-------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5186 Data: 10 de
setembro de 2015
------------------------------------------------------
122ª VISITA
À MINHA CASA
-Alexander Hamilton, os seus feitos de fundador dos
Estados Unidos da América estão sendo lembrados com extraordinário sucesso na
Broadway, mais de 200 mil ingressos vendidos por antecipação e você aparece
aqui, em Del Castilho, na minha casa!...
-Bem, houve mais fundadores e não foram só eu. George Washington,
Benjamin Franklin, John Adams...
-Sim, mas o fundador da economia dos Estados Unidos,
quem deu a feição do capitalismo americano, foi você.
-Talvez. - evitou a autopromoção; havia muitos para
fazê-la.
-Por que não está em Nova York, assistindo ao musical
que conta a sua história?
-Lá estive por diversas vezes na plateia e nos bastidores;
não perceberam a minha presença.
-A atriz brasileira, Fernanda Torres, escreveu uma
crônica em que garantiu que, ao atuar no monólogo “A Casa dos Budas Ditosos”, o
autor, já morto, João Ubaldo Ribeiro ocupava uma cadeira na coxia direita que,
soube ela depois pela produtora da peça, seria o lugar dele.
-No meu caso, a música da Broadway me saturou, prefiro
música erudita; assisti a duas apresentações e saí de lá.
-O musical foi visto pelo ex-presidente Bill Clinton e
pelo presidente Barack Obama. E pensar que você tinha tudo para ser Presidente
dos Estados Unidos se não fosse aquela tragédia...
-Sem falsa modéstia; creio que chegaria, mesmo, ao
poder máximo nos Estados Unidos.
-Alexander Hamilton, você é um dos maiores casos de
superação que se conhece na história; nasceu nas Antilhas, na Ilha de Nevis,
criado na Ilha de São Cristóvão...
-Eu estava perto de onde chegou Cristóvão Colombo e
longe de onde desembarcaram do Mayflower os pioneiros puritanos. - comentou com
um sorriso.
-Você era filho... - titubeei.
-Filho de um mascate escocês com uma prostituta
francesa, pode dizer que é a verdade. Eu não teria chance de subir na Europa
aristocrática, mas no Novo Mundo sim, apesar dos preconceitos.
-Tinha chances porque trabalhou muito.
-Comecei pirralho, com 11 anos, eu era balconista de
uma empresa de contabilidade. Eu não só trabalhava muito, como estudava, mesmo
sozinho; estudei Matemática, História e Ciências Naturais.
-Você já havia partido da América Central?
-Em 1772, eu já vivia em Nova York, saindo da pequena
ilha de Saint Cox, nas Ilhas Ocidentais inglesas. Lá, passei a escrever ensaios
que difundiam ideias sobre a necessidade de a América deixar de ser colônia da
Inglaterra.
-Pelo que li,
sobre essa peça da Broadway, você escreveu um poema que alcançou um sucesso
inesperado, que atravessou fronteiras. Deram-lhe, então, uma bolsa de estudos e
você não desiludiu seus benfeitores.
-Eu também escrevia poemas, mas o meu forte eram os
textos em prosa. Com 17 anos de idade, eu escrevia panfletos e fazia comícios
nos lugares públicos de Nova York açulando o povo contra o rei.
-Na América, você caiu no meio do caldeirão político?
-Entrei no meio da agitação revolucionária. Os colonos
americanos estavam indignados com a metrópole. Homens de Boston, disfarçados de
índios, invadiram três navios ingleses e jogaram ao mar cargas inteiras de chá
de uma companhia inglesa, em repúdio à taxação. A cidade foi, por isso, punida
pelo rei George III com uma quarentena.
-Isso em 1773?
-Sim; e eu havia chegado um ano antes.
-Você estudou Direito?
-Estudei Direito no King's College, que, depois,
receberia o nome de Universidade de Columbia.
-Quando a guerra da independência estourou, você
entrou, sem perda de tempo, para a vida militar?
-A guerra veio em 1775 e eu me apresentei como
voluntário na milícia de Nova York para pôr-me frente à frente com os soldados de George III.
-O líder dos revolucionários, George Washington,
estava acampado em Nova York?
-Sim, eu era capitão de uma companhia de artilharia e
atraí a atenção de George Washington, que me quis como ajudante de campo e seu
secretário particular. Ele me promoveu ao posto de tenente-coronel.
-Encontrou tempo, ainda assim, para estudar?
-Sim, em 1782, quando a guerra de independência
persistia, eu terminei o curso de Direito.
-Você atuou na histórica Convenção de Filadélfia, de
1787, que resultou na Constituição dos Estados Unidos?
-Representei o estado de Nova York na Convenção de
Filadélfia, e publiquei uma séria de escritos em que defendi as ideias contidas
na Constituição. James Madison e John Jay, dois grandes políticos e
intelectuais, fizeram o mesmo.
-Os textos de vocês três foram reunidos e se tornaram
um clássico da literatura política americana com o título “Ensaios
Federalistas”.
-”Federalist Papers”. - disse o nome original.
-Você foi um
dos primeiros a predizer o futuro industrial dos Estados Unidos, quando o
pensamento de uma nação americana agrária pairava acima de tudo, absoluto.
-Em 1778, eu visitei as Grandes Cataratas do Rio
Passaic, no norte de Nova Jersey e vislumbrei que elas poderiam prover energia
para um centro industrial no estado. Mas eu não via máquinas apenas lá e sim no
país inteiro.
-George Washington, que o conhecia muito bem, eleito
presidente, indicou-o, em 1789, para a Secretaria do Tesouro, com a espinhosa
missão de pôr ordem no caos econômico em que as 13 ex-colônias, os primeiros
estados da América, se achavam.
-Assumi, como Secretário do Tesouro, a bandeira dos
federalistas, lutando para que o povo americano tivesse um governo central
fortalecido com uma só constituição, uma só moeda, pois eram muitas as moedas
que serviam de valor de troca.
-Surgiu, então, o inexpugnável dólar. - assinalei.
-No leste da Pensilvânia e da Virgínia, para dar um
exemplo do caos econômico, o uísque muitas vezes tomava o lugar do dinheiro.
Tínhamos de ter uma única moeda.
-E que moeda! - exclamei.
-Eu estudava muito os pensadores da ciência econômica,
franceses e ingleses, acompanhava a prosperidade da Inglaterra com a indústria,
para cumprir mais essa missão que me era dada pelo grande George Washington.
-Como secretário do Tesouro, você consolidou a dívida
pública da União e dos estados, fundou o banco nacional, a Casa da Moeda e
lançou os fundamentos da industrialização dos Estados Unidos.
-Em dois anos, eu submeti ao Congresso cinco
relatórios que representariam uma revolução financeira na economia do país e
sabia que encontraria uma resistência contrária titânica.
-O seu maior opositor, no terreno das ideias, foi um
dos fundadores da nação americana, Thomas Jefferson.
-Thomas Jefferson achava uma loucura desviar a
população americana do campo para as fábricas, argumentando com a abundância de
terras dos Estados Unidos. Eu rebatia, afirmando que não haveria independência,
nem segurança que perdurassem, se as oficinas estivessem apenas na Europa.
-Entre Alexander Hamilton e Thomas Jefferson, o
Partido da Indústria e o Partido da Agricultura, entre o norte,
industrializado, e o sul, agrário, oscilou os Estados Unidos durante algumas décadas.
- comentei.
-Só o tempo diria quem estava certo, mas nem eu e nem
ele viveríamos para saber.
-É verdade. Abraão Lincoln, quando presidente da
República, adotou o seu programa, eclodiu a guerra civil do Norte contra o Sul,
e as suas ideias, colocadas em prática, fizeram dos Estados Unidos o que eles
são hoje.
-Thomas Jefferson estava errado, mas isso não tira o
seu extraordinário valor. Nós dois nunca imaginaríamos que o nosso embate no
terreno intelectual acabaria numa guerra civil.
-O mesmo não se pode dizer de Aaron Burr. - assinalei.
-Nós dois lutamos juntos pela independência, eu, que
cheguei a coronel, e ele, a general do Exército Continental. Deixando a vida
castrense, nós nos apartamos irremediavelmente.
-O controle político pelo estado de Nova York os
tornou inimigos.
-Só um duelo de pistola, com um de nós morto, poria um
termo àquela rivalidade. E eu levei a pior.
-Em 1804, quando você tinha menos de 50 anos de idade,
morre tão estupidamente.
-Para um bastardo, eu fiz muito, enquanto vivi, não é
verdade? - disse com um sorriso e partiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário