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sexta-feira, 4 de julho de 2014

2644 - tradições e freguesias


ERRATA : 
na edição anterior o redator mencionou o advogado Goffmann, mas trocou seu nome Bráulio, por Sérgio.


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4894                           Data:  01 de  julho de 2014
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183ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

-Está um problema, para nós, ganhar dinheiro e pagar as despesas nesta loucura de Copa do Mundo. - queixou-se o 014.
-Os estrangeiros não estão pegando táxi?
-Nada. Os argentinos ficam na praia de Copacabana, alguns até dormem em postos de gasolina.
-E os chilenos, que têm melhor poder aquisitivo do que os argentinos, vieram, muitos deles, de motor home. - acrescentei.
-É verdade. - expirou como se tentasse expulsar os maus pensamentos.
-São dezenas de milhares deles; muitos só vieram para cá pelo espírito aventureiro, nem ingressos para os jogos compraram.
Após esse comentário, voltei-me para ele com uma pergunta:
-Com tantos torcedores estrangeiros, não há quem pegue táxi?
-Os mais endinheirados se hospedam em hotéis e se deslocam pela cidade naqueles carros pretos dos hotéis.
E me informou que muitos deles são americanos.
Fiquei com a palavra:
-Eu ouvi uma entrevista, na Rádio CBN, de um diretor do curso Fisk e, quando lhe perguntaram se a escola dele se beneficiou com a Copa do Mundo aqui, ele afirmou que não. Disse que, nos hotéis, pousadas, albergues e em outros estabelecimentos onde apareceriam estrangeiros, todos lhe diziam que o inglês deles daria para o gasto.
-E pensar que o Eduardo Paes falou em cursos de inglês para os taxistas... -riu com a ironia amarga.
-O 162 me havia falado sobre isso e me garantia que, com ele, não haveria problema, pois fala inglês.
-Fala nada! - reagiu com mau humor.
-E que fala italiano. - provoquei.
-E se falasse?... A Itália já está fora do certame, nem passou pelo Rio.
-Inegavelmente para os festeiros, está sendo uma festa e tanto.
-Ah, sim. - concordou.
-Depois da decisão, virá a depressão pós-copa. - previ.
-Eu não ficarei deprimido, não. - assinalou, enquanto me deixava na Rua Modigliani.

O problema que alguns cronistas tiveram ao escrever sobre um jogo antes da sua realização para ser lido depois, ou seja, com os leitores já conhecendo o resultado, devido a problemas de edição, também ocorre no Biscoito Molhado.  Fato este agravado pela paixão do Dieckmann, o distribuidor deste periódico, pelas revistas antigas do Mickey, que lhe toma muito tempo (*).
 Isso posto, todos já estarão mais carecas do que o Yul Brinner de saber quanto foi o resultado do Brasil x Chile, quando se depararem com a minha conversa com o 009, o Gaguinho.
-O Chile não vai ser fácil para o Brasil, não; pelo contrário, será um osso duro de roer.
-A vantagem do Brasil é a tradição. O nosso escrete já enfrentou o Chile três ou quatro vezes, em Copa do Mundo e venceu todas, mesmo quando a partida foi na casa deles em 1962. - intentei deixá-lo menos preocupado.
-Mas a tradição um dia acaba. - gaguejou mais do que o costume.
E foi em frente apesar da dificuldade na fala.
-O Vasco não era freguês do Fluminense? Hoje, o Fluminense quase não vence o Vasco. Aquele tenista que nunca ganhava do Nadal... Como é o nome dele?
-Andy Murray. -  tentei adivinhar.
-Isso; ele, um dia, ganhou e foi campeão de um torneio do Grand Slam. Não sei agora se ganhou do Nadal ou o Djoko.
-O Flamengo era freguês do Botafogo, o goleiro Manga até dizia que gastava o dinheiro do bicho uma semana antes.
E o Botafogo, agora, perde muito para o Flamengo. - aproveitou o meu exemplo para reforçar a sua argumentação, mas não me mostrei convencido.
-A força da tradição se impõe quase sempre. Veja o México: desde muito tempo que se diz que joga como nunca, mas perde como sempre. Não duvido, por isso, que faça uma excelente partida contra uma dessas seleções, mas que no final, saia derrotada.
-Com o Brasil, isso de perder como sempre não vai acontecer, pois ultimamente, eles vencem mais a nós do que nós a eles. - retrucou.
-Já cruzamos com eles.
-E foi um sufoco. Podemos jogar contra eles de novo, e não sei, não. - persistiu no seu pessimismo.
-Se encararmos a Alemanha...
-Ele quase se desesperou com o meu semblante alegre.
-Eles jogam muito.
-Sim, mas sempre perdem do Brasil.
E enveredei por anos pretéritos:
-Em 1963, a seleção brasileira bicampeã do mundo excursionou pela Europa e foi uma vergonha. Nós perdemos de 3 a 0 da Itália, de 5 a 1 para a Bélgica, e por aí vai até que enfrentamos a Alemanha.
-Ganhamos de 2 a 0. - antecipou-se ele, que é um estudioso do futebol.
-Ou seja, mesmo mal, nós não perdemos da Alemanha. Está escrito nas estrelas. - concluí com um exagero calculado.
-Agora, não vai dar; eles têm, além de aplicação tática, craques como Mûller, Boateng, Klose, Kedira... Schuá... Schuá...
-Schweinsteiger. - ajudei-o, embora com dificuldade, pois o nome quebra a língua até daqueles que não gagos.
-Esse mesmo.
Ao saltar do táxi, no meu destino, eu lhe confessei que, como toda a força da tradição, a minha confiança na nossa seleção era mínima.

-Tem visto os jogos da Copa? - perguntou-me o 140, enquanto eu me entendia com o cinto de segurança do seu táxi.
-É uma overdose de futebol. Com o transcorrer dos anos, perdi o fôlego para assistir a tantos jogos seguidos.
-Eu vejo os do Brasil, e olhe lá.
-Como somos liberados do trabalho mais cedo, em dias de pelejas no Maracanã, almoço cedo e não abro mão de uma soneca depois.
-Você acorda cedo; meus colegas lhe veem descendo a Rua Van Gogh às cinco e meia da manhã.
-É verdade. - confirmei.
E prossegui:
-Num desses jogos, creio que França versus Nigéria, acordei e liguei o rádio para saber quanto estava a partida. Ouvi, então, o locutor dizendo que um internauta perguntava por que o pão é francês se o padeiro é português. Um dos comentaristas respondeu que o formato era francês, não o pão propriamente dito. Para não ficar atrás, o outro comentarista afirmou que o bacalhau não é português, e sim da Noruega, pois se trata de um peixe de água muito fria, bem gelada.
-E esse jogo? - interrompeu-me.
-Calculei que estivesse bem ruim, pois eles falavam de tudo, menos de futebol.
Passamos, então, a falar das baboseiras ditas pelo Galvão Bueno e o Casagrande, nas transmissões da TV Globo, até chegarmos à Rua Modigliani.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO vem a público defender-se de calúnia interposta, visto que a postagem das capas de MICKEY, com comentários, é feita aos fins de semana, quando a redação está fechada para partidas de pingue-pongue reais e verbais numa garagem subutilizada. Os problemas que realmente ocorreram com o blog nada têm a ver, portanto, com os coloridos gibis e sim com uma dificuldade real, já superada, de fazer o blog funcionar. Tanto que toda madrugada, entra a edição do dia deste veículo literário.


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