-----------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5131 Data: 22 de
junho de 2015
------------------------------------------------------------
CARTA DA ROSA
INTRODUÇÃO
Rosa Grieco nos enviou uma carta, que
segue abaixo, em que comenta os biscoitos que lhe enviamos logo que saíram do
forno e foram devidamente molhados, apesar da crise hídrica, acompanhados de
uma carta manuscrita.
Não vamos colocar asteriscos no seu
texto para, em seguida, tecermos comentários no rodapé, porque o Dieckmann
patenteou esse método e não queremos correr o risco de uma acusação de
plagiário.
Isso posto, interromperemos alguns
parágrafos para enxertamos nossas observações para, depois, seguir com as palavras da nossa remetente.
Vamos a ela ou a elas.
“Galhardo missivista:
Dedicando um primeiro olhar à sua
epístola, só traduzi “Cara Rosa” e Beijos, Carlos”. De permeio, nada captei até
que convoquei Champollion e recorri às minhas apostilas de Paleografia, curso
realizado em 1951 (Vossência era miúdo) e, auxiliada por escritas lombardas e merovíngias, consegui traduzir
seus hieróglifos.”
Nossa irônica Rosa compara a nossa
missiva à Pedra de Roseta, que foi descoberta a 30 quilômetros de Alexandria,
em 1799, por um dos sábios franceses que acompanhavam o exército de Napoleão
Bonaparte na sua campanha no Egito.
Em 1822, Jean-François Champollion, que
conhecia 12 idiomas, mais a língua coopta do Egito antigo, buscava o sentido
oculto em tudo que parecia, para os comuns mortais, meros rabiscos. Ele, com
todo o seu cabedal, comparou as escritas demótica e hieroglífica com o grego e
decifrou os escritos da Pedra de Roseta.
Quase ao mesmo tempo, em 1823
precisamente, um médico britânico, Thomas Young, apresentou um entendimento
diferente da escrita hieroglífica. Durante 40 anos, houve defensores de uma
versão e de outra. Quando um novo texto hieroglífico foi descoberto, o Decreto
de Canopus de autoria de Ptolomeu III Evergeta, de 237 a.C, que impunha uma
reforma no calendário para introduzir o ano bissexto, a questão foi decidida: o
sistema de Champollion foi decisivo na sua decifração. Thomas Young comparado
a Jean-François Champollion era um fraco
abusado.
Um professor meu de Estudos dos
Problemas Brasileiros, que ficava a anos-luz da erudição da Rosa, quando se
deparava com uma prova em que ele não entendia o que estava escrito,
esbravejava: “Isto é letra de veterinário!”. Qual é o problema? - eu me
perguntava; os animais não vão ler a receita.
Para que nossa amiga continue pondo em
prática seus conhecimentos de egiptologia, nós lhe enviaremos exemplares do
Biscoito Molhado também manuscritos.
“Agradeço seus agradecimentos.”
“Cantigas de roda: muitas foram
trazidas pelas freiras gaulesas. “Eu sou pobre, pobre, etc” é “je suis pauvre,
pauvre, pauvre, je m' en vais d' ici.” Colega minha no Sion falava sobre a
“Mère Delphine”, grande cacófaton...”
Rosa alude ao Biscoito Molhado que
repercutiu o programa Rádio Memória em que o centenário do Carequinha foi
comemorado e muitas cantigas de roda entoadas por ele e a criançada foram
tocadas.
Segundo a Rosa, “je m' en vais d' ici.”
- eu me vou daqui – se transformou em “de marré de si”. No nosso idioma, há
muitas expressões provenientes de combinações fonéticas malucas, por exemplo:
“cara esculpida em mármore Carrara” se transformou em “cara cuspida e
escarrada”. Será que “Je m'en vais d' ici” virou “de marré de si”?
O Departamento de Pesquisa do Biscoito
Molhado entrou na internet em busca de outras versões. Duas foram encontradas,
a primeira guarda alguma semelhança com a da Rosa. Diz que “marré” se origina,
após inúmeras corruptelas, de um diminutivo do nome Maria, “Marie” em francês. Quanto
a “deci”, foi extraído do verso “dans ce jeu d' ici”, que significa “neste jogo
daqui”, na variante belga. A conclusão tirada é que estas palavras
aparentemente sem sentido “de marré deci” significa, na cantiga de roda,
“paupérrimo”. A segunda, é de um
internauta que cita a irmã que ouvia a professora de francês ensinar às alunas
“Je Suis pauvre, pauvre, pauvre du
Marais, Marais, Marais.” Um terceiro internauta completou: “Je suis riche,
riche, riche de La Mairie d' Issy.” E explicou que se trata de dois bairros de
Paris: Marais, bairro de pobres, e Mairie d' Issy, bairro de ricos.
Nós cantamos essa inocente cantiga de
roda, quando crianças e chegamos à idade adulta sem desconfiar de tanto
francesismo nelas. Pena que a Rosa não se estendeu mais sobre as freiras
francesas, esperamos que ela o faça na próxima oportunidade.
“Sua roda-gigante com direito a “Um
Corpo Que Cai”, me trouxe à combalida memória a mãe do Inesquecível; perguntada
se entendera o filme, declarou que sim. “Mas quem era aquela outra mulher?” E
“Psicose”? Entendeu tudo, era um homem que cuidava da irmã dele numa cadeira de
balanço. Dotada de uma sábia ignorância, gostava muito de mim e filosofava:
“Quando a Rosa diz “Mata!”, meu filho diz “Esfola!” Bons tempos...”
Trata-se de capítulo do meu
Minidicionário Autobiográfico sobre a minha experiência na roda-gigante com
quase 30 anos de atraso, quando tentei satisfazer um desejo de infância na
idade adulta. Com esse descompasso de tempo, sofri uma acrofobia que comparamos
à do personagem James Stewart no filme “Um Corpo Que Cai” de Alfred Hitchcock.
Falando nesse filme, na última pesquisa
com críticos de cinema, ele tirou o primeiro lugar de “O Cidadão Kane”, de
Orson Welles. Nós discordamos inteiramente, preferimos aqueles críticos que há
mais de 50 anos dão a primazia à obra-prima do cineasta americano.
Se a quase sogra da Rosa não entendeu
“Um Corpo Que Cai” e “Psicose”, nós imaginamos qual seria a reação dela se
assistisse a “O Cidadão Kane” com a sua narrativa não linear.
“O John Malcovich estava um atentado,
feio e bom professor de latim, o livro é tão bom que o cinema não conseguiu
derrotá-lo.
A enxurrada de BMs foi um deleite para
mim; estou demais solitária, supérflua como o trema da reforma
ortográfica. Merci.
Ósculos (não em latim).”
Rosa Junho 2015
Ela agora fala do filme “Relações
Perigosas”, que foi baseado numa peça homônima que, por sua vez, se baseou no consagrado
romance de Choderlos de Laclos publicado em 1782.
Para não escrevermos em tintas
bocagianas, no Biscoito Molhado, a cena de sexo que surpreendemos no meio da
calçada da Rua Van Gogh, nós recorremos a uma palavra latina escorando-nos no
sedutor personagem de John Malcovich, do filme mencionado, que avisa a uma
ninfeta da nobreza que iria lhe ensinar uma palavra dessa língua.
Com essa citação, Rosa fez a festa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário