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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5191 Data: 17 de
setembro de 2015
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O GRANDE
DITADOR
Durante uma fase da minha vida de leitor, eu era
fascinado pelas crônicas de Pitigrilli. Meu pai trazia livros e mais livros,
coletâneas de crônicas do escritor italiano, da biblioteca do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem e eu devorava tudo com os olhos, encantado com
os temas abordados e a erudição com que ele os desenvolvia.
“Quem nasceu Pongetti nunca chega a Pitigrilli”,
cantava Juca Chaves na canção em que diz “existe um só Beethoven pra mil Carlos
Imperial”. Eu lia as crônicas do Pongetti, nas páginas do Globo e concordava
inteiramente com o sarcástico menestrel, mais um admirador do cronista
italiano.
Nas minhas visitas aos sebões, sempre que me deparava
com uma obra sua, tratava de comprar e ler.
Um dia, soube que o ator Rodolfo Mayer, atuando no
monólogo “As Mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch, em Buenos Aires, fala em
psicanálise, e Pitigrilli, na plateia do teatro, contesta a ciência de Freud,
transformando o monólogo em diálogo. O que fazia o italiano na capital da
Argentina? Não me detive muito nessa questão, pensei mais no privilégio dos
espectadores em assistir àquele espetáculo inesperado.
Então, veio o dia em que, lendo uma crônica sua, minha
admiração ficou abalada; ele escrevia sobre o filme “O Grande Ditador”, de
Charles Chaplin. No seu texto, expressou a sua indignação com o gênio do cinema
por ter caricaturado, ridicularizado, duas personalidades históricas que eram
Hitler e Mussolini. Que ducha de água
fria! Como disseram, muito bem, o homem mais querido do mundo, Carlitos, em “O
Grande Ditador”, representou o mais odiado, Hitler. Mas, para Pitigrilli,
pseudônimo de Dino Segre, pelo que eu depreendia, o Carlitos não merecia tanto
amor, nem Hitler, tanto ódio.
Mais tarde, veio-me a resposta da presença do escritor
em Buenos Aires; ele lá se refugiou, depois de passar pela Suíça, quando os
nazistas ocuparam a Itália; embora fosse católico, era tido como judeu, pelo
lado paterno e casara como uma judia. Antes, Dino Segre foi informante da OVRA
– Organizzazione per la Vigilanza e la
Repressione dell' Antifascismo – serviço secreto fascista – de onde foi
demitido em 1939.
Meu irmão Claudio foi ainda mais admirador do que eu
dos seus escritos literários e cita-o, muitas vezes; chegou a ler quase todos
os seus romances, além dos seus “biscoitos” como Guimarães Rosa chamava as
crônicas do Fernando Sabino, pedindo-lhe em troca pirâmides, obras de maior
fôlego, ou seja, de mais páginas. Esses livros envelheceram – já não eram novos
quando caíram nas nossas mãos – e não vêm sendo mais reeditados nesses últimos
anos. Assim, meu irmão tem sofrido pressão da mulher para jogá-los fora, com
outras velharias que “só ocupam espaço e acumulam cupins e bactérias”, mas ele
se mantém ainda fiel ao autor, Quanto a mim, devolvi todos à biblioteca do DNER
e os outros se perderam nas mudanças de residência.
Vida que segue com suas surpresas. Poucos dias atrás,
eu me deparo com resenhas de livros sobre Hitler, no jornal “A Folha de São
Paulo” e não há como eu não comentá-las.
No livro “História Bizarra da 2ª Guerra Mundial”,
Otavio Cohen revela que Hitler assistiu a “O Grande Ditador”, de Charles
Chaplin, no seu cinema particular (Stalin e outros governantes, ditadores ou
não, tinham o seu cinema particular). O
assombroso é que ele viu o filme e gostou. O autor, para fazer essa afirmação,
que nos deixa pasmos, se baseou em relatos de testemunhas e em registros
revelados no Julgamento de Nuremberg.
Segundo eles, as cenas de que Hitler mais gostou foram aquelas
referentes a Benzino Napoleoni (Benito Mussolini), principalmente quanto à sua
baixa estatura.
E mais: Hitler viu o filme duas vezes, não mordeu o
tapete – dizem que ele mordia o tapete, era um “teppichfresser” - quando tomado
pela fúria. Riu ao ver Goebbels retratado como Garbitsch, Herring como Göring e
ele mesmo como Hynkel.
Imaginamos que Hitler viu e reviu o filme no período
da guerra em que os nazistas venciam todas as batalhas, quando tudo era um mar
de rosas para ele e um mar de sangue para os seus inimigos.
Evidentemente que o gosto do ditador não impediu que
Charles Chaplin fosse considerado inimigo da Alemanha e “O Grande Ditador” fosse
terminantemente proibido de entrar em cartaz nos países ocupados pelos nazistas;
aliás, em alguns estados americanos, onde o ódio ao comunismo era mais
exacerbado, a fita de Charles Chaplin foi também proibida, sendo apenas
permitida quando os Estados Unidos entraram na guerra depois do ataque a Pearl
Harbor.
Conta o livro de Otavio Cohen que alguns soldados
alemães, que ocupavam Belgrado, na antiga Iugoslávia, conseguiram assistir a “O
Grande Ditador”, na clandestinidade - “um momento de lazer proporcionado por um
jovem cabo iugoslavo que trabalhava uma distribuidora de filmes”. Ele enviara a película para o setor de
entretenimento do exército nazista sob um nome falso, e “se divertiu com a
história quando soube que o seu plano tinha dado certo.” Todos, acreditamos,
devem ter se divertido muito.
Hitler era fascinado pelo Mickey Mouse, isso não é de
pasmar ninguém que conhece um pouco a história dessa tenebrosa figura. Algum
leitor malicioso deste periódico pode lembrar que o Dieckmann também é, não
deixando de publicar semanalmente, na sua página do Facebook, histórias do
Mickey Mouse acompanhadas de suas análises. Mas a comparação entre os dois fãs
do mais famoso personagem do Walt Disney não se sustenta, pois Dieckmann,
menino, era de chorar copiosamente com a morte da mãe do Bambi, enquanto
Hitler, menino, era de queimar a floresta para torrar não só a mãe do Bambi
como todos os veadinhos que nela estivessem.
“Mein Kampf”, Minha Luta, apesar de eu ter frequentado
quase diariamente, nas décadas de 80 e 90, os sebões do Centro da cidade, nunca
me deparei com esse livro. Explicaram-me que tão logo um judeu vê esse livro
exposto, trata de comprá-lo para que não circule entre as pessoas. Novas
edições, nunca soube de nenhuma. Evidentemente que eu o leria, assim como todos
que nutrem interesse pela história.
Sei de trechos de “Mein Kampf”, por caminhos oblíquos.
Dessas resenhas da Folha de São Paulo a que me referi antes, soube que Hitler escreveu
um capítulo sobre a sífilis.
Há referências ao diário do médico favorito do Fuhrer,
o Dr. Theodor Morell, em que se diz que Hitler sofria dessa doença, contraída
no bairro da luz vermelha, onde se localizavam os prostíbulos de Viena. A
obsessão dos últimos anos do ditador era um sintoma da doença, além dos
batimentos irregulares do coração proveniente de uma aortite sifilítica. Outros
sintomas da sífilis são arrolados pelo médico: encefalites, tonturas,
flatulências, pústulas no pescoço, dores no peito, dores no estômago e
paralisias.
Com a saída do Dr. Theodor Morell da equipe, em 1944,
entraram em cena outros médicos e ele queimou o seu diário. Capturado pelos
aliados, ele não foi a julgamento. Morreu em 1948, mas narrou trechos do seu diário
que guardara na memória.
Bem, já falamos de muita coisa ruim. O melhor, agora,
é rever “O Grande Ditador” para espairecer.
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