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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5158 Data: 29 de
julho de 2015
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205ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
O PRIMEIRO TAXISTA DESMEMORIADO
Entro na minha última semana de férias
e ainda não fui visitar a minha sobrinha no Engenho Novo. Eu não poderia mais
procrastinar, se não, quando me visse, estaria pegando a mochila para ir ao
trabalho.
Telefonei para a cooperativa, não a dos
personagens deste periódico, que ficam no ponto da Rua Domingo de Magalhães e
aguardei o telefonema de retorno. Passaram cinco minutos e nada; estranhei
porque o que mais se vê àquela hora, 10h 30min, são táxis vazios. E se eu
tivesse chamado uma uber?... Será que já há uber em Del Castilho?... Se a Rosa
Grieco, a nossa erudita leitora, que já leu todos os livros da Biblioteca de
Babel do Jorge Luís Borges, já fica indignada que os nomes de grandes pintores
e escultores, da França, na sua maioria esmagadora, deem nome às ruas deste
humilde bairro, eu imagino como se sentiria caso eu dissesse que, por aqui,
também trafegam as ubers. Os moradores estropiam tanto a pronúncia francesa dos
nomes dos geniais artistas impressionistas, que talvez ela razão; mas será que
no Leblon seria muito diferente? Não cogito os da Barra da Tijuca, porque lá só
tem vez a língua inglesa, mormente a dos Estados Unidos.
A minha cisma se desfez com o tilintar
do telefone; um táxi já estava na minha porta.
-Onde? - indagou-me o taxista.
-No Engenho Novo; o senhor vai dobrar à
direita no Buraco do Padre e ir até a altura da estação de trem Álvaro Alvim.
Notei que seu olhar circunvagou pelo
para-brisa do carro, e tentei ser mais explícito ao prosseguir:
-O senhor vai passar direto pela
bifurcação para o Lins de Vasconcelos, que o primeiro prédio, quase ao lado do
Colégio QI, é onde vou ficar. Bem, vamos que eu, lá, lhe mostro.
O olhar dele ficou perdido por culpa
minha, pois justamente naquela hora eu resolvi justificar o meu cognome de
Hortelino Troca-Nomes: a estação da Supervia era Silva Freire e não, Álvaro
Alvim.
-O senhor vai pegar a Ferreira de
Andrade, não é?... O trânsito é melhor.
-Eu já estava pensando nisso. -
garantiu-me.
-Caramba! - exclamou quando já
descíamos um trecho da São Gabriel – não liguei o taxímetro.
Eu, que atentava para o percurso que
fazia, um pouco diferente do meu, quando eu dirigia, também não notara o
taxímetro desligado.
-Isso vem acontecendo comigo... Já
esqueci umas quatro, cinco vezes de ligar.
-Quando eu venho do trabalho, recorro
sempre aos taxistas que fazem ponto ali, na estação do metrô de Maria da Graça,
e há um português que esquece o taxímetro desligado.
-Coitado. - penalizou-se.
-Coitado, nada; ele tem mais de vinte
imóveis e, disseram-me os seus colegas, duas casas comerciais. Como não teve
infância, em Portugal, o seu lazer é o trabalho. Disse-me isso o decano daquela
cooperativa, um taxista de 81 anos, e mais: se esse português parar de
trabalhar, morre.
-Desses meus esquecimentos, eu tive
problema com uma senhora; ela pegou meu táxi cheia de sacolas de supermercado e
me pediu para deixá-la numa rua de Osvaldo Cruz, trajeto que eu já fizera
inúmeras vezes. Depois de muito tempo de corrida, ela chamou a minha atenção
para o taxímetro. Xinguei-me por esquecê-lo desligado e ela disse que imaginou
que ele estivesse funcionando mesmo sem luz.
-Estanho... - expressei a minha
desconfiança.
-Quando chegamos, eu lhe disse, que a
corrida ficava em tanto, porque eu era useiro e vezeiro em pegar clientes com
esse mesmo percurso. Ela disse que só pagaria o que estava no taxímetro, reagi
dizendo-lhe que não seria justo. A mulher se alterou e começou a criar caso.
Falou em chamar a polícia. Disse-lhe que iríamos perder o nosso tempo que,
então, ela pagasse o que o taxímetro mostrava mais o valor do transporte das
sacolas das compras. Ela sossegou, deu-me o dinheiro e fui embora.
Antes que ele me narrasse outro
problema provocado pelas falhas da sua memória, alterei o rumo da conversa.
-Começo a caminhar por volta das 5h
30min da manhã com um radinho de pilha no bolso sintonizado no noticiário da
CBN ou da Band News.
-E consegue escutar bem mesmo com ele
no bolso?
-Consigo porque não faço mais aquelas
caminhadas longas de uma hora; persisto com uma hora, mas passei a dar voltas
numa daquelas duas quadras da Praça Manet e, até mesmo, naquilo que era o
ringue de patinação.
-Onde fizeram uma academia da terceira
idade?
-Isso mesmo; fico em órbita daqueles
aparelhos até enjoar e passo para uma daquelas quadras cuja dimensão é maior.
Então, eu fico num lugar onde o sinal dessas emissoras não fica prejudicado, a
da CBN fica, às vezes, passo, então, para a Band News que é sempre a mais
audível das duas.
-Sim.
-Caminhando, hoje, a Band News
informou, através do WhatsApp de um
ouvinte, que há mais de 40 minutos não saía um trem da estação de Santa Cruz.
Logo depois, veio a informação que um trem estava enguiçado na estação de Campo
Grande.
-Que loucura! - exclamou.
-Eu pego o metrô para trabalhar às 5h
30min para o trabalho; se um trem atrasa dez minutos a plataforma já fica
apinhada de gente.
-E os trens da Supervia transportam
mais trabalhadores e, em geral, os mais humildes.
-Os marmiteiros como se dizia muito no
tempo do Getúlio Vargas. - acrescentei.
-Os mais pobres.
-Como se não bastasse, veio a notícia
que quatro carros bateram na ponte Rio-Niterói e tudo ficou parado.
A indignação que não mostrou na
narrativa em que a passageira só lhe indicou o taxímetro desligado muito tempo
depois, mostrava agora.
-Isto é o descalabro deste governo
estadual, municipal...
-E federal. - antecipei-me.
-Às minhas palavras, sua indignação
cresceu em intensidade.
-Todos os preços estão subindo com esta
mulher. Eu nunca vi tanta incompetência. Nunca houve tanta corrupção.
O seu táxi já estava parado na calçada
do prédio da minha sobrinha, mas a sua insatisfação não arrefecia.
-A oportunidade de tirar essa mulher do
poder está no julgamento das contas.
-Bem, chegamos... - indiquei-lhe que
estava com um pouco de pressa.
-15 reais e 70 centavos. - disse
olhando o taxímetro.
-Vou adicionar 2 reais pelo tempo em
que o senhor deixou o taxímetro desligado.
-Eu esqueci o taxímetro desligado? Nem
me lembro mais.
-Xi!...
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