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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4930 Data: 23 de agosto de 2014
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188ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-E as caminhadas? - perguntei ao 081 quando eu ainda me entendia com o cinto de segurança.
-O médico me mandou caminhar por causa da diabetes, mas fui assaltado na Rua Rocha Pita.
-Eu soube por um colega seu.
-Sem caminhada, perdi um dedo do pé, com caminhada, perco meu dinheiro. -reclamou ele com a sua voz gritada que, no entanto, não agride os ouvidos.
-Você foi assaltado na Rua Rocha Pita perto da Praça Orlando Silva?
-Foi perto do borracheiro da Rua Coração de Maria, mas tem uma praça por ali.
-Uns anos atrás, furtaram a cabeça do cantor Orlando Silva; meu pai suspeitou de uma fã ardorosa, porque ele foi venerado por muita gente.
-Eu vou lhe dizer uma coisa: nem fado eu escuto.
-Essa homenagem foi feita a ele, dizem os mais antigos, porque morou no Cachambi.
E emendei a pergunta na vã esperança que o 081, cujo número do táxi pode ser o da sua idade, me esclarecesse alguma coisa.
-Você já ouviu comentarem sobre o Orlando Silva ter morado por aqui?
-Não.
-Li que o grande cantor nasceu no Engenho de Dentro e que passou por muitas dificuldades financeiras, talvez tenha vindo residir, mesmo, no Cachambi.
-É verdade.
E afirmou incisivo:
-Lugar de rico o Cachambi não é.
O 081, que mora nas adjacências, possui mais de vinte imóveis além de algumas casas comerciais, não o considerei, porém, hipócrita; afinal, o Caetano Veloso se considera da classe média, mesmo com casa na Vieira Souto, e o Eike Batista, antes de colecionar moratórias, disse, numa palestra para empresários, que pertencia a essa classe.
E prossegui:
-Voltando de um cinema da Tijuca para casa, bem no início dos anos 80, um passageiro no ônibus, visivelmente bêbado, dizia-se irmão do Orlando Silva. Virei para trás e não tive dúvidas: era parecidíssimo com ele, nem havia necessidade de exame de DNA.
-Eu só sei que Carequinha, o palhaço, morou no Cachambi. - bradou.
Deixou-me na Rua Modigliani, onde rumei para casa com a certeza de que ele não era a pessoa indicada para se falar desse assunto.
Errei pensando que trazer à baila os nomes de antigos moradores do Cachambi e adjacências, ao 081, me esclarecesse alguma coisa, mas com o 009, o Gaguinho, não há erro; conhece vários esportes.
-Felipão é contratado para treinar o Grêmio, chega lá, e diz que precisa de carinho. - disse-lhe quando acertava o taxímetro para 4,80.
-Você vê como são as coisas. - disse sem gaguejar.
-Felipão quer colo. - ironizei.
-Um sujeito que prega o machismo, que manda seus jogadores enfiar o cacete nos adversários, vem agora com essa. - revoltou-se.
-Cada dia que passo, eu me convenço mais da sua mediocridade na liderança da nossa seleção nesta Copa de 2014. Os jogadores cantavam o hino nacional como se fossem partir para a guerra; ora, se estourar mesmo um conflito armado, são os soldados que andam de ônibus, trem e metrô que partem para a luta, os jogadores vão fazer turismo em Ibiza.
Ele me ouviu e fez um adendo.
-Mas a culpa desse falso heroísmo, não é só do Felipão, é da mídia, da Globo, principalmente.
-Eu não vou negar que, ao trocarem o Mano Menezes pelo Felipão, nutri esperanças de êxito na Copa do Mundo. Eu ainda me iludia com o título de 2002.
Saltando o obstáculo da gagueira, retrucou rapidamente.
-Aquela seleção tinha três craques e esta só tem o Neymar que ainda não amadureceu.
-Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. - citei os craques.
-Rivaldo jogou muita bola; ele merecia ser tão reverenciado quanto os outros dois. - afirmou.
-E aquela seleção saiu desacreditada do Brasil, com muitas derrotas no lombo. - lembrei.
-É melhor assim; eles foram para a Copa de 2006 com pose de futuros campeões e perderam da França.
-Nesse jogo, o Zidane pintou e bordou, deu lençol no Ronaldo...
-E o Roberto Carlos que, em vez de marcar o ...
Ajudei-o, pois me lembrava do nome:
-Thierry Henry.
Dispensou a minha ajuda e pronunciou o nome:
-Em vez de marcar o Thierry Henry, foi levantar a meia, desmarcado, ele fez o gol da vitória da França.
-O Brasil deixou de ser o país do futebol, agora é o país do vôlei. - afirmei enquanto saltava do seu táxi.
-Deveria ser mesmo. Com este futebolzinho... - falou antes de seguir em busca de outro passageiro.
Julguei que o Botafoguense seria o taxista ideal da cooperativa para eu tratar de um assunto delicado, e foi.
-Semana passada, peguei o táxi do 101...
-Ele era o quinto da fila hoje, você viu? - aparteou-me.
-Vi, mas como eu ia dizendo, peguei o táxi do 101 pela primeira vez. Ele não faz ponto aqui, na Domingo de Magalhães?
-Não, mas passou a fazer de um tempo para cá.
-Eu não quero prejudicá-lo, mas ele enfiou o pé no acelerador, parecia o Nigel Mansell disputando posição com o Aírton Senna. E, para tornar a corrida mais perigosa, ele não evitou aquele cruzamento em que não temos a visão completa do trânsito que vem no sentido contrário, aquela que todos os seus colegas evitam entrando, antes, em duas ou três ruas que há à esquerda.
A expressão do Botafoguense se tornou pesarosa como se um time adversário tivesse enfiado um gol no Botafogo.
-Eu já falei com ele...
-Então, não sou o primeiro a me queixar.
-Outros já reclamaram, e eu já lhe disse que não se deve dirigir táxi com tanta velocidade.
-Ele é taxista que trabalha por diárias?
-Não; o táxi é dele.
-O 101 é novo, tem a impetuosidade dos jovens, mas não pode colocar a vida dos outros em risco. - observei.
-Vou falar mais uma vez com ele.
-Uns cinco anos atrás, peguei um táxi com a minha mãe de uma dessas cooperativas e o sujeito correu feito um maluco. Dias depois, peguei outro táxi, dessa mesma cooperativa e lhe contei sobre essa corrida. Ele me disse que eu devia anotar o número do taxista e me queixar, por telefone, à central, porque todos, inclusive ele, são prejudicados por uma ovelha negra.
-São prejudicados, mesmo; os passageiros passam a evitar a cooperativa. - concordou.
Tão entretido estava que, quando notei, já estava na Rua Modigliani.
-Caramba, nem deu tempo para falar do Botafogo. - disse-lhe enquanto pisava a calçada.
-Ele está tão mal que nem sei se vale a pena. - reagiu com um sorriso triste.
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