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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5168 Data: 13 de
agosto de 2015
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NA ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE
Neste mês de agosto, faz um ano que
instalaram a Academia da Terceira Idade, no chamado pretensiosamente de “ringue
de patinação” da Praça Manet. Estávamos
há dois meses das eleições e vi, com alegria, colocarem lá os aparelhos de
ginástica. É verdade que os cabos eleitorais não puseram um só galhardete da
candidata à Câmara Federal, Cristiane Brasil, aquela que levou a frente esse
projeto, nem sequer seu nome era citado; com certeza, julgavam que, assim, os
méritos seriam dos três candidatos que eles pretendiam eleger.
Passou um ano e me exercitei lá todas
as manhãs de sábado, domingo e feriado; de umas semanas para cá, acrescentei as
tarde de terça, quarta e sexta feira. Tanto de manhã, quanto de tarde, não
encontro idosos lá. É verdade que, no horário em que apareço, 5h 30min, muitos ainda
dormem, porém não há desculpas para eles, pois, mesmo em horas mais civilizadas
do fim de semana e feriado, olho da janela da minha casa e constato que são
muito poucos os que estão lá lutando para fugir do sedentarismo.
De tarde, nos dias mencionados, também
não tenho a companhia deles, mas as crianças sempre se fazem presente na
Academia da Terceira Idade. Anteontem, eu estava no simulador de caminhadas,
quando três petizes irromperam o antigo ringue de patinação adentro; eram uma
menina de uns 4 anos e dois meninos de uns 8 anos. A garota correu para o
esqui, mas quando tentava balançar o seu corpo com os bracinhos, o gordinho da
turma subiu atrás dela e passou a puxar alternadamente, com força, as alavancas
do aparelho. A menininha gritou apavorada que ia cair e saltou fora. O outro
garoto, que parecia mais sossegado, enquanto isso se distraía com o trilho para
equilíbrio e, consequentemente, aprimoramento do cerebelo, das atividades
motoras. Ele não tinha a menor ideia do que se tratava, era mais um brinquedo e
para a garotinha também, que, agora estava lá.
O guri mais agitado se divertia agora
com um equipamento com peças que ele erguia com as duas pernas e, em seguida,
largava, provocando um estrondo que, pelo que eu percebia, lhe soava como
música. Meu ímpeto era adverti-lo, mas um berro que veio do local dos
verdadeiros brinquedos infantis, que ficam em terra batida, de quem parecia ser
o seu pai, “para com isso”, me deteve.
Ele não parou e eu, percebendo que era mais um dos milhões que fogem dos
padrões da boa educação, me contive para não me irritar.
Quando saí do simulador de caminhadas,
fiz o de costume: rumei para a rotação vertical que é parte integrante do
aparelho em que o gordinho encapetado se achava. Mal comecei a girá-la, ele
provocou uma batida entre os ferros que estremeceram ainda mais os meus
tímpanos.
-Assim, você vai quebrar isto. Não está
vendo que esta cadeira já foi quebrada por um moleque? Você quer quebrar agora
o que restou?
Surpreendi-me com o seu tom de voz
depois de me ouvir, contrastava inteiramente com a minha rispidez.
-Por que a sua pele é assim?
-Assim, como? - amansei a minha fala
também.
-Solta.
A minha surpresa persistia e ele, que
agora se comportava bem, prosseguiu:
-Meu avô tem a pele igual a sua.
Em casa, diante do espelho, procurei
ver se estava mesmo pelancudo.
No dia seguinte, foram dois miúdos de
uns 9 anos que irromperam a Academia da Terceira Idade, enquanto eu intentava
tornar menos flácida a minha pele com puxões alternados nas alavancas dos
esquis. Eles trajavam o uniforme escolar da prefeitura e correram diretamente
para o simulador de caminhada.
É o brinquedo preferido pela garotada.
- pensei comigo mesmo.
-No entanto, mal eles me viram, vieram
se juntar a mim, ocupando os dois lugares do aparelho que estavam vazios.
Não se mostraram ariscos com os
adultos, um bom sinal, eram gregários.
-Vou fazer como o senhor faz. - disse o
que estava mais à minha esquerda.
-Eu vou fortalecer a minha perna para o
futebol. - disse aquele que se encontrava entre mim e o outro.
-Vocês estudam nesta escola – indiquei
com o queixo – a Manoel Bomfim? Eu estudei nela.
-Eu estudo ali, na Escola Jean Mermoz.
- apontou.
-Espera lá, a Jean Mermoz não fica ali,
fica na Rua São Gabriel.
-Fica não.
-Fica na São Gabriel sim. - concordou
comigo aquele que queria fortalecer a musculatura da perna.
-Ali, para onde você apontou, é a Rua
Honório, que você vai descer para, depois, entrar na Cachambi e, em seguida,
subir a São Gabriel. - expliquei.
-Por que vocês vêm de tão longe para
cá? - indaguei.
-Para fazer ginástica.
-Caramba! Andar de lá até aqui já é uma
ginástica.
-Nós viemos naquele carro. - indicaram
um Monza estacionado na Rua Modigliani bem atrás de nós.
-Eu vi a inauguração da escola de
vocês.
Não lhes contei que a inauguração se
deu na época em que o governador Carlos Lacerda tentava emplacar o seu
Secretário de Educação, Flexa Ribeiro, como seu sucessor no governo da
Guanabara. Muitos anos estavam reservados para os dois aprenderem isso.
-A Jean Mermoz fica em frente à Rua
Americana, onde eu ficava muito quando mais jovem.
-Rua Americana?...
-Não é aquela que desce?
-Desce até terminar na Rua Basílio de
Brito.
-Onde tem uma padaria? - perguntou o
garoto da esquerda.
Há muitos anos que não passo por lá,
mas confirmei, pois, ao contrário do que diz o Dieckmann sobre Santa Teresa,
ainda não acabaram com as padarias do Cachambi.
-Você mora sozinho? - mostrou-se
curioso o menino do meio.
-Não, moro com a minha mãe naquele
prédio ali atrás. E você?
-Eu moro com a minha mãe e meu pai, pai
não, padrasto.
E prosseguiu o garoto que ainda
conseguia executar o movimento de vaivém do esqui sem puxar as alavancas com os
braços.
-Meu padrasto tem 102 anos.
Nessa hora, calculei que a esposa
estivesse com uns 70 anos no mínimo e expressei a minha curiosidade:
-E a sua mãe?
-50 anos.
-Ela diz que tem 40, mas tem, mesmo,
50.
-O seu padrasto está bem de saúde?
-Ele me ganhou numa corrida no corredor
do nosso apartamento.
-Ele deve comer verdura, legume,
feijão, arroz, peixe, frutas?
-Ele come de tudo, só não come plástico
e ferro.
Só faltava me dizer que o macróbio bebe
álcool e fuma.
-Ele bebe? Fuma?
O não foi rotundo.
-Ele é evangélico; até canta hinos da
igreja.
-Pertence à igreja do bispo Macedo? -
explorei a tagarelice dos meninos.
-Não; a igreja dele fica em Nova
Iguaçu.
-Desisto; o senhor me ganhou. - disse o
menino à esquerda, descendo do estribo do esqui.
-Minhas pernas são mais compridas do
que as suas, só por isso eu ganhei.
-Crianças, vamos. - gritaram do carro.
-Até outro dia. - despediram-se de mim.
-Não deixem de aparecer nesta hora. -
pedi aos dois.
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