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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5171
Data: 18 de agosto de 2015
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SABADOIDO
-A Gina não está?
Dei pela sua falta.
-Foi ao supermercado.- respondeu o
Claudio na sua cadeira de chupar laranja, enquanto eu me acomodava na sua
cadeira de ler jornal. Conosco, Daniel se punha no meio das almofadas do
pequeno sofá de alvenaria.
-As compras aos sábados tinham saído da
rotina dela.- observei.
-Ela foi fazer companhia a irmã,
Carlão.
-E a Jura está bem?
-Quem não esteve bem esta semana foi o
Daniel.
-O que houve? - voltei-me para o meu
sobrinho.
-Tive um negócio aí...
Depois que o mal foi identificado,
identificou-o com desdém:
-Gastroenterite.
-Poxa, Daniel, você tem de tomar mais
cuidado com a alimentação. Parar com refrigerantes...
-Eu não bebo refrigerante.
-Não bebe, mas na visita `a mamãe, no
aniversário dela, você levou uma garrafa de Coca Cola para casa.
-Foi uma exceção que confirma a regra.-
justificou-se.
-Tem ido `a academia de ginástica? Você
anda meio barrigudo.
-Falto, às vezes. Tenho de perder uns 8
quilos para chegar a 25 de índice de massa corporal.
-Você sabe calcular o IMC?
-Não só o IMC, como o MMC e o MDC.
-Falando sério, Daniel.
-Peso dividido pela altura elevado ao
quadrado.
-A Gina levou o Daniel para a
emergência do Prontonorte.- manifestou-se meu irmão que, pacientemente,
descascava uma laranja seleta.
-Lá, a Gininha ficou pior do que eu
porque, na sala de espera, ela teve de assistir ao programa da Ana Maria Braga
e ao “Bem-Estar”.
-Quanto ao programa da Ana Maria Braga,
eu tenho as minhas erisipelas assistindo, mas quanto ao “Bem-Estar”...
-Críticas candentes, Carlão, críticas
candentes.
-Eu vejo o “Bem-Estar” no Canal Viva,
depois da minha janta, e gosto. É um programa com médicos especialistas e com
conhecedores das várias modalidades de exercícios físicos. Você, Daniel, até
deveria seguir umas dicas deles sobre alimentação, principalmente.
-Aproveite que ela não chegou ainda do
supermercado, pois ela vai arrasar com tudo isso que você disse agora. -
alertou-me meu irmão.
-E você, Carlão, tem ido na Academia da
Terceira Idade da Praça Mané Garrincha? - indagou-me em tom zombeteiro.
-A Praça Manet?... Vou duas ou três
vezes da semana, umas 4 horas da tarde e fico por lá uns 40 minutos. Não
encontro idosos, apenas crianças, algumas de 10 anos. Como aqueles exercícios,
ao contrário da caminhada, são enfadonhos, puxo conversa com os garotos mais
educados para o tempo correr mais rápido, enquanto me exercito.
-Cuidado para não ficar com a fama de
pedófilo.
-O velho tem razão; como a criançada me
adorava, eu era chamado de Michael Jackson.
-O problema é a erotização extremada
que a Mídia despeja sobre nós de umas décadas para cá. Se o Charles Chaplin
filmasse “O Garoto”, hoje, seria acusado de pedófilo. Se o romance “Os
Miseráveis” fosse escrito na nossa
realidade, Jean Valjean seria procurado pela Inspetor Javert por pedofilia,
porque levou Cosette, ainda menina, para morar com ele. - comentei.
-E com essa exaltação ao LGTB, estamos
voltando à Grécia Antiga, sem a filosofia, é claro, e ao Império Romano. -
seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.
-É verdade – concordei. Segundo alguns
estudiosos, o primeiro imperador romano heterossexual foi Claudio.
-Júlio César não era macho?-
surpreendeu-se meu sobrinho.
-Júlio César disse que era homem de
todas as mulheres e mulher de
todos os homens.
-O Júlio César?!...
-Daniel, você parece o Olavo quando lhe
disseram que o Mazaropi era viado: “O Jeca Tatu?!...” - tentei reproduzir o
desencanto do Olavo.
-A diferença é que a decepção do Daniel
é fingida, a do Olavo não, foi sincera, ele era fã do Mazaropi.- disse meu
irmão.
-Tibério, o terceiro imperador de Roma,
colocava seus peixinhos na piscina...
-Peixinhos na piscina, Carlão?
-Meninos. Ele metia alguns peixinhos na
sua piscina e os sodomizava. Calígula, que viria a ser imperador, foi um
peixinho do Tibério.
E prossegui:
-Era tudo extremamente erotizado, na
Roma dos césares, e parece que estamos regredindo. Hoje, as crianças, com a
erotização por todos os lados, não vivem o ciclo completo da infância e se tornam
adultos mal resolvidos.
-O Tibério era malucão.
-Malucão, Daniel, nomeou o cavalo dele
Incitatus imperador.
-Calígula não era tão maluco assim,
Carlinhos; pelo menos, o cavalo não roubava.
-O velho tem razão; o cavalo do
Calígula não estaria envolvido na operação Lava-Jato.
-Falando sério, eu não sou homofóbico.
Tenho grande admiração por Marcel Proust, Keynes, Tchaikovsky, Leonard
Bernstein, Oscar Wilde, André Gide, Alan Turing, e muitos outros. Todos
discretos, não se portavam como caricaturas de mulheres, não soltavam a franga.
Daniel, depois de me ouvir, interveio:
-Carlão, eu assisti ao filme “O Jogo da
Imitação”. O cientista inglês Alan
Turing salvou centenas de milhares de vidas decifrando o código dos planos
nazistas, no entanto, após a guerra, foi perseguido no Reino Unido por sodomia
e acabou se matando.
-O Tchaikovsky bebeu água da bica, numa
epidemia de cólera, ou seja, suicidou-se, porque tinha de reprimir a sua
sexualidade. - foi o Claudio ao encontro das ideias do seu filho.
-Eles mais Oscar Wilde e muitos outros
foram vítimas de homofóbicos e, como eu disse, não cultivo a homofobia, pelo
contrário, acho desprezível. Eu tive dois grandes amigos que também gostavam de
homens, mas não apregoavam isso; nós nos tratávamos com respeito. Um desses
dois se insinuou discretamente, cantando “Menino do Rio”, com trejeitos
afeminados, mas quando viu a minha cara de paisagem, voltou para dentro do
armário.
-Já que o assunto é esse, vou para o
teclado tocar “We Are The Champions”, imitando o Freddie Mercury. - disse o
Daniel levantando-se e indo em direção ao seu quarto.
-Claudio, parece que o Aldyr Blanc não
escreve mais aos domingos no Globo.
-O artigo dele não é mensal?
-Mas já passaram mais de 30 dias.
-Eu não reparei.
-Eis uma pessoa que entra na velhice de
uma maneira lamentável. Quanta rabugem, amargura, ódio, humor raivoso naqueles
artigos políticos! Nem me sinto bem quando leio aquilo, às vezes, evito.
-Como letrista, ele é, talvez, um dos
três maiores da música popular brasileira nos últimos 50 anos.
-Pois é, Claudio, ele escreveu aquela
inspirada letra “Resposta ao tempo”, mas, na realidade, ele foi derrotado
fragorosamente pelo tempo. Eu gostava dele. Assisti duas vezes, no Teatro
Glauce Rocha, em 1998, ao espetáculo do Claudio Tovar e Lucinha Lins “ Aldyr
Blanc, um cara bacana.”
-E o Luís Fernando Veríssimo, Carlinhos?
-Quando o filho do Érico escreve sobre
economia e política, ele é a mescla da erudição com a falta de lucidez.
-É isso aí.- disse meu irmão.
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