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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5162 Data: 03 de
agosto de 2015
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SABADOIDO
1ª PARTE
-O Claudio me abriu o portão, meio
esbaforido e disse que eu seguisse em frente porque ele estava engraxando. Nem
parei, vim direto para a cozinha do Sabadoido. O que ele engraxa, não vi sapato
algum?
-Carlão, ele engraxa a bicicleta
ergométrica.
-Ele não passou, antes, óleo?
-Passou, mas não deu resultado.
-Os vizinhos estão reclamando do
barulho que ele faz quando pedala? Deveriam reclamar das pedaladas da Dilma. O
da casa ao lado faz sessões de macumba que atravessam a noite. Basta o Claudio
levar a bicicleta para o muro que separa as duas casas e fazer também a sua
barulheira.
-Carlão, o vizinho macumbeiro se mudou
para outro lugar há algum tempo.
-Esqueci, mas tudo bem. O Claudio havia
me dito, no sábado passado, que ficou uma hora na bicicleta, suando em bicas,
com muito barulho e nem quis saber dos vizinhos.
-Carlão, hoje ele extrapolou. Eu me
entendia maravilhosamente com Morfeu quando, às quatro horas da manhã, fui
acordado com o rangido da bicicleta. Gritei do meu quarto: “Velho, assim não
dá.”
-Daniel, mesmo quando eu estava no
melhor da minha carreira, vinte, quinze anos atrás e corria antes de sair para
o trabalho, eu não me exercitava a essa hora da madrugada.
-É vero. - limitou-se a dizer.
-Será que despertou tão cedo para ver a
lua azul?
-Nada, Carlão. Ele disse que lua azul
para ele é Blue Moon de Henry Mancini.
-Para
ele, para o Simon Khoury do Rádio Memória e, enfim, para todos os que têm bom
gosto, porque o Henry Mancini foi um ótimo compositor, arranjador, etc.-
comentei.
-Então, Carlão, não foi por causa da
lua azul que ele madrugou.
-O Dieckmann contou que andou 10 mil
passos para ver a lua azul.
-Para os sedentários, seria melhor
ouvir apenas Blue Moon de Henry Mancini. - comentou.
-Ele saiu de Santa Teresa, foi à Praia
Vermelha e, daí, à Urca com a companheira dele.
-Tudo isso a pé?... Dá uns 100 mil
passos!
-Uma parte do percurso, eles fizeram de
carro, evidentemente.
-Ah, bom.
-Nas minhas caminhadas de uma hora aos
sábados, domingos e feriados, eu calculo 7200 passos, porque a minha média são
dois passos por segundo.
-Você não teve um pedômetro,
Carlão?
-Tive dois; eles eram doidos; contavam
passos quando eu estava parado, e, muitas vezes, não contaram quando eu andava.
-Made in China. - diagnosticou.
-Isso há alguns anos, mais
recentemente, soube de um colega de trabalho, glutão e gordinho, que usava um
pedômetro ajustado no cinto, porque a sua pretensão diária era dar dez mil
passos.
-Como o Dieckmann. - interferiu.
-Certa vez, fomos eu e ele fiscalizar
uma empresa na Torre Rio-Sul, às 10h. Quando percebi, ele já havia dito para o
nosso motorista retornar às 2h da tarde.
-Muito tempo, Carlão?
-Claro; nós veríamos apenas
documentação; no mais tardar, 11 horas o trabalho já esta feito.
-Então, vocês almoçaram lá?
-Almoçamos, mas, antes, andamos; depois
do almoço, andamos de novo. Foi quando ele me revelou que portava um pedômetro
e que entrara para a meta dos dez mil passos por dia.
-Ele fez com você o mesmo que o Dieckmann
com a companheira dele quando saíram para ver a lua azul.
-Mais ou menos, Daniel.
-Carlão, por que reclamar?... Você
também se exercitou.
-Daniel, eu já havia caminhado um hora
antes de ir para o trabalho.
-E o pedômetro desse seu amigo era made
in China como os seus?
-Daniel, eu nem quis saber.
Interessei-me, isso sim, com o dispositivo no celular que registra todos os
passos que ele dá, até quando vai para o chuveiro.
-Ele toma banho de celular, Carlão?
-Bem, nunca o vi sem um celular desde
que o Fernando Henrique Cardoso privatizou a Telebrás, mas creio que, na hora
do banho, ele deve se separar do dito cujo.
-Eu tenho umas amigas que só faltam
mergulhar na piscina de celular, se fosse à prova d' água, mergulhavam.
-Daniel, é difícil ter um aplicativo
como o do Dieckmann no celular?
-Carlão, se você mudar de celular, não.
-Na verdade, o aplicativo que me deixa
de olho gordo é um que mostra, numa linha tracejada, o percurso que você fez
numa caminhada ou numa corrida.
-Por que olho gordo?
-Bem, quando íamos a trabalho ver empresas,
terminais e porto, no caso o de Forno, em Cabo Frio e Arraial do Cabo, eu
caminhava pela calçadão da Praia do Forte.
-Esse era o trabalho? - gracejou.
-Havia horas para dormir e para o
lazer; você, que já viajou pelos Correios, sabe. Como eu dizia, terminava o meu
exercício sem saber se caminhei cinco, seis, ou até pouco mais de 4
quilômetros. Então, um dia, o rapaz que trabalhava como motorista me mostrou o
celular dele com todo o caminho que ele caminhara, os quilômetros e não sei
mais o quê.
-E você fez um lance para comprar o
celular dele?
-Não fiz, Daniel, porque era caríssimo:
no celular estava o número de telefone de todas as periguetes da Região dos
Lagos.
-Ora, basta tirar o chip.
-Diz ele que tem quatro chips para
evitar que a mulher descubra os seus pulos de cerca.
Nesse instante, meu irmão entrou na
cozinha com as mãos sujas de graxa.
-A sua bicicleta ergométrica já está
tão silenciosa quanto o Congresso Nacional às sextas-feiras?- perguntei.
-Com mais alguma graxa, ficará.
-A vizinhança reclamou dos rangidos
dela às 4 horas da manhã?
-O único que reclamou foi o Daniel, mas
estou pensando em despejá-lo e alugar o seu quarto.
-Qual é, velho, eu dormi tarde.
-O Daniel estava na farra? - foi a
minha terceira pergunta em menos de dois minutos.
-Se ele estivesse na farra chegaria
depois do amanhecer, hora que eu chegava quando saía às sextas-feiras.
-E levava o papai à loucura. Certa vez,
o pai parou o carro do Luís Valente, umas 7 horas da manhã e pediu que o
levasse até o necrotério: queria ver se você estava lá.- lembrei.
-E estava? - não perdeu o Daniel a
piada.
-Papai era muito paranoico; sabia muito
bem que todas as sextas-feiras eu me reunia como a minha turma da Cândido
Mendes para tomar chope.
-E você, por que dormiu tão cedo? -
voltei-me para meu sobrinho.
-Porque os filmes que levavam na
televisão ou eram ruins, ou eu já havia assistido.
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