---------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4924 Data: 12 de agosto de
2014
---------------------------------------------------------
135ª VISITA À MINHA CASA
Reagi com emoção quando me vi de frente
ao grande escritor brasileiro.
-José de Alencar, não posso garantir
qual foi o primeiro romance que li na minha vida, mas sei que “O Guarany” está
entre os três iniciais.
-Leu-me na flor da idade?...
-E se seguiram outros: “Til”, “Iracema”,
“Senhora”, “Sonhos d' Ouro”, “Ubirajara”, “O Tronco do Ipê”... Este eu ganhei
de presente da minha mãe com dedicatória quando fui crismado, e ainda tenho.
-Mas você começou com “O Guarany”?
-Sim; no meu curso primário, uma das
minhas professoras disse à turma que “O Guarany”, de Carlos Gomes, baseado no
seu romance, era a maior das óperas.
-Que exagero!
-Contei isso para o meu pai, amante de
óperas, e ele me garantiu que a minha professora nada entendia de música. Só
mais tarde tive uma professora de Canto Orfeônico no curso ginasial.
-Evidentemente que me senti sobremaneira
honrado com a obra do nosso Carlos Gomes, baseada no meu livro, mas havia Verdi, Donizetti,
Bellini, Wagner... E o Guarany nem é a melhor ópera dele.
-Na época em que cursei o primário,
cantávamos a “Canção do Soldado”, formados no pátio do colégio antes de
seguirmos para as salas, às sextas-feiras,
entoávamos o “Hino Nacional Brasileiro”; apenas descansávamos as gargantas nas
quintas-feiras e domingos porque eram dias sem aulas.
-O patriotismo era bem aflorado.
-Sim; hoje a pátria só é lembrada por
todos os brasileiros, praticamente, quando a seleção de futebol joga.
-No tempo em que vivi, era maior a
necessidade de ser patriota. O sentimento nativista era exacerbado.
-Os seus pais eram primos? - desviei a
conversa para o assunto que mais me interessava.
-Sim, era. Meu pai, ainda seminarista,
foi preso, durante quatro anos, com a mãe, porque participou da revolução de
1817 em Pernambuco.
-Seu pai foi padre, não é verdade?
-Padre sem vocação, pois, como se vê, a
política já o dominava desde cedo. Minha avó, Dona Bárbara, foi heroína dessa
revolução.
-E seu pai foi um destacado senador.
-Ele se desligou das atividades
sacerdotais para abraçar a política, ainda assim era tratado domo Padre Senador
José Martiniano de Alencar.
-E o vírus da política foi logo
inoculado em você?
-A paixão que me tomou, primeiramente,
foi a literatura. Nunca me esqueceu ler, ainda menino, romances antigos para a
minha mãe e minhas tias.
-Você viajou muito pelo Brasil com seus
pais?
-Eu não tinha completado ainda dez anos
de idade quando percorri com eles todos os estados do Ceará à Bahia.
-E como o seu pai fez carreira política
no Senado, chegaram ao Rio de Janeiro. Quando foi isso?
-Eu ainda estava na flor da idade.
Frequentei o Colégio de Instrução Elementar e fui a São Paulo, onde morei de
1844 a 1850.
-Lá, completou os seus estudos?
-Terminei os preparatórios e me formei
em Direito na cidade de São Paulo, mas houve um intervalo em 1847, quando
cursei o 3º ano na Faculdade de Olinda.
-E começou a advogar em São Paulo?
-Aqui, no Rio de Janeiro. Eu advogava e,
aceitando o convite do meu colega de bancos escolares, Francisco Otaviano de
Almeida, colaborava no Correio Mercantil. Também escrevi no Jornal do Comércio.
-Sua vida de jornalista chegou a ser
intensa?
-Sim; alcancei o posto de redator-chefe
do Diário do Rio de Janeiro em 1855.
-Você nasceu em 1829, estava, portanto,
com 26 anos de idade.
-Eu era movido pelo entusiasmo da
juventude.
-E a política?
-Filiei-me ao Partido Conservador e me
elegi deputado geral pelo Ceará algumas vezes, contudo a minha ambição era o
Senado.
-E não se tornou senador como o seu pai?
-Não; frustrado, eu abandonei a
política.
-Antes, porém, foi ministro da Justiça.
-Fui ministro durante dois anos. Como eu
disse, a senatoria era a minha ambição.
-Assim, toda a sua capacidade
intelectual se convergiu para a literatura?
Respondeu-me afirmativamente com um
meneio de cabeça;
-Graças a Deus! - não contive a
sinceridade que, na vida social, muitas vezes é represada.
-Mesmo antes de abandonar a política,
você já havia feito incursões pela literatura, é evidente.
-Eu escrevi no Diário do Rio de Janeiro as
“Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios”, que seria publicada em 1856.
-Nelas, você criticou o poeta predileto
do imperador Dom Pedro II.
-Domingo Gonçalves teve o mérito de
introduzir o romantismo no Brasil, meio tosco, é verdade. O seu poema épico
“Confederação dos Tamoios”, escrito nos moldes do arcaísmo, era bem fraco.
-E espocou a polêmica: você atacando e
Monte Alverne e o imperador, oculto por um pseudônimo, defendendo.
-Domingo Gonçalves de Magalhães era
considerado o chefe da literatura brasileira. Ele a conduzia para caminhos por
demais pisoteados com o gênero épico.
-Você defendia uma literatura ajustada à
expressão dos sentimentos e desejos da gente brasileira e mais adequada ao
romantismo que já se impusera na Europa.
-Era o nosso momento.
-Você, então, partiu para os romances de
ficção, gênero que dava maior liberdade aos criadores.
-Saí da teoria para a prática.
-Você, polemista, se projetou como um
intelectual que apresentou as diretrizes de como deveria ser a literatura
brasileira.
-Tentei. - disse com modéstia.
-Foi uma polêmica que trouxe mais luz do
que calor. É consabido que você pavimentou o caminho por onde passaria Machado
de Assis para citar o nosso romancista mais proeminente.
-Embora eu fosse 10 anos mais velho do
que Machado de Assis, fomos grandes amigos.
-Machado de Assis o enalteceu
enfaticamente, numa crítica do Diário de Notícias, quando foi publicado seu
romance “Iracema”.
-Fiquei extremamente feliz e escrevi
“Como e Por que Sou Romancista”.
-Nesse artigo, você discorreu sobre as
questões que o levaram a escrever romances indianistas, urbanos, históricos,
romances-poemas... Lembro-me de um professor do meu curso ginasial que instruiu
os seus alunos a lerem o início de Iracema como um poema em prosa.
E prossegui:
-Você é considerado o patriarca da
literatura brasileira, aquele que consolidou o romance como gênero literário
neste país.
-Parece que fiz bem em trocar a política
pela literatura.
-Machado de Assis, ao fundar a Academia
Brasileira de Letras, o escolheu como patrono da Cadeira dele.
-Como eu disse antes, era 10 anos mais
velho do que ele e morri novo com 48 anos de idade. Quem conviveu mesmo com
Machado foi meu filho Mário.
Então, José de Alencar partiu, mas mesmo
que ficasse mais um tempo comigo, eu jamais lembraria os boatos que falam de o
Mário de Alencar ser, na verdade, filho de Machado de Assis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário