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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4902 Data: 12 de julho de 2014
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SABADOIDO DAS QUEDAS E DESABAMENTOS
1ª PARTE
A caminho de mais uma sessão do Sabadoido, atravessei a rua Chaves Pinheiro, fechada há uns quatro meses, e me surpreendi com o asfalto que se estendia de ponta a ponta: estalava de novo. Veio-me logo à mente uma frase do Eliseu Padilha, quando, Ministro dos Transportes, inaugurou uma obra: “Dois pretos que o brasileiro gosta: Pelé e asfalto.” Criticado, naturalmente, declarou-se afro-descendente com o fervor de alguém que pretende alguma coisa recorrendo ao sistema de cotas raciais.
Meu sobrinho me abriu o portão depois de eu chamar duas vezes, e telefonar uma vez, enquanto chuviscava.
-Na semana passada, Daniel, o Claudio demorou tanto para vir que não escapei de uma cracuda grávida que me veio pedir dinheiro.
-Não escutei nada, Carlão.
E se justificou:
-Os gritos de gol da Alemanha ainda não saíram dos meus ouvidos.
Na cozinha, juntamo-nos ao Claudio e o tema inevitável era a derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1.
-Quando o Brasil levou o primeiro gol, eu lamentei; no segundo, também, do terceiro em diante, eu já ria. - falou o Daniel.
-Você ria, eu também, e muitos outros brasileiros porque, de papelão passou a pastelão, como disse o humorista José Simão. - disse-lhe o Claudio.
-Eu não deixo de jantar, nos intervalos desses jogos que começam às 17 horas, mesmo que a seleção brasileira esteja em campo, mas, dessa vez, fui antes da janta para o computador acessar o Facebook. Surpreendi-me com o número de piadas que criaram num tempo tão curto.
-Tempo tão curto, mas o suficiente, Carlão, para a Alemanha fazer cinco gols.
-E para os torcedores fazerem mil piadas e quase todas muito boas.
-E prossegui:
-Assim, antes de ir para a mesa jantar, coloquei a minha piada: a nossa equipe mostra a “qualidade” da equipe econômica, mas dois gols e empata com o índice de inflação.
-Você acertou os sete gols, Carlinhos.
-Não foram mais gols, porque eles tiraram o pé do acelerador. - disse o Daniel.
-Também postei no Facebook, depois, que o placar resumiu o quadro econômico atual de Brasil: 7 de inflação e 1 de PIB. - acrescentei.
-Isso mesmo, Carlão; eu também coloquei piadas, aproveitando os retratos meus com estrangeiros na Fifa Fan Fest.
-Eu suspeito que eles também deixaram o Oscar fazer o gol do Brasil, pois abriram a defesa, o que não fazem nunca; fizeram antes e o Oscar perdeu o gol, minutos depois, ele aproveitou a oportunidade e fez o gol de honra.
-Honra?!... - ironizou o Claudio.
-Os jogadores estavam todos desarrumados em campo. No primeiro gol, o do Muller, ele estava sem marcação alguma numa batida de corner. O David Luiz jogava como um peladeiro dos áureos tempos do campo Cachambi; largava a zaga e ia jogar de centro avante, deixando a defesa com mais buracos do que a lua.- comentei.
-A ausência do Tiago Silva foi mais sentida do que a do Neymar que, aliás, não vinha jogando de acordo com a fama de craque que tem.
-O cartão amarelo que ele levou contra a Colômbia, tirando-o dessa partida, já demonstra o descontrole emocional dele. Nessa vez, foi o Tiago Silva que saiu da defesa para ser centroavante.
E acrescentei uma pergunta:
-Não é coisa de maluco abalroar o goleiro no momento em que ele vai repor a bola ao jogo?
-O David Luiz não joga assim no Chelsea e nem o Tiago Silva, no Paris Saint-Germain, Nos clubes deles, tem tática que, se não for obedecida, o jogador é tirado do time pelo técnico. - comentou o Daniel.
-O Felipão foi criticado pelo Dunga. A que ponto ele chegou. - interveio o Claudio sardonicamente.
-Um comandante, mesmo com ótimos soldados, pode pôr tudo a perder.
E fui em frente:
-Em 53 a.C. , o General Marco Licínio Crasso invadiu o reino Parta com as legiões romanas, que eram numericamente bem superiores aos soldados inimigos. Ele, no entanto, no afã de atacar logo, cortou caminho por um vale estreito de pouca visibilidade. Os partos ocuparam, então, as saídas do vale, encurralando os romanos, e dizimaram quase 50 mil, inclusive o General Marco Licínio Crasso.
-Foi o parto de uma derrota.
Considerei o trocadilho do meu irmão e concluí:
-Foi o parto da expressão “erro crasso”. Na batalha Brasil e Alemanha, vamos dizer assim, tivemos o “erro felipônico”.
-O Felipão teve a mesma soberba desse general.
Daniel concordou com o pai, mas na sua versão folgazã.
-Sim; enquanto o “Erro Crasso” pensava que tinha o melhor exército do mundo, o “Erro Felipônico” achava que tinha a melhor seleção do mundo.
-E um comandante tem de avaliar bem os seus comandados o que o Felipão não fez.
-Ele tinha de ver aquela babaquice de jogadores entrarem em campo, perfilados, com um colocando a mão no ombro do outro, coisa de colégio primário; de choradeiras; de o Tiago Silva desabar nos braços dele porque o Brasil teria de disputar a vitória nos pênaltis contra o Chile, logo ele que era o capitão. - corroborou o Claudio minhas palavras, porém, com menos paciência do que eu.
-Ele já vinha dizendo e fazendo muita besteira. - tirou o Felipão até o meu sobrinho do seu espírito brincalhão.
-Uma lambança dessa não se improvisa; isso vem de longe.
-Por um lado, foi boa essa goleada.
-Por muitos lados, Claudio. - salientei.
-A pancada que o Neymar levou nas costas, no jogo contra o Chile, teve muito mais repercussão na mídia do que o viaduto que caiu em Belo Horizonte, superfaturado, construído às pressas com material de quinta categoria para a Copa, e com mortes. - indignou-se.
-Eu estava assistindo a uma partida na TV Globo, enquanto o locutor informava que o Neymar era conduzido por uma ambulância para a sua mansão, no Guarujá. Ao mesmo tempo, ele lamentava não poder interromper a transmissão do jogo para mostrar essa chegada do Neymar, porque as imagens do jogo eram geradas pela FIFA.
-E você, Carlão?
-Soltei um palavrão e mudei de canal.
Nesse instante, apareceu a Gina com o braço na tipoia.
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