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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5176 Data: 26 de
agosto de 2015
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208ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Houve algum problema com vocês, ontem,
quando incendiaram dois ou três ônibus no viaduto de Del Castilho?- perguntei
ao 262.
-Para mim, não, porque evitei ir para
aquele lado.
-Aconteceu pouco depois da minha
chegada e eu soube, pelo noticiário do rádio, que teve reflexo no trânsito até
Cascadura.
-Esses bandidos são folgados. -
resmungou ele.
-Disseram que um morador da favela
Bandeira 2 foi ferido numa batida policial e isso revoltou a comunidade.
-Nada; mexeram com os traficantes e
eles dão ordem para incendiar os ônibus. Não é só a Bandeira 2, não.
-Um colega seu me disse que existe
também a favela Bandeira 3. Deve haver mais bandeiras do que na sede da ONU.
-Os traficantes do Jacarezinho estão
também nessa bagunça. - afirmou.
-Logo que colocaram uma UPP no
Jacarezinho, fecharam uma ruela que fazia esquina com a Domingos de Magalhães,
onde passaram a vender drogas. Eu via, de vez em quando, retornando do serviço,
um PM lá.
-Foi a Polícia Civil que reabriu a rua,
derrubando as barreiras que puseram lá, afinal, por ela se encurta bastante o
caminho de Maria da Graça para o Shopping Nova América.
Nossa conversa se encerrou com a
chegada na Modigliani.
No dia subsequente, no táxi do 140,
reiniciei o tema da conversa com o 262, que ficara inconclusa devido a
trajetória da estação de Maria da Graça até a minha casa ter ficado mais curta
por causa da pressa do taxista.
-Aqueles ônibus incendiados...
-Tratei de contornar aquele trecho. Eu
já avisava, antes, ao passageiro que o bicho estava pegando por aquele lado da
Avenida Suburbana.
-Autódromo Suburbana, quando vou
atravessá-la na hora de ir para o trabalho; os carros passam ventando.
-Com o incêndio, todos estavam a uma
velocidade média de 10 quilômetros por hora. – afirmou.
-Logo após esse ato criminoso, quando
me dirigia à estação de Del Castilho do metrô, por volta das cinco e meia da
manhã, no dia seguinte, destacavam-se dois carros da polícia na esquina da Rua
Luiza Vale, com aqueles giroscópios ofuscantes.
-Você viu anteontem e ontem?... E hoje?
-Nada; nem sombra de carro da polícia.
-Esse patrulhamento tem de ser
constante. Nessa Rua Luiza Vale, os cracudos se instalaram. Eles fazem sexo na
calçada e os moradores assistem nas suas casas.
-Eu sei disso – disse-lhe. É o Big
Brother Brasil dos miseráveis.
-Eles, de lá, se espalham pelas
redondezas.
-Nesse ultimo sábado, eu me alongava,
depois de ter caminhado pela Praça Manet, quando fui abordado por uma cracuda.
Pediu-me dinheiro e eu lhe falei que não caminho com dinheiro no bolso.
-E ela foi embora? – expressou
curiosidade.
-Não saiu do lugar; olhava-me.
Indiquei-lhe a Rua Itamaracá e lhe informei que havia lá uma padaria. Disse-me
que, na padaria é que não dão nada mesmo e ainda, por cima, enxotam quem não
tem dinheiro.
-Ela era daquelas mulheres magricelas?
-Não, não foi chupada ainda pelo vício;
como estava de short, via-se que as suas coxas eram, ainda, grossas.
-Por cinco reais, elas fazem qualquer
negócio.
Pensei no libidinoso pai dos Irmãos
Karamazov que dizia, cinicamente, que todas eram filhas de Deus.
-Fiquei penalizado; a roupa dela era
imunda. Creio que um só banho de bucha não tiraria toda a sujeira do seu corpo.
-O Antônio, o 081, diz que esses
cracudos são filhos do Lula.
-Eu assisti a um documentário sobre a
história de Londres que mostra que, séculos atrás, o vício do Gim criou uma
multidão de miseráveis. Pelas fotografias, eles me lembraram os cracudos daqui.
O governo inglês resolveu o problema taxando a bebida num valor elevadíssimo.
-Com o crack, não dá para fazer isso.
-É verdade; está inserido na economia
marginal.
-E a tal cracuda ainda lhe perturbou
muito?
-Ela desistiu e foi procurar outro. Já
vejo muitos cracudos quando passo por aquele corredor a caminho da estação do
Nova América. Debaixo da escadaria, alguns deles fumam crack.
-Não sei como vai ficar depois dessas
batidas da polícia no tráfico da Bandeira Dois. - lançou a dúvida enquanto me
deixava na minha rua.
Depois de uns sete anos, mais ou menos,
após o furto do meu carro, indo de casa até o metrô de Del Castilho, o que me
dava um gostinho de caminhada de 15 minutos com uma subida de escada de 45
degraus, eu fui obrigado a mudar a minha ida ao trabalho. Agora, na Rua
Itamaracá, buscava por um táxi. Aproximei-me do que estava estacionado na
calçada da padaria com um senhor ao volante.
-O senhor me leva até a estação do
metrô de Maria da Graça?
-Para qualquer lugar do Brasil.
-Soube que a TV Record fez uma
reportagem sobre aquele corredor que liga a Suburbana com o metrô de Del
Castilho e foi dito que ocorrem assaltos ali até com faca. Eu, na última
sexta-feira, tive a impressão que seria assaltado, creio que não fui porque o
sujeito titubeou.
-Meu amigo, passou deste sinal (Suburbana
na altura da Renoir) tudo fica perigoso.
-Soube depois que a TV Globo também fez
uma reportagem com os cracudos que consomem droga debaixo daquela escadaria.
-Hoje, eu mal cheguei ao posto para
abastecer, já veio um me pedir dinheiro. “Cara, eu nem comecei a trabalhar
ainda. Tenha dó.” – reproduziu o efusivo taxista a sua reação diante do
pedinte.
Com votos mútuos de bom trabalho,
despedimo-nos diante da rampa que conduz à estação de Maria da Graça.
No dia seguinte, no mesmo horário,
procurei por ele, deixando para trás um taxista do Copaméier que aguardava
passageiro, Ele, infelizmente, já partira ou ainda não chegou. Voltei até o tal
taxista.
-Algum problema de me levar até o metrô
de Maria da Graça?
No caminho, eu lhe contei,
resumidamente, o porquê dessa minha mudança de ida ao trabalho.
-Os assaltantes são muitos – disse ele.
Saiba o senhor que um rapaz, exemplo de trabalhador, estava sempre, no posto,
dando duro no lava à jato, tornou-se assaltante. Dia desses, ele ia assaltando
o meu cunhado, quando reconheceu quem era ficou sem graça e foi embora sem nada
levar.
-Onde ele trabalhava mesmo? – indaguei.
-No lava a jato.
-O nome já não ajudava... comentei.
-É verdade. - concordou.
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