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quarta-feira, 2 de julho de 2014

2643 - problemas de camisa


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4893                          Data:  30 de  junho de 2014
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SABADOIDO DA ESCOLA PARA O ESTÁDIO

-Foram agendar o Brasil x Chile a uma hora da tarde e não sei se assisto ao jogo ou se faço a minha sesta. - bradei.
-Sesta?!... - pinçou a minha cunhada esta palavra com estranheza, talvez porque a ouça, habitualmente, com “e” fechado.
-O professor Vinícius deu um ditado, na minha 4ª série ginasial, em que havia esta frase: “sexta-feira fiz a sesta junto a uma cesta de flores”.
E lhe lembrei que seria o seu professor poucos anos depois de mim.
-Mas ele não me deu aulas no Visconde de Cairu e sim no Senai.
A menção do seu nome foi o gatilho de recordações. Gatilho?!... Digamos “bolo madeleine”, que é bem mais poético; se fossem más recordações, então sim, gatilho seria le mot juste.
-Até a minha 3ª série ginasial, o livro de português empregado era do Enéias Martins Barros, o diretor do Visconde de Cairu, com textos de estilo arrevesado, um comprido glossário e quase nada de gramática. Resultado: chegavam ao Vinícius, excelente mestre , turmas fracas na sua matéria.
No Senai, numa prova dele, um colega ficou olhando o que eu escrevia mesmo eu lhe dizendo que não era boa em português. Dias depois, esse colega perguntou a ele que nota tirara na prova, o Vinícius me apontou e disse: “a mesma nota dela”.
-Ele era muito irônico; declarava-se um machadiano, apesar de aquela turma de adolescentes não saber bem o que isso significava.
E fui em frente:
-Eu devia ser muito ingênuo, porque, para mim, a cola no ensino médio era raríssima.
-Raríssima?!... sorriu.
-Na 4ª série, depois de anunciar que eu tirara oito e a colega que estava perto de mim, também, o professor de matemática aventou a hipótese de cola, que ficaria mais atento na próxima prova. Eu fiquei tão indignado que disse que tiraria dez e tirei.
-E a sua colega também?- espetou.
-Fui o único dez da turma; como eu já lhe disse, eu era bom em matemática e ruim em português naqueles anos.
-Fui ruim nas duas. - não se poupou a Gina.
-Na faculdade, não; colava-se desbragadamente. - frisei.
-A cola, no curso superior, se torna, para alguns, uma arte.
-Disso eu sei, Gina. Uma colega minha conseguia transpor páginas e mais páginas de caderno para uma tira de papel. Aquilo era pura nanotecnologia. Depois, ela dobrava esse papel que, então, parecia um fole de sanfona. Na hora da prova, ela tocava mais do que o Luiz Gonzaga.
-Tocava ou colava? - pilheriou.
-No que concerne ao Colégio Militar, eu era ainda mais cândido. Pensava que, por causa do militarismo, recorrer a falcatruas seria impensável. Num almoço em que me vi rodeado por uns vinte ex-alunos desse educandário, a minha candidez se foi por completo.
-Você não viu “Anos Dourados”, minissérie escrita por um ex-aluno do Colégio Militar, o Gilberto Braga?
-Ele estudou no Pedro II. - corrigiu o Claudio, que lia o jornal, mas não deixava de prestar atenção na nossa conversa.
-Pedro II, Colégio Militar... Tudo é a mesma coisa em termos de cola. - retrucou a Gina.
-Nesse almoço, um advogado, Sérgio Goffman, se a memória não me trai, contou que, por ser bom em francês, fazia a sua prova e a de colegas. Como, não sei?
-Colavam como gente grande.
-Colavam como universitários. - juntei minhas palavras as dela.
E retornamos ao nosso tempo de escola (ou seria ex-cola?).
-Eu tive bons professores dessa matéria em todo o curso ginasial, o que não aconteceu com matemática.
-Tive bons professores de matemática, Gina, naqueles quatro anos.
E ela prosseguiu com as suas nostalgias escolares:
-Estudei, já na faculdade, uma matéria muito difícil: Psicologia Forense. Um dia, o professor passou a ditar as notas de uma prova; tudo sofrível, abaixo de cinco. Quando bradou: “Oito, Maria Mercedes do Pinto Souto”, fez uma pausa e perguntou a ela: “Quem deu habeas corpus para o Pinto?”
-Fechado. - era o Daniel que retornava sobraçando a torre do seu computador
Gina gozou o esforço do filho que fora ao Infonorte em busca de uma solução para o problema que o impedia de se conectar com o mundo virtual.
-Fui até lá à toa. - desabafou, enquanto depositava a torre na mesa da cozinha.
-Recorda-se, Daniel, que, no dia do jogo Brasil versus Argentina, na Copa de 1990...
-Daniel tinha seis anos de idade. - aparteou-me a sua mãe.
-Sei, você me levava todos os domingos para jogar fliperama no NorteShopping, mas, nesse dia, batemos com a cara na porta.- antecipou-se.
-Pois é, Daniel, por causa de Copa do Mundo, o Brasil sempre para. - concluí.
-Por via das dúvidas, antes de eu ir ao Walmart comprar cerveja, telefonarei para saber se está aberto. - mostrou-se o Claudio previdente.
-Convidaram-me para almoçar, hoje, uma feijoada.
-Você, então, Carlinhos, tem de decidir entre a sesta, a feijoada e o jogo do Brasil. - divertiu-se a Gina.
-O Sérgio Porto escreveu que uma feijoada, para ser completa, tem de ter uma ambulância na porta. Se adicionarmos esse futebol tosco que o Brasil vem jogando, seriam necessárias três ambulâncias,
-Você fica nervoso com as partidas do Brasil? - espantou-se minha cunhada comigo.
  -Gina, nessa mesma semana, o meu amigo Fernando Pedrosa, depois de eu criticá-lo, no Facebook, porque, como flamenguista, incorporou a esperteza dos alemães de jogaram esta Copa do Mundo com a camisa rubro-negra. E...
-Os jogadores alemães acharam que essa camisa igual a do Flamengo é horrorosa, mas tiveram de vesti-la porque a Adidas impingiu. - interrompeu-me a Gina que, como o meu amigo mencionado, ainda vê o futebol passionalmente.
-E o Fernando Pedrosa, um tanto debochadamente, indagou por qual time eu sofria, se eu era “tricolete”. Reagi dizendo-lhe que não sofria nem me realizava com time de futebol algum desde há muitos anos. E salientei que o paradigma, para mim, mudara. (*)
-Vou ligar para o Walmart. - desfez-se do jornal o Claudio.
-Será, Daniel, que os flamenguistas estão torcendo mesmo pela seleção alemã?
  -Claro, Carlão, eles olham para o campo e, em vez de ver o Negueba, veem o Schweinsteiger.
-Daqui a pouco vou para casa. - anunciei.
-Vai se preparar para o jogo? - brincou a Gina.
-Irei almoçar e, depois, se vier o sono, tiro uma sesta.
 O sono viria, mas acordei dez minutos antes do pontapé inicial.

(*) Raramente o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO escreve certas palavras, mas hoje abre exceção: todo botafoguense é dissimulado e está à esperada do Messias, quer dizer, do Garrincha.


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