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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5164 Data: 07 de
agosto de 2015
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SABADOIDO
3ª PARTE
-Como foi a batida do “Titanic” no
“iceberg”?
-Ele foi rasgado pelo “iceberg”.
Fiz a pergunta ao Daniel, mas foi a sua
mãe, que vinha entrando na cozinha, que respondeu.
-Foi de proa a popa. -respondeu agora
meu sobrinho.
-Confesso que, apesar dos meus muitos
anos na Marinha Mercante, trocava, às vezes, estibordo por bombordo. Então, um
colega, numa palestra, mostrou uma técnica mnemônica que acaba de vez com a
confusão. Disse ele: bombordo lembra bomba, que lembra coração que bombeia o
sangue e que fica do lado esquerdo, logo, estibordo é o lado direito do navio.
(*)
-À esquerda... À direita... Ainda estou
perdida no navio. -queixou-se a Gina.
-À esquerda ou à direita de quem está
voltado para a proa. - expliquei.
-Já estou me situando.
-Proa é a parte da frente e popa a
parte de trás; não há como errar, é só pensar na popa da Viviane Araújo. - foi
ainda mais explicativo do que eu o Daniel.
-Mas, Gina, é melhor ficar perdido no
navio do que entrar de gaiato nele.
-”Entrei de gaiato no navio.” -
cantarolou a Gina.
-O rock dos “Paralamas do Sucesso”?...
-Pois é, Daniel. Diziam os
engraçadinhos, quando o Estaleiro Verolme quebrou, que aqueles que tinham ações
na bolsa dessa empresa estavam cantando: “Entrei de gaiato no navio”.
-Você entrou, Carlão?
-Claro que não; construção naval é alto
risco. Veja agora o Lula, que incentivou a construção naval sacrificando a
Petrobras; com os problemas desta empresa, o desemprego nos estaleiros chega a
dezenas de milhares.
Voltei-me para a Gina:
-Já se achou no navio?
-Quero meus pés no chão, nada de navio
ou de avião. - afirmou ela.
-Eu assisti, nesta semana, aos “Deuses
Vencidos”, no Telecine Cult, e me identifiquei com o personagem do Montgomery
Clift quando ele conduz a futura namorada para casa.
-Eu vi também, leva um fora. -
antecipou-se a Gina.
-Pois é; ele, então, bate no vidro da
janela da casa para chamá-la porque estava perdido.
-Para chegar lá, eles pegaram metrô,
depois ônibus e ainda andaram um bom trecho de
rua, era para ele se perder mesmo. - disse a minha cunhada.
-O DVD do filme “O Barão Vermelho”, que comprei nas Lojas Americanas do
Norte Shopping, eu vi ontem.
-Gostou, Carlão?
-Daniel, meteram uma história de amor
hollywoodiano no meio da história que não tinha nada a ver.
-Eu prefiro os desenhos em que o Barão
Vermelho tem de se confrontar com o Snoopy nos céus.
-Eu também, Daniel. O Snoopy se veste
de aviador, caminha com gestos aristocráticos, sobe na casa dele, que decola
feito um avião e entra em combate com o Barão Vermelho.
-E fica furioso quando os tiros do
Barão atingem a carenagem do avião dele. - acrescentou o Daniel.
-Faltou, então, o Snoopy nesse filme
que você comprou? - disse a Gina em tom de brincadeira.
-O drama sentimental desvirtuou tudo.
Eu, então, acessei o Google em busca de dados da biografia do Manfred von
Richthofen.
-Mas a internet mente muito. -
expressou a Gina o seu ceticismo.
-Por isso, eu não me detenho numa
página, mas em várias, quando todas, ou quase todas, dizem a mesma coisa, eu
tomo como correta.
-E o que falam sobre o rival do Snoopy
nos céus? - interessou-se meu sobrinho.
-Ele, quando era garoto, caçava animais
com tiros precisos. Como piloto, segundo alguns biógrafos, tratava os aviadores
inimigos como caça a ser abatida. Dizem que, no livro de memórias do Barão
Vermelho, não há poesia alguma, como no de outros pilotos, destacando-se
Saint-Exupéry.
-Saint Exupérie?!... É querer muito,
Carlinhos. - prestou a Gina.
-Depois do livro, quando ele já era um
herói nacional e a Alemanha queria mantê-lo vivo, visitou – o verbo é este – as
trincheiras e hospitais e teve contato com a realidade da guerra, ficando
emocionalmente abalado. Sim, porque, até então, a guerra parecia um esporte com
risco de vida entre aristocratas, foi isto que o filme mostrou.
-Então, alguma coisa se aproveita dessa
fita. - concluiu minha cunhada.
-Eu deduzi que o Barão Vermelho, se
fosse um caçador frio e calculista, dentro do seu avião pintado de vermelho,
não receberia enterro com honras militares dos aliados.
-Por que ele pintava o avião de
vermelho, Carlão? Não seria melhor ele surgir de surpresa?
-Ele preferia ser temido, por isso
anunciava a sua presença.
-Certo, mas ele se arriscava a ser alvo
de uma formação de esquadrilha inimiga. - conjeturou o Daniel.
Em seguida, a Gina retornou ao nome do
autor de “O Pequeno Príncipe”, e pronunciou o xis de “Exupérie” diferentemente
de mim.
-O seu professor de francês do Visconde
de Cairu, Pedro Vicente, lhe ensinou essa pronúncia?
-Pierre Vincent, Carlinhos, Pierre
Vincent.
-Nos meus quatro anos de francês, no
Visconde de Cairu, eu não peguei o Pierre Vincent como professor. Talvez,
houvesse uma palavra com “x”, quando eu recitei de cor a poesia “Réveil” de
Madame De Pressensé, pois até hoje não entendo por que tirei 8, e não 10.
-Você decorou bem a poesia?
-Tão bem que tenho ela na memória ainda
hoje. “C'
est le matin... Un rayon rose/ glisse de la persienne close/ Jusqu'au lit
blanc. Un rayon rose/ Dans les cheveux/ e
sur la joue/ Du petit Jean...”Parei a declamação e disse rindo:
-Só não prossigo porque esqueci o
restante da poesia.
E concluí, agora, sério:
-Mas é fácil memorizar tudo de novo
porque as palavras entram como música.
-Pena, Carlinhos, que você não conheceu
o Pierre Vincent. Era uma figura e tanto.
-Também tive professores de francês que
eram uma figura e tanto. Um deles, com gestos afeminados, dizia que não se
conformava de exército em francês ser uma palavra feminina. “Logo o glorioso
exército francês das conquistas napoleônicas- esbravejava.”
-E
como é exército em francês, Carlão?
-”L'armée”. Ele deveria estar revoltado
com vagina, em francês, ser uma palavra masculina: “le vagina (acentuando no a)”.
Meu sobrinho soltou uma gostosa
gargalhada.
-Daniel, vá se vestir que está na hora.
- ordenou-lhe a mãe.
Enquanto ele ia para o seu quarto,
Claudio retornou à cozinha ainda mais sujo de graxa.
-A bicicleta está mais silenciosa
agora? - perguntei-lhe.
-Parece que sim.
-Tem de estar, porque estava fazendo
mais barulho do que as pedaladas da Dilma e do Guido Mantega. - bradou a Gina.
(*) Não se
conhece a origem do conhecimento náutico do redator do seu O BISCOITO MOLHADO.
Deve tratar-se de algo extremamente erudito, pois o termo estibordo foi abolido
após a Guerra do Paraguai, conforme informação obtida na internet: O uso dos termos Bombordo e Estibordo pode levar a
confusões tão prejudiciais que fez a Marinha Brasileira redesenhar uma palavra
tradicional para evitar problemas em suas operações; isso se deu por volta da
Guerra do Paraguai. A antiga distinção entre bombordo (o lado esquerdo da
embarcação) e estibordo (o lado direito) mostrou-se inoperante em situações de
batalha, uma vez que as ordens gritadas no meio da fuzilaria e da canhonada
deixavam ouvir apenas a tônica, que é BOR em ambos os casos. Considerando a
importância de que os maquinistas e timoneiros entendessem as ordens dadas,
nossa Marinha sabiamente inovou: pegou estibordo, reordenou seus elementos e
saiu-se com um boreste, agora funcional, porque as duas tônicas se bastam para
distingui-las.
Como o texto declara a desconfiança nas informações da
internet, o Distribuidor vem a público esclarecer que, pelo menos há 50 anos,
não se usa mais o termo estibordo, corroborando parte da informação.
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