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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5124 Data: 10 de
junho de 2015
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202ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Olha – indicou-me o 017 – quando ainda
dirigia pela Rua Domingo de Magalhães e foi ultrapassado por uma motocicleta:
um motoqueiro com carona e os dois sem capacetes. São assaltantes na certa.
-Eu assisti a um filme argentino,
excelente, por sinal, com uma dupla de trambiqueiros, em que um deles afirma
mais ou menos a mesma coisa: dois numa motocicleta é sinal que vem por aí um
delito.
-Lá, na Argentina, é como aqui, no
Brasil. Também, são governados por duas bruxas. - resmungou.
-Hoje, mal saí de casa para o trabalho,
no meu horário costumeiro, 5h 30min, avistei dois rapazes sentados no murinho
da Vlaminck defronte à minha rua, respirei fundo e fui adiante, pois não dava
mais para voltar.
-Eram assaltantes?
-Assim imaginei e, quando eles me
chamaram, tive certeza.
-O que você fez?
-Fingi que não ouvi e acelerei o passo.
Eles, então, gritaram: “A sua mochila está aberta.” Depois de parar, tirei a
mochila das costas e vi que ME esquecera de correr o fecho ecler. Gritei um
“muito obrigado” com o significado de “desculpem-me”.
-Vá ver que eram moradores de lá mesmo
do conjunto. - aventou a hipótese.
-Provavelmente, pois os forasteiros se
acercam do quiosque “A Fofoca da Madrugada”.- disse-lhe.
-Mas 5h 30min não é hora para estudante
ou trabalhador estar na rua. -intentou compreender a minha apreensão.
-Pela idade deles, seriam estudantes,
mas como o ensino anda frouxo na “Pátria Educadora” da Dilma, com falta de
verbas, talvez não tivessem aula.
-Minha mulher é professora e falta
pouco para enlouquecer com esses garotos.
-Quanto a acordar cedo em dia útil, no
início dos anos70, eu, meu irmão mais novo e um amigo da Rua Chaves Pinheiro
acordamos 4 horas da manhã e partimos, meia hora depois, rumo à praia. O céu ficou carregado de nuvens sombrias a
manhã toda. Então eu e esse amigo, chamado Augustinho, começamos a fazer um
cooper pelo Aterro do Flamengo, quando passamos por duas adolescentes, que
matavam aula, uma delas disse para a outra: “Dois babacas”.
-Vocês acordam 4 horas da manhã e vão
para a Praia do Flamengo?!... - criticou.
-Nós três não perdemos a viagem porque
entramos no DC-3 da Varig que ficava no Aterro.
Quando saltei do táxi, ocorreu-me que eu tinha imagens
fotográficas desse “momento histórico” perdidas em algum arquivo. Em casa, fui
em busca delas.
Saí da estação de Maria da Graça do
metrô, cheguei à primeira rampa de descida e não avistei um só táxi no ponto da
Rua Magalhães Couto.
-Não é possível?... Ontem, havia uma
fileira de uns 30 metros, quase dobrando a Rua Miguel Ângelo. - rosnei.
Quando já descia a quarta rampa,
apareceu um. Tratei de antecipar a minha caminhada de sábado e acelerei as
passadas para que nenhum aventureiro lançasse mão do meu táxi. Na praça diante
do CEFET, consegui enxergar o número, era o 184, o carro do Paizão.
-Tudo bem?- saldou-me, quando eu
colocava o cinto de segurança.
-Como diz o ditado popular “Dia de
muito, véspera de nada”. Neste caso foi às avessas.
-O que houve? - quis saber.
-Hoje, só o seu táxi está aqui, mas
ontem, havia uns cinquenta; eu até indaguei de um colega seu por que tantos e
ele me respondeu que os taxistas do lado da Avenida Suburbana estão passando
para cá.
-Não contou por quê?
-Não.
Paizão me contou, então, o motivo:
-Eles vêm para cá porque não pagam a
mensalidade da cooperativa, e aqui não tem vigilância.
-Numa dessas corridas, eu tive de
ensinar todo o caminho para o taxista, mas ele era muito simpático; na hora de
pagar, perguntou-me se eu ia descontar o preço da aula.
-Aqueles táxis do Norte Shopping só
carregam passageiros se estiverem com as obrigações com a cooperativa em dia. -
disse-me o Paizão.
-Agora, entendo porque um intermediário
entrega aos passageiros uma folha de um cupom antes de entrarem no táxi. Lá é a
Copa Norte a cooperativa.
-A nossa atua no Shopping Nova América.
-Então, a vigilância sobre vocês é mais
acirrada lá. - concluí.
Nesse instante, nós passávamos na
altura do lixão da favela Bandeira 2, que, talvez seja a 1 ou 2, não sei
distinguir ainda as fronteiras entre elas.
-Veja – disse-me ele - o número de
pombos; e os moradores da comunidade se misturam com eles.
-Quando eu fui a um terminal portuário
em Vitória, o funcionário de lá xingou os pombos e disse que eles eram ratos
com asas.
-O cocô dos pombos seca e, depois, o
vento leva essa porcaria que entra pelas vias respiratórias e causa aquela
doença...
-Histoplasmose. - antecipei-me.
-Deve ser. - confiou em mim com
reservas.
-Os pombos provocam doenças que matam. -
acentuou.
Em seguida, Paizão mudou de assunto com
uma pergunta:
-O centro da cidade está calmo?
-Hoje, na minha hora de almoço, quando
saí, os guardas-municipais pegavam os camelôs que corriam, com as suas
bugigangas, menos do que o Usain Bolt, os que corriam mais, escapavam.
E prossegui:
-Os guardas-municipais não andam
armados, mas aqueles cassetetes de um metro de comprimento já é uma arma nas
mãos daqueles galalaus.
-Eles só andam em grupo. - manifestou.
-Há mulheres que são guardas-municipais,
mas elas nunca agem sozinhas contra os camelôs.
-”Olha o rapa”, era o que se dizia
antigamente, agora, essa expressão não é mais usada. - lembrou saudosamente.
-O Nélson Rodrigues escrevia que, caso
gritassem “olha o rapa”, numa festa luxuosa, até as grã-finas subiriam pelos
lustres. Queria dizer que o brasileiro carregava uma culpabilidade com ele.
-Eu não confio em policial algum; eles
têm que impedir crimes maiores. Aquela rua perto do lixão pela qual passamos,
foi fechada pelo tráfico depois que instalaram a UPP do Jacarezinho.
-Como ela é estreita, facilitou o
trabalho dos traficantes, que colocaram poltronas, barris, pelo que vejo de
longe.
A palavra voltou para o Paizão:
- Por que a polícia não vai lá e
desimpede a rua? Porque embolsa a propina dos traficantes.
A corrida seguiu até a minha casa com o
Paizão apresentando as suas razões contra o comportamento dos policiais.
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