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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4911 Data: 25 de julho de
2014
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187ª CONVERSA COM O TAXISTA
081, o português que trabalha desde que
largou a chupeta, é o mais rico dos taxistas da Metrô-Táxi, provavelmente o
único endinheirado. Seus colegas me indicam um prédio de apartamentos e me
dizem que é dele. “Mas tem outros imóveis” - acrescentam. Contudo, o táxi do
081 era o que mais se assemelhava a um calhambeque de toda a frota da
cooperativa. Depois de muito tempo e de muitas gozações, ele aposentou, na compulsória,
o seu carro e comprou outro. Dias,
semanas, meses se passaram e nada de surgir a oportunidade de eu pegar o seu
táxi novo ao retornar de Maria da Graça para casa.
-Ele já pendurou bugigangas no carro novo.
- comentou um seu colega, com um sorriso mordaz, quando lhe disse que, até
agora, não pegara uma corrida no possante do 081.
Eis que nesta semana, finalmente, o táxi
que estava disponível para mim, no ponto da Domingo de Magalhães, era o dele.
-Estou conhecendo, agora, o seu carrão.
-Não é mole, não! - exclamou meio
desanimado.
Os juros do financiamento devem estar altos.
- pensei sem me manifestar.
-Tem caminhado? - perguntei.
-Tenho, o médico da diabetes manda. Mas
é um perigo.
Lembrei-me, então, que o 140 me contara
que ele fora assaltado enquanto caminhava na Rua Rocha Pitta.
-Eu já fui assaltado, nessas minhas
caminhadas, na calçada da igreja do Bispo Macedo. - disse-lhe.
-E eu ali perto da Praça Orlando Silva.
-Sim, já furtaram até o busto do cantor;
se a estátua do Carlos Drummond de Andrade lá estivesse, não levariam apenas os
óculos. - comentei.
-Daqui a pouco, eu vou dormir.
-O senhor dorme às 8 horas da noite?
-Antes.
E prosseguiu:
-Ás 4 h 20min da manhã já apanho uma
passageira aqui. - indicou-me com o queixo uma casa da Rua Sisley.
-Se ela sair daqui a pé para o trabalho
a essa hora, corre sério risco de ser assaltada, embora eu também corra perigo,
pois saio de casa para a estação de Del Castilho apenas uma hora depois.
-Você também dorme cedo? -
interessou-se.
-Com essa friagem, deito para dormir às
9 horas.
-Boa-noite. - desejou-me, assim, que
saltei do seu táxi na Modigliani.
-Boa-noite. - desejei-lhe também, embora não passasse
das 4h 30min da tarde.
No dia subsequente, entrei no táxi do
140, o taxista de uma ironia mansa que
parece que tem o tempo sincronizado como o meu de tanto eu encontrá-lo
disponível no momento da volta para casa.
-Tem visto o Machado?- indaguei.
-O Machado volta e meia está por aqui.
-Engraçado, há algumas semanas que não
avisto o Machado.
-Ele anda sempre por aqui foi para uma
cooperativa do Méier, mas não larga a gente.
E comentou:
-Ele é forte para a idade que tem.
-É verdade; Machado já passou há muitos
anos dos 70, mas demonstra disposição, está sempre empertigado, os cabelos
negros, embora pintado.
Retrucou:
-Machado não pinta o cabelo, não. É a
natureza dele, nasceu em um lugar da Paraíba onde as pessoas são resistentes.
-Um colega meu, o Luca, sabe em que
cidade da Paraíba ele nasceu, disse-me, mas esqueci.
E continuei:
- Machado me falou, certa vez, que o
jogo do bicho é em esporte. Ele pratica muito esporte.
O 140 sorriu.
-Ele joga não sei quantas vezes por dia
e em vários bicheiros. Se somassem todo o dinheiro que já perdeu, daria para
comprar um táxi.
-Como não mexe com o dinheiro das
despesas em casa, como ele me garantiu, o jogo é uma distração.
-É um esporte. - disse o 140, enquanto me deixava em
casa.
Não se trata de coincidência forjada por
mente humana: no dia seguinte, ao dobrar a última rampa da estação do metrô de
Maria da Graça, rumo ao ponto de táxi, deparo-me com o Machado. Ele não me viu,
entretido que estava em pegar um dos resultados do jogo do bicho ou em fazer
uma fezinha, não sei precisar.
Fui em frente e o táxi que se achava
disponível para mim era do 014. Depois das saudações de praxe, disse-lhe que,
ontem mesmo, eu falava do sumiço do Machado para o 140, e hoje ele me aparecia.
-Sumiço?!... Machado não sai daqui.
-O seu colega me disse isso.
-Há quem não goste, pois ele foi para
outra cooperativa, lá no Méier, e vem para o nosso ponto.
Pensei logo nas Conferências de Fretes
do início do meu trabalho na Marinha Mercante, embora existam mil exemplos de
áreas restritas na atividade econômica legal e ilegal.
-Sim, mas ele deixa o táxi a poucos metros
dos de vocês e não leva nenhum passageiro.
-Mas se não houver táxi algum dos
nossos, ele se aproveita e leva o passageiro que aparecer. O pessoal não gosta
porque, digamos, 5 minutos depois, pode aparecer algum carro da cooperativa.
Tal fato já aconteceu comigo duas vezes,
mas nada lhe disse, pois havia um vínculo de amizade entre mim e o Machado, que
dirigia a ambulância que socorria o meu pai na década de 80.
-Falávamos, agora, da boa disposição do
Machado, apesar dos seus 70 e poucos anos de idade.
-70 e muitos anos de idade. - acentuou.
-Que seja! Nessa idade e com os cabelos
ainda negros.
-Mas ele pinta o cabelo.
-O 140 me garantiu que não, mas eu
também imagino que sim.
-Nessa idade, ninguém fica sem, pelo
menos, uma mecha de cabelo branco. - assinalou.
-Eu tenho um amigo, o Dieckmann, cuja
cabeleira provoca discussões entre nós, na Marinha Mercante: ele pinta ou não
pinta? (*)
-Pelo nome, deve ser alemão.
-Não fala na Alemanha. - pedi-lhe.
Ele sorriu com o meu pedido, pois
percebeu o tom humorístico do meu pedido.
-Eu não tenho visto as pessoas vestidas
com a camisa da seleção brasileira. Bem, você que anda de metrô deve ver.
-Olha, eu tenho visto muito muitas
pessoas com a camisa da seleção argentina. - disse-lhe.
-Será que são os argentinos que ainda
não foram embora do Brasil?
-As fisionomias dessas pessoas eram de
brasileiros.
-Mas o brasileiro tem cara de tudo; de
japonês, de angolano, de sueco, de alemão...
-Não fale na Alemanha. - pedi-lhe,
enquanto saltava do seu táxi na Rua Modigliani.
(*) Não restam
tantos fios para manter a celeuma.
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