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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

2679 - de trás pra frente




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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4929                                       Data:  21 de  agosto de 2014
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O SABADOIDO ENDOIDOU DE VEZ

O Sabadoido dessa penúltima semana de agosto, de tão doido, aconteceu na segunda-feira, e mais: eu não fui à casa do Claudio, ele que veio à minha. Os leitores do Biscoito Molhado sabem que recebo visitas de celebridades que, recorrendo à metáfora do monólogo de Hamlet, sonham. Mas, no caso do meu irmão, não havia como não receber a sua visita e aceitar a transferência de dia e local do Sabadoido.
O cavalo que substitui os ausentes não veio com ele, o que logo foi registrado na ata de reunião, se viesse, trabalharia muito. Vagner, infelizmente, mais uma vez não apareceu; Gina também não, recupera-se ainda da fratura no braço, mas nos garante ela que a sua ironia continua inabalável, ainda mais aguçada com o início da campanha eleitoral. Luca e Daniel intervieram nessa sessão através de ligações telefônicas, o que, aliás, vem acontecendo no Rádio Memória cujas resenhas apresentamos neste periódico.
-Já leu o Globo? - foi a primeira pergunta que fiz ao Claudio quando lhe abri a porta.
Com a resposta afirmativa, disse-lhe que estava certo que sim, pois ele não trouxera a sua cadeira de ler jornais.
-E também já descasquei  laranja no prato para chupar. - antecipou-se antes da minha pergunta sobre a cadeira em que descasca essa fruta.
-O Fluminense e o Botafogo vão mal.- comentei, enquanto ele se acomodava numa poltrona.
-Lembra-se, Carlinhos, que o papai lia o jornal de trás para a frente?
-Claro que sim, ele sempre começava a leitura pelo noticiário esportivo. Eu herdei essa mania dele, depois parei com isso. (*)
-Eu continuo lendo de trás para frente até hoje.
-Eu parei quando o Botafogo deixou de ganhar títulos, ficando 21 anos na seca.
-Eu permaneci fiel à mania do papai mesmo quando o Fluminense caiu para a terceira divisão.
-Depois do futebol, o pai passava para as historietas do segundo caderno do Globo. Lia o Ferdinando, o Pafúncio, o Brucutu, o Big Ben, o Dick Tracy e todas as outras diárias. - recordei.
-Ele não gostava do Pafúncio, porque apanhava da mulher, a Marocas. - manifestou-se meu irmão.
-A historieta que mais o atraía, e a mim também, era a do “Ferdinando”.
-Carlinhos, eu acho que o nome era “Família Buscapé'.
-Devia ser, Claudio. Aquelas histórias eram muito boas, e maravilhosamente bem desenhadas pelo Al Capp. Apesar de o pai do Ferdinando ser frouxo, como o Pafúncio, a mulher dele Xulipa Buscapé, a mandona da casa, era muito engraçada sem falar nos outros personagens.
-Não tinha o Dia da Maria Cebola?
-Era o dia em que os homens solteiros tinham de correr em desabalada carreira para não serem alcançados pelas mulheres que ainda não haviam casado.
-Ele era o marido da Violeta, uma bela caipira, que o pegou na Corrida da Maria Cebola. - lembrou meu irmão.
-Como o papai gostava dessas tiras e, mais ainda, de gibis de desenho animado! E até certo ponto passou esse gosto para mim.
-Ele colecionava esses gibis e, depois, mandava fazer aquelas encadernações de 300, 400 páginas.
E prosseguiu:
-Quando nós nos mudamos, perderam-se quase todos esses volumes encadernados.
-Todos os sábados, o Dieckmann coloca, no Facebook, uma revista antiga do Mickey com uma aventura. É colecionador também. A casa dele pegou fogo no tempo do Collor, mas me parece que ele conseguiu salvar a sua coleção de gibis.
-O papai queria distância das notícias de política, que era obrigado a ler como revisor e se refugiava com os desenhos animados das revistas e jornais. - disse meu irmão.
-Ele fugia do noticiário político e policial que, nos dias atuais, não se diferencia muito.
-Você falou na Família Buscapé, Carlinhos, fizeram um filme que não foi grandes coisas.
-Não conseguiram colocar na tela o encanto das tiras do Al Capp; ficaram longe disso. Falando em filme...
-O que houve?
-Comprei, pela Internet, “O Processo”, do Orson Welles, em DVD, e a mídia veio com defeito.
-Ora, reclama.
-Reclamei e eles me enviaram um código de autorização de postagem em que eu, sem despesa alguma, envio o disco defeituoso e recebo outro que, espero, perfeito.
-Já enviou pelo correio?
-Não; tenho de saber como é isso.
-Telefona para o Daniel, ele já deve ter chegado na Casa da Moeda,
Com o celular no ouvido, a voz brilhante do Daniel me ensurdeceu por segundos.
-O que você manda, Carlão?
Resumi o meu problema e ele, que já trabalhara nos Correios, me apresentou a solução.
-Carlão, você não tem como errar. Pega o disco ruim, coloca num envelope, lacra, preenche tudo sobre o destinatário depois, escreve nome e endereço do remetente. Entrega tudo numa agência dos Correios com o código de autorização de postagem.
Tomou fôlego para vibrar ainda mais a voz:
-Veja bem, Carlão: não pode ser agência franqueada.
-Nomeei as agências mais próximas da minha casa e ele, de uma maneira jocosa, me respondia que era franqueada.
-E a agência do Shopping Nova América?
-Nessa pode.
-Por que você não me disse logo?
-Porque, como o Luca, eu estou endiabraaaaaaaaaaaaaaaado.
E, imitando o nosso amigo quando comenta o seu desempenho no pingue-pongue, desligou;
-Acertou tudo? - quis saber o Claudio.
Respondi afirmativamente com a cabeça e passei para outro assunto.
-Depois de tantos anos, agora que estou assistido, pela primeira vez, a “O Pagador de Promessas”.
-Eu tinha em VHS, que a Gina me obrigou, com outras fitas minhas, a jogar fora.
-Gostei do filme, Claudio, dos personagens, dos atores, a fotografia é excelente, a direção do Anselmo Duarte é correta.
-Depois de receber a maior láurea obtida pelo cinema brasileiro, o Anselmo Duarte enfrentou mil dificuldades para filmar no Brasil.
-Claudio, ele não pertencia à panelinha do Cinema Novo, era bonito, fez sucesso no exterior, tinha, enfim, todos os ingredientes para desagradar no Brasil.
-A inveja. Há muita inveja. - salientou.
-Agora, a história do Dias Gomes me lembra, em algumas partes, “A Montanha dos Sete Abutres”, do Billy Wilder. Falando no Dias Gomes, ele se inspirou no vocabulário do Coronel Ponciano de Azeredo Furtado, de “O Coronel e o Lobisomem”, quando fez o prefeito Odorico Paraguaçu.
Fui interrompido por um telefonema. Atendi e, minutos depois, reiniciei a conversa com meu irmão.
-Era o Luca.
-E só falaram por dez minutos? - estranhou.
-Ele estava com pressa. Queria saber se eu recebi um e-mail do Elio que lhe pareceu estranho. Disse-lhe que sim e sugeri que deletasse, pois poderia ser vírus.
Agora, era o interfone que soava. O entregador do Globo aparecia com o costumeiro atraso.
-Vou-me embora, porque não trouxe a minha cadeira de leitura, - disse, enquanto se levantava da poltrona.

(*) Esta sistemática é comum. O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO também a adota e espera que não seja comprovação de alguma disfunção mais séria. Em tempo: os livros são lidos da página 1 em diante, pulando prefácios, normalmente.






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