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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

2664 - Misael Chopin Rodrigues 2




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4914                                 Data:  29 de  julho de 2014
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UM PIANO AO LEVANTAR DA MANHÃ
PARTE II

À alusão do Simon Khoury ao compadrio até na música, despertou novamente a indignação do Simon Khoury.
-No Brasil, infelizmente, é assim. O nosso começo já foi errado. Os portugueses que vieram para cá, vieram saquear. Os “Pilgrims”, sim, chegaram à América para colonizar, para formar uma nação.
-E ainda vieram os degredados para o Brasil.- aparteou a pianista convidada.
O tema trazido por ela era instigante, pois a Austrália foi edificada por criminosos ingleses banidos para esse país, mas Jonas Vieira se ateve a relação Brasil-Portugal:
-Eu tenho a tese que o fado é originário do Brasil, era a saudade que estava aqui e foi levada para Portugal.
-Até no hino está “Deitado eternamente em berço esplêndido”, é hora de acordar. - indignou-se também a convidada do programa.
-É a herança maldita. - atalhou e retalhou o Jonas Vieira.
Simon Khoury ressurgiu para contemporizar:
-Soninha, eu vim a conhecer Aloysio de Alencar Pinto através de você. Muita coisa boa eu conheci por sua causa. A vida dele, o que ele fez, se foi um homem triste, alegre...
E emendou com a pergunta aparentemente díspar do seu comentário:
-Quando você interpreta, você considera a vida do compositor ou a música em si?
Essa questão guardava similitude com a que ele fizera à Fernanda Canaud, e a resposta de Sônia Maria Vieira foi quase idêntica. Atenta mais para a partitura, mas leva também em conta a vida do compositor, procura, sobretudo, ver o que se encontra nas entrelinhas.
Mais uma pergunta do Simon Khoury:
-E se você percebe que um compositor mais recente pegou trechos de outro compositor?
-Isso pode acontecer. Às vezes vem um átimo de uma ideia de um compositor para outro que é desenvolvido. O Michel Legrand escreveu o Go-Beetween, o Mensageiro,que é, na verdade, um tema de um concerto de Mozart. Não é que ele quisesse roubar, ele ouviu, a música ficou tão entranhada nele, que julgou que fosse sua.
-A “Insensatez” do Tom Jobim é o Prelúdio nº 4 do Chopin. - deu o Simon Khoury outro exemplo.
Jonas Vieira citou o Hino Nacional Brasileiro, que foi “inspirado num  compositor francês, Lully.
Um parêntese: muitos dizem que Francisco Manuel da Silva, tendo sido aluno do Padre José Maurício, “plagiou” ou “homenageou” seu mestre com melodias da “Matinas da Nossa Senhora da Conceição”, quando compôs a música do hino nacional brasileiro.
Jonas Vieira Khoury torturou a sua memória, quando quis aludir a um compositor paulista, envolvido em caso semelhante, e prometeu que lembraria o nome mais tarde.
Sonia Maria Vieira enveredou pelas artes plásticas, dizendo que um amigo seu pintou um quadro idêntico ao que fora descrito num poema do Mário Quintana, sem que soubesse disso.
-Às vezes, as ideias ocorrem em variados locais ao mesmo tempo.
Comentaram, em seguida,  a obra musical de Aloysio Alencar Pinto, que harmonizava temas europeus até que chegou a pausa.
Depois da “Pausa para meditação” do Fernando Milfont, Jonas Vieira retornou irritadiço:
- Não se escuta no rádio Sônia Maria Vieira. A mídia está voltada para o lixo.
-Repara que quem tem rádio não escuta rádio. - assinalou o Simon.
Jonas Vieira se referiu, então, a um escritor americano, de nome sesquipedal, Kurt Caswell, que previu que a inteligência artificial emularia com a humana até superá-la, acarretando a destruição do homem.
Sônia Maria Vieira, demonstrando notável cultura, citou Isaac Asimov, o consagrado autor de tantas previsões que se concretizaram,  e o seu livro de contos “Nove Amanhãs” em que destacava dois deles: “A Profissão” e “A Última Pergunta”.
-Vamos ficar no real. - interveio o Simon Khoury, que, logo em seguida, voltou a se referir a Aloysio de Alencar Pinto.
-Dele, vamos ouvir a quinta peça da suíte “Sarau de sinhá” chamada “Valsa”.- anunciou a pianista.
-Que beleza! - rejubilou-se o Jonas Vieira logo que ressoou a última do piano.
E de novo o perfil de entrevistador Simon Khoury se manifestou:
-Qual a diferença entre erudito e clássico?
-O compositor chamado erudito – o nome é mesmo pomposo! - compõe para concertos. O Clássico foi um período da música que se estendeu do século XVIII ao inicio do XIX (Haydn, Mozart). A música erudita é medieval, renascentista, barroca,  romântica, impressionista, contemporânea, eletrônica.
-Lembrei – cortou o Jonas Vieira a exposição didática da sua convidada.
Era Zequinha de Abreu o nome do compositor paulista que se escondera nos escaninhos da sua memória, e “Tico-tico no fubá”, a música. Há quem encontre semelhanças entre o “Tico-Tico no Fubá” e um trecho do primeiro movimento do Concerto nº 1 para Piano e Orquestra de Beethoven, mas ele não requentou o assunto, cedeu a palavra ao Simon Khoury, que nos informou da presença do Jordan, marido da pianista, também compositor.
-Ele fez uma música para mim e para ela: “Quase Outono” e “Primavera”.
Bem, caros leitores, não é preciso dizer qual dos dois inspirou “Primavera”.
-Os músicos populares acham que os eruditos não sabem improvisar. Que mistério é esse? - outra pergunta em que ele lembrou seus bons tempos da Rádio Jornal do Brasil.
-Nós nos dedicamos tanto a interpretar o que está escrito, que não resta tempo para improvisações; no entanto, o improviso está nas próprias obras. Chopin, Schubert têm improvisos.
-A “Valsa Improviso” de Chopin é uma beleza. -  manifestou-se o Jonas Vieira.
E Simon Khoury retomou a palavra.
-Fiquei decepcionado ao saber que a Sonia Maria Vieira se dopou para um concerto.
-Não foi droga, foi remédio. - esclareceu sorrindo.
E contou que, por ocasião dos 70 anos de Guerra Peixe, tinha de tocar a primeira audição mundial da Sonatina n° 1, da Sonatina nº 2 e, pior, a Sonata  nº2.
-A Sonata nº 2, já é um concerto,  com 37 páginas de complexidade e brasilidade. Ele colocou tudo nessa sonata: frevo, polca, marcha-rancho...
Essa peça foi tocada por ela, posteriormente, até no Carnegie Hall, em Nova York, mas naquele dia de apresentação na Casa Ruy Barbosa – disse  – acordou com enxaqueca e vomitando.
-Eu não podia ficar de olhos abertos, fui para um quarto escuro. O médico me deu duas injeções de Novalgina e duas de Plasil para eu parar de vomitar. Levantei-me e fui tocar.
Tocou brilhantemente, não há necessidade de dizer.
E falou de outra coincidência que envolvia o Guerra Peixe, mas sem a intensidade do caso anterior: sofreu de forte enxaqueca nas horas que antecederam a execução do Concertino para Piano e Orquestra, na Sala Cecília Meireles,  com a regência do autor.
-E agora?- pediram todos música até mesmo, acreditamos, o gripado Sérgio Fortes, acreditamos.
-”Suíte Nordestina nº 2”; que Guerra Peixe compôs para um concurso da  Editora Ricordi, de Milão,  que venceu.
Antes da audição, esclareceu que ele utilizava o violeiro e dois tipos de cantoria: gemedeira e galope à beira-mar, e mais, no baixo, o baião de viola ou rojão, que é característico do nordeste.
-Vamos escutar?
-”O Violeiro” da Suíte Nordestina nº 2.”  
 -Maravilha! - reagiu depois.
-O Guerra Peixe conheceu o folclore por dentro, ele vivenciou o folclore, inseriu-se nele e o expôs.
Pelas palavras dela e pelas composições, depreendemos que Guerra Peixe era diferente de Villa Lobos, que dizia: “O folclore sou eu”.
-Você ganhou vários prêmios.
-Tenho cinco melhores discos do ano, ganhei concursos, mas isso não tem a menor importância. Quando você escuta o violinista Jascha Heifetz, não pergunta quantos prêmios ele tem. Já basta o som maravilhoso que sai do seu violino.
-Você teve grandes alunos?
Ela nomeou alguns, entre eles Eduardo Monteiro, Wagner Tiso e Gílson Peranzzetta.
-E agora?- queria mais música o Jonas Vieira.
-”Frevo”, o importante é a velocidade e os contrastes que vocês vão ver.- disse ela.
Simon Khoury:
-Se você tivesse que optar entre uma música romântica e uma com mirabolâncias, em que se diz “eu sou o bom”, com que ficaria?
-Aquela música que eu sentisse mais, que pode ser até virtuosística.
-Se você resvala numa tecla, num concerto, para e recomeça?
Ela respondeu ao Simon Khoury dizendo que fica chateada, como qualquer pessoa e segue em frente.
E prosseguiu:
-Havia uma piada que dizia que as notas esbarradas e trocadas por Arthur Rubinstein dariam para formar um novo concerto.
Após essa descontração, fez-se mais séria.
-Isso não quer dizer nada. Esbarrar é da vida. Nós não esbarramos nos móveis em casa?... É melhor do que a assepsia de botões de estúdios de gravação em que se aumenta e diminui o som, onde não há a emoção do momento.
-Sônia prende a gente pela sua didática sem perder o pitoresco.- comentou o Simon Khoury.
Tudo agradabilíssimo no programa, mas o tempo urgia, e a pergunta, dessa vez do Jonas Vieira, era inevitável.
-E para encerrar?
Sonia Maria Vieira encerrou com “Seresta nº 1”, de Aylton Escobar, peça a 4 mãos – tocava com ela Maria Helena de Andrade, amiga sua da UFRJ.
Com votos do Jonas Vieira pelo pleno restabelecimento do Sérgio Fortes, o programa acabou.
Ainda bem que eu gravei.


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