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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5127 Data: 15 de
junho de 2015
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SABADOIDO, DAS FOFOCAS NA BARBEARIA AO MANOEL BOMFIM
-Pôs abaixo a vasta cabeleira?-
disse-me o Claudio ao me ver de cabelo cortado quando abriu o portão da sua
casa.
-Talvez porque eu cortasse à (*) reco
e, depois, à meia-cabeleira, sempre que o meu cabelo fica um pouco mais
comprido, eu me sinto incomodado.
-Se você quer saber de novidades ou de
acontecimentos passados, vá ao barbeiro. - disse-lhe quando já estávamos na
cozinha.
-Os cabeleireiros das mulheres são mais
informados ainda. - completou.
-Há controvérsias, Claudio.
-Você cortou com o Paulo ou com o
Fonseca?
-Com o irmão do Fonseca que segue à
risca o nosso pedido, o Fonseca quer impor o seu gosto. Lembro-me do
desentendimento dele com o Pirulito; sempre que ele colocava o espelho para o
Pirulito apreciar o seu trabalho, Pirulito criticava, queria que cortasse mais
aqui, mais ali. O Fonseca resmungava, dizia que já estava bom, mas o Pirulito
não se dava por satisfeito.
-O cliente tem sempre razão, Carlinhos,
mesmo tratando-se do Pirulito, que criticava em tudo.
-Eu sei que o Paulo era menos
impositivo do que o irmão, por isso, só corto meu cabelo com ele.
-Isso foi há mais de 30 anos, o Fonseca
deve ter mudado.
-Falando em priscas eras, Claudio, o
Paulo comentou, hoje, a minha briga com o Maninho, que aconteceu em 1976.
Caramba, nessa época, ele deveria morar em Campos.
-Não, Carlinhos, ele já trabalhava na
barbearia do irmão.
-Ele me disse que o Maninho morreu;
fiz-lhe algumas perguntas sobre essa morte e ele já não demonstrou tanta
convicção. Garantiu-me que, na última vez que o viu, ele estava cheio de
colares como se fosse um pai de santo.
-O Maninho morava em Jacarepaguá e o
Paulo também vive por aqueles lados, então, ele está mais bem informado do que
nós.
-Está mais bem informado do que nós,
principalmente, porque passa o dia todo na barbearia. - acrescentei.
-De qualquer maneira, vou pesquisar a
notícia dele. Há gente por aqui, na Chaves Pinheiro, que não perdeu
inteiramente o contato com o Maninho.
-Outra novidade que me chegou através
do Paulo, esta quando cortei o cabelo no mês passado: o “site” da Escola Manoel
Bomfim.
-Ele também sabia que você estudou lá?
-Não, perguntou-me antes, quando eu
confirmei, ele me falou do “site”.
-Você, é claro, correu para o
computador.
-Estudei lá até 1959 e o que eu
encontrei de mais antigo, no computador, foi uma turma de 1962.
-Também, Carlinhos, você entrou lá no
ano da inauguração da escola. - brincou.
-A Escola 9-10 Manoel Bomfim foi
inaugurada em 1952 e a mamãe me matriculou em 1955.
-Em 1962, nem eu estudava mais lá, o
Lopo, talvez sim.
-Um aluno dessa turma escreveu que,
certa vez, a professora o impediu de ir ao banheiro, ele, então, mijou na sala.
O que aconteceu comigo foi pior.
-Se eu gostasse de computador e fosse
escrever as minhas façanhas no Manoel Bomfim, fechavam esse “site”.
-Velho, você era bagunceiro? -
perguntou o Daniel entrando na cozinha.
-Bagunceiro de levar as professoras à
loucura. - respondi a pergunta.
-Comparado com os bagunceiros de hoje,
eu era um romântico. Caí na gargalhada diante da Dona Léa...
-Que era a substituta da Dona Glorinha,
a diretora.- interferi.
-Quando a Dona Léa me perguntou do que
eu ria, eu respondi que ria do bigode dela. Mas nunca me passou pela cabeça
agredir uma professora, como se faz hoje. Eu era um romântico.
-Você era um pirralho, velho, ia
apanhar da professora.
-Eu era brigão, atraquei-me, certa vez,
com outro aluno no meio de uma aula, e a professora começou a gritar de pavor.
-O Claudio era travesso, mas, que eu
saiba, nunca xingou uma professora. - intervim no diálogo.
-Se eu xingasse, papai me dava uma
surra.
-Voltando ao “site”, ou sítio, como
dizem acertadamente os portugueses, do nosso colégio primário, o que mais
atraiu a minha atenção foi os comentários dos alunos.
-Escrevem mal à beça. - previu o
Daniel.
-E como! Infiltração saiu
“infriutração” e outros barbarismos, mas quando o pensamento é exposto...
-O recado é dado.
-Isso, Daniel, quando o recado é dado
pelos garotos, mesmo com erros ortográficos, eu não acho nenhuma calamidade.
Com o passar dos anos, estudando mais, lendo bastante, esses erros acontecerão
com menos incidência. Lembro-me que, na 5ª série, eu escrevi “inclusível”.
-Você, ”inclusível”, cometia esses
erros escalafobéticos. - ironizou meu sobrinho.
-E chamava fuzil de fusível. - carregou
o Claudio nas tintas da galhofa.
-Com a gozação, que, hoje, os
politicamente corretos americanizaram para “bullying”, a grafia correta se
fixava na nossa mente.
-Hoje, escreve-se muito mal; basta ler
a “Nossa Crítica” do Globo, os redatores repetem os mesmos erros. - interveio o
Cláudio.
-Como eu dizia, o que me atraiu mesmo
foi a leitura dos comentários dos alunos da Manoel Bomfim. Um deles elogiou o
colégio, mas disse que deviam servir guaraná no almoço, outro, já queria suco.
-Não falaram mal?
-Dois reclamaram que o bebedouro dava
choque, um terceiro, que os alunos tinham de se contentar com ventiladores,
enquanto os ares condicionados ficavam nas salas dos professores.
-Carlinhos, lá da casa da mãe, vê-se
muitos ares condicionados, creio que um por sala. - manifestou-se meu irmão.
-Colocaram poucos meses atrás, e esse
comentário foi escrito antes. - esclareci.
-Bebedouro que dá choque, nem nos
cinemas poeiras que fui. - disse o Claudio, enquanto o Daniel voltava para o
interior da casa.
-O crítico mais feroz da escola tinha
uma redação horrorosa, uma relação de dez palavras erradas por uma só
certa. Um ex-aluno rebateu dizendo que,
além de ele não saber escrever, é doido, porque disse que a escola não tem
pátio. Este pátio foi escrito sem o acento e com “u” no lugar do “o”.
-Quem escreveu “patiu”?... Foi o
crítico ou o advogado de defesa do Manoel Bomfim?
-A réplica foi bem redigida, não
encontrei erro de ortografia. Gostei de como ele encerrou: “A Escola Manoel
Bomfim não precisa de você. Fora moleque.”
-Esse gostou mesmo de lá. - concluiu.
-Há muitos comentários, de alunos e
alunas, que são verdadeiras declarações de amor ao colégio.
-Eu não tenho maravilhosas recordações
de lá.
-Eu também não, Claudio. Dos colégios
que frequentei, tenho saudades mesmo é do Visconde de Cairu.
(*) à maneira
do reco. O “maneira de” fica subentendido e neste caso, pode-se usar crase
antes de masculino. Ufa!!
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