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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5132 Data: 23 de
junho de 2015
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SABADOIDO COM O DANIEL TRABALHANDO
Estranhei o silêncio.
-E o Daniel?
-Foi trabalhar. -respondeu-me meu
irmão.
-Trabalhar num sábado... - coloquei o
dissabor nas reticências.
-Pior
quando tem de ir também no domingo, mas, dessa vez, trabalha só no sábado.
-Naquele poema do Vinícius de Moraes
sobre o sábado, trabalhava-se neste dia. - lembrei.
-Lembra-se, Carlinhos, que o papai
chegou a trabalhar nas segundas-feiras de carnaval?... Era trabalho na redação
de jornal, não era trabalho de rua.
-O jornalismo sugou o sangue do pai e
pensar que a pensão dele pelo INSS é uma mixaria...
-O DNER, onde ele trabalhou dez vezes
menos do que como jornalista, é onde a pensão dele é dez vezes maior, até mais.
- seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.
-Querer o quê?... O Brasil segue as
leis trabalhistas do Mussolini, a CLT e os sindicalistas não admitem que mexam
nelas porque ganham muito. - comentei.
-Voltando ao Daniel, os programadores
só podem fazer manutenção nos computadores quando os que trabalham com eles não
estão, por isso, ele é escalado sábado e, às vezes, domingo. Mas a Casa da
Moeda paga o táxi até Santa Cruz.
-Deve dar uns 150 reais. - calculei.
-”Um Corpo que Cai”, que você
encomendou pelo Mercado Livre já chegou?
-Há muito tempo, Claudio.
-Você não havia assistido a esse filme
no cinema? - perguntou-me.
-Claudio, você deve se recordar...
-De quê? - cortou-me.
-Hitchcock recomprou os direitos de
cinco dos seus filmes para deixá-los de legado à sua filha. Eles ficaram
conhecidos como “os cinco filmes perdidos de Hitchcock”. Foram relançados, em
1984, cerca de 40 anos depois do primeiro lançamento. Nessa época, eu via, pelo
menos, um filme por semana; logicamente, assisti a todos os cinco.
-Não diz os nomes, eu vou dizer.
Puxando pela memória, pôs-se a
citá-los.
-”A Janela Indiscreta”, “Festim
Diabólico”, “O Homem Que Sabia Demais”, “O Terceiro Tiro”. Falta um.
-Está na cara, Claudio.
-Claro! “Um Corpo Que Cai”.
A seguir, desafiou-me:
-Você pode dizer os nomes dos artistas
desses filmes?
-Eu só sei, Claudio, que “O Homem Que
Sabia Demais” não foi com o Lula.
-Carlinhos, na última pesquisa entre os
críticos de cinema, “Um Corpo Que Cai” desbancou “O Cidadão Kane” como o maior
filme de todos os tempos.
Disse-lhe que discordava
terminantemente.
-Para o Bernard Herrmann, se estivesse
vivo, não importava, pois ele musicou os dois filmes.
-Ele estava inspiradíssimo em “O
Cidadão Kane”, mas conseguiu se superar em “Um Corpo Que Cai”. - manifestei-me.
-Bernard Herrmann era descendente de
família russa, o Henry Mancini, de família italiana, Miklós Rózsa, da Hungria,
e por aí vai. O que havia de melhor na
Europa foi para os Estados Unidos ou se refugiou lá, para o Brasil, não sobrou
quase nada.
-No momento, Claudio, eu só me recordo
do Radamés Gnattali.
-Se rebuscarmos bem, deve haver outros
compositores, não muitos.
-Eu diria, Cláudio, que há trilhas
sonoras no cinema tão criativas, que os filmes deveriam ser citados como as
composições da música popular; por exemplo: “Um Corpo Que Cai”, de Hitchcock e
Bernard Herrmann; “Amarcord”, de Fellini e Nino Rota.
-Na ópera, só se cita o nome do compositor,
o libretista fica esquecido. - contrapôs.
-Porque os libretos ficam muito aquém
da música. Com “A Flauta Mágica”, por exemplo, todos ficam abismados como
Mozart conseguiu pôr música tão genial em um enredo tão maluco.
-Tudo bem, Carlinhos? - era a Gina que
se fazia presente na cozinha do Sabadoido.
-Sentindo muito frio. - respondi.
-Eu acho que peguei dengue com essas
obras em frente daqui de casa.
-Mas, Gina, a água empoçada dessas
obras são imundas, e o mosquito fêmea da dengue só desova em água limpa. -
estranhei.
-Então, essa “mosquita” e seus rebentos
eram imundos, porque tenho certeza que peguei dengue e até reclamei com os
trabalhadores, que já aterraram as poças.
-Você já pegou dengue uma vez, não foi?
-Naquela vez, arrasou comigo. Creio que
fiquei com alguma defesa no organismo porque agora a doença foi mais fraca, e
eu me recuperei em poucos dias.
Nesse instante, o celular do meu irmão
tocou, e ele atendeu. Era o Daniel avisando que chegou ao trabalho.
-Hoje, Gina, você está sem o seu companheiro
de almoço no restaurante.
-Comprarei duas quentinhas para mim e
para o Claudio.
-Eu, que tinha a carona do Luca, perdi,
hoje, a do Daniel. Tudo bem: uma caminhadinha daqui à minha casa esquenta um
pouco com esse frio.
-Não tenho visto mais jogos de pingue-pongue,
no Facebook, com o Luca. - disse a Gina.
-Tênis de mesa. - corrigi.
-Pingue-pongue.- teimou.
-O Luca me disse, pelo telefone, que
ele é novo na turma dos veteranos do Fluminense, que não deixariam um novato se
sobressair logo de cara.
-Houve, então, mutreta. - deduziu a
Gina.
-Pelo que entendi, sim, mas ele foi
muito reticente.
Claudio passou para as artimanhas mais
cabulosas.
-Eu não entendo por que, até hoje, não
prenderam o Lula, a Dilma e o Antônio Palocci.
-Claudio, eu estranharia se os três
tivessem agido nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e, até mesmo, em
Portugal, onde prenderam o Primeiro-ministro José Sócrates.
-O José Sócrates ainda teve o decoro de
não aceitar a liberdade com tornozeleira eletrônica.
-Mas você tem razão, Claudio, até a
Argentina colocou na prisão o Carlos Menem; no Brasil, enquanto isso, o
“Brahma” está solto.
-Nem engarrafado ele foi. - não perdeu
a Gina a piada.
Meu irmão se levantou da cadeira e foi
cuidar dos seus afazeres. A Gina passou a rememorar os tempos de Visconde de
Cairu.
-Você conheceu, Carlinhos, a “Caverna
do Batman”?
-No meu tempo de Cairu, não havia sido
batizada com esse nome. Era apenas o local dos banhos coletivos de dezenas de
alunos depois das aulas de Educação Física.
-Nós tínhamos de nos enxugar na própria
roupa de ginástica – reclamou – e eu sofri muito com essas aulas, pois
colocavam as mulheres para se exercitarem com os homens e eles eram mais
fortes.
-Havia uma professora para as meninas,
e um professor para os meninos, a ginástica era separada, mudou, então, depois.
- retruquei.
-Tivemos aulas até com o Admildo
Chirol.- reclamou.
-Ele já era da minha época; excelente,
não como professor, mas como ginasta. O Carlos Alberto Parreira dizia que era o
melhor da geração deles, o único a fazer o Cristo nas argolas. O vício do
cigarro matou o Chirol.
Continuamos a conversar sobre o
Visconde de Cairu dos anos 60 até que chegou a hora de eu ir para a casa, e a
Gina, de comprar as duas quentinhas.
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