescentou o outro.
Saltei em Maria da Graça, enquanto eles prosseguiam
naquele trem, pensando no que os dois disseram. Li “Crime e Castigo”, de
Dostoiévski uns trinta anos atrás, mas atualmente releio e estava bem viva na
minha memória as palavras do miserável Marmieládov, viciado em álcool, para
Raskólnikov, quando se encontraram numa taverna: “Na pobreza, o senhor ainda
preserva a nobreza dos sentimentos inatos, mas, na miséria, ninguém nunca o
consegue.”
Não é a mesma coisa, aqueles pedintes não pobres, são
miseráveis.
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