O BISCOITO MOLHADO
Edição 4897 Data: 05 de julho de 2014
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184ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Houve bolão entre vocês do Metrô Táxi? - não contive a minha curiosidade no táxi do 140.
-Talvez haja para o jogo final, porque até agora, nada.
-No meu trabalho, houve para todos os jogos desta Copa com mais de vinte palpiteiros, quase trinta. Programas de computador facilitam as coisas.
-São muitos jogos, muita gente. Só com um computador mesmo. - comentou.
-Na realidade, a coisa não foi tão fácil para mim. Algumas vezes, eu torcia diante da televisão por um escrete quando tinha apostado no outro.
Ele riu e eu intentei esclarecer:
-Na hora do palpite, procuro ser cerebral, mas, ao assistir ao jogo, a emoção fala mais alto.
-Se eu entrasse no bolão, seria a mesma coisa. - confessou.
-Isso acontece nos jogos do Brasil; contra a Colômbia, por exemplo, marquei um a zero, porém, quando o David Luiz marcou o segundo gol, vibrei muito.
-Torceu contra o próprio patrimônio. - disse com um sorriso sarcástico.
-Na Copa do Mundo de 1958, eu estava com dez anos de idade, mas me recordo perfeitamente: Seu Santos, nosso vizinho espanhol, enlouqueceu de alegria, soltando rojões, o diabo, quando o Brasil marcou o quarto gol contra a Suécia.
-Ele era um espanhol que se considerava brasileiro?
-Não, ele era um espanhol que só saiu do seu país porque seria preso pelo regime do Generalíssimo Franco se lá se mantivesse.
E prossegui:
-Ele trabalhava com o cunhado, Seu Eduardo, na Worthington, fábrica na Rua José Bonifácio com a Avenida Suburbana. No bolão que houve lá, ele cravou Brasil 4 x Suécia 2. Esse foi o motivo da sua esfuziante alegria até o Pelé marcar o quinto gol, então, ele murchou.
-Seria uma dinheirama que ele ganharia?
-Tudo leva a crer que sim; se ele fosse torcedor brasileiro com ascendentes portugueses, africanos e indígenas permaneceria entusiasmado.
A Copa do Mundo continuou a ser o tema na corrida seguinte, no táxi do Botafoguense.
-Você viu o calor que fazia no jogo Alemanha e França?
-Vi e senti. - foi a minha resposta.
-Sentiu?
-Senti porque, mal soou o apito final, fui à pracinha e fiquei lendo por uma hora debaixo do sol.
-A Praça Mané (Manet) é arborizada. Fugiu da sombra?
-O sol é disparado a melhor fonte de vitamina D. - justifiquei-me.
-Fazia uns trinta graus; ler é uma coisa, correr atrás da bola, outra. - argumentou.
-Eles são preparados para isso, principalmente os organizados alemães, que treinam antes no clima que vão encontrar.
-Ah, sim; eles não terminaram essa partida esfalfados, com as meias arriadas.
-Aquela final da Copa do Mundo de 94 entre Brasil e Itália foi jogada por volta da uma hora da tarde no calor da Califórnia de quarenta graus. - lembrei.
-Isso foi uma das razões de a partida não ter sido boa. - acrescentou.
-Na final de 70, no México, essas duas seleções começaram a decidir o título ao meio-dia. - enfatizei.
-A televisão é que impõe esses horários desumanos.
-A FIFA, acima de tudo, é a culpada. O Joseph Blatter age com o status de chefe de Estado. - critiquei.
-Pelo menos, a próxima Copa é na Rússia e ninguém sofrerá com o calor.
Mal foi ao fim, intentou corrigir-se:
-Em compensação, há o frio. Assisti dois ou três jogos do campeonato russo e o verde do gramado se tornou branco com a neve.
-Em junho e julho, lá, é verão.
-Pelo menos isso, o frio será mais suportável.
-Quatro anos depois, em 2022, a sede da Copa será no Qatar.
E aproveitei para adicionar um trocadilho:
-Sede e sede, porque será uma secura braba. A vitamina será F de Fogo.
-O campeonato carioca era disputado no verão, às três horas da tarde, e ainda havia, antes, as partidas do campeonato de aspirantes. Lembra-se?
Respondi que sim, citando que o Zagalo, mesmo campeão do mundo de 58, jogou no time dos aspirantes.
-Nílton Santos dizia que aproveitava a sombra que a marquise do Maracanã proporcionava e ficava nela. Ele só saía de lá quando o adversário vinha com a bola dominada. - acrescentei.
À evocação do craque do Botafogo e da seleção brasileira, ele se rendeu à nostalgia.
-Que falta ele faz à seleção brasileira! Sem falar no nosso Botafogo.
O 017 não deixou também de falar de futebol, mas com a irritabilidade que o caracteriza.
-O que mais me dana, nesses jogos da Copa do Mundo, é a reclamação dos jogadores. Um sujeito vai numa bola para arrebentar o adversário e ainda reclama quando o juiz apita falta.
-Os consumidores brasileiros é que deviam ter essa disposição para reclamar. - intervim.
-Os contribuintes... Os contribuintes. Nós pagamos uma fortuna de impostos, o governo rouba e todos nós ficamos como carneirinhos.
-Os “Black Blocs” reclamam, mas eles não pagam nada, só se aproveitam, quem paga impostos são seus pais.
-Você fala desses mascarados? - interrompi.
-Tudo vagabundo! A polícia tinha de descer o porrete neles.
Em seguida, mirou na torcida argentina.
-Esse pessoal vem da Argentina para cá e ainda ofende os brasileiros com cantos pornográficos.
E exclamou:
-É o cúmulo!
-Torcedores assim formam hordas irracionais. Um exemplo: o Cruzeiro não pôde comemorar o título do brasileirão do ano passado por causa de brigas generalizadas entre eles mesmos. - reportei-me a esse acontecimento.
-Foi mesmo?
-Uma guerra civil na torcida.
-Eles não falam em nação cruzeirense, nação rubro-negra e outras besteiras?- perguntou-me com entonação afirmativa.
-Eu noto que as manifestações dos torcedores retratam a situação político-econômica de um país.
Desconcordou de mim:
-A Inglaterra é um dos países mais avançados do mundo e de lá vieram oshooligans, aqueles bandidos.
-Isso foi na época em que a economia do país estava em frangalhos com as estatizações e as reivindicações absurdas dos sindicatos. Depois que a Margareth Thatcher se tornou a primeira-ministra, a Inglaterra se recuperou. Os hooligans ainda cometiam barbaridades, ela, então, proibiu que os times ingleses participassem de quaisquer competições internacionais durante cinco anos.
-Essa violência toda dos ingleses era por causa do álcool. - diagnosticou.
-Também. - enfatizei.
-E o que você me diz da torcida brasileira? - provocou-me.
-Digo que os brasileiros torcem contra a Argentina com o mesmo fervor com que os argentinos torcem contra o Brasil por medo.
-Medo?- surpreendeu-se.
-Um tem medo de enfrentar o outro.
-Pois eu queria que a final desta Copa fosse Brasil e Argentina.
Cogitei que dissesse isso por birra, mas explicou o porquê.
-O Eduardo Paes disse que se mataria se o Brasil perdesse para a Argentina.
Saltei do táxi do 017, que ria atrozmente, imaginando que ele torceria pela Argentina.
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