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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5115 Data: 26 de
maio de 2015
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XXXVIII MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
DEBUTANTE - A festa de aniversário dos 15 anos da minha irmã
aconteceria no dia 24 de agosto de 1961 e mal sabíamos nós que seria a nossa
Festa da Ilha Fiscal da Rua Cachambi, pois poucos meses depois, nesse mesmo
ano, nós teríamos de mudar de endereço.
Lá, em casa, até então, havia apenas
comemorações de aniversários, chochas, provavelmente, pois nenhuma delas ficou
marcada da minha memória. A exceção para ficar na história viria quando a minha
irmã debutasse, pois bem antes dessa data, ela, vendo a festa da sua prima mais
velha, exigiu dos meus pais a mesma atenção. Assim, eles suaram para sair o
máximo de moedas possíveis do cofre para atender ao pedido da filha e não a
deixar apequenada diante das primas e das amiguinhas.
Minha mãe, que comparecera à festa de
debutante mencionada, levando a mim e a minha irmã, constatou que duas coisas
eram imprescindíveis para os convidados, entre outras: o bolo de sorvete da
Kibon – grande sucesso na época – e o barril de chope de serpentina. Assim, no sábado – a festança foi adiada para
esse dia porque dia 24 caiu na quarta-feira – a minha mãe se encarregou de
encomendar o bolo da Kibon, enquanto o meu pai ficou com o encargo do barril de
chope de serpentina e do gelo, essa última parte não seria problema, pois o
geleiro não distava mais de 100 metros da nossa casa e, por diversas vezes,
aqueles compridos paralelepípedos de gelo eram comprados por meu pai.
Os vizinhos espanhóis, Dona Maria e o
seu filho Fernando, sempre muito próximos a nós, ajudaram bastante nos
preparativos.
Comparada com as festas de debutante de
hoje, aquela seria bem simples; quanto à tranquilidade, pelo contrário, e uma
das razões era a experiência quase nenhuma dos nossos pais de iluminar todas as
luzes da casa e dar comida, bebida e divertimento aos que aparecessem.
Atualmente, as festividades dos 15 anos
da filhota são temáticas, em locais alugados pelos pais com toda a parte braçal
a cargo dos profissionais do ramo: retratos, filmes, decorações etc. Quanto
mais os responsáveis gastam, menos trabalho têm. Caso diametralmente oposto com
a festa de debutante da minha irmã: quanto mais se teve de economizar, mais
trabalho houve.
Hoje, também, a debutante pode pedir, em
vez disso tudo, uma viagem à Disneylândia. No caso da minha irmã, seria
impensável.
-Você não achava que está grandinha para
ver o Mickey?- diria o meu pai, que sempre estava com o humor aflorado, a ela
essas palavras ou algo parecido.
Não fugiu da minha retentiva que tamanho
era o esforço para que tudo corresse a contento, na hora do baile, que almocei
arroz, com feijão e ovo estrelado, apenas, mas conformado, pois, de noite, eu
teria mais espaço no estômago para os doces, o bolo e o sorvete.
Meus irmãos Claudio e Lopo, com 12 e 10
anos, respectivamente, estavam no auge da traquinagem e, desde que não
atrapalhassem, pois ajudar era inviável, já era lucro. Ocuparam-se, sobre o
muro que separava o nosso quintal do terreno baldio, com as pipas no céu, e o
nosso cachorro Big estava sempre pronto a alertá-los nos momentos em que as
pipas subiam nas cercanias.
Uma das preocupações maiores da minha
irmã era o vestido, mas nesse particular, não era para o nível de cortisol
subir nas artérias, pois a costureira era de confiança, além de a minha mãe
também entender do riscado. Ela falava sem parar que a valsa que dançaria com o
pai, à meia-noite em ponto, seria o “Danúbio Azul”, de Johann Strauss – dez de
cada dez misses preferiam o livro “O Pequeno Príncipe”, assim como dez entre
dez debutantes preferiam o “Danúbio Azul” como o ponto supremo da sua festa.
Será que ela ensaiou com o meu pai? Talvez sim, mas eu não vi; como ele se
casou com 29 anos de idade, deve ter valsado por aí (que a minha mãe não me
ouça).
Bebidas a serem servidas além do chope
de barril: guaranás, Coca-Cola e Cuba-Libra.
Músicas a serem ouvidas além do “Danúbio
Azul”: discos de rock do Elvis Presley, por quem a aniversariante era fanática,
Neil Sedaka, Litlle Richard, Johnny Restivo e, principalmente, por agradar os
convidados de todas as idades, os LPs do Ray Conniff, do Românticos de
Cuba e do Ed Lincoln.
O melhor da festa é esperar por ela, eis
um clichê de que não podemos fugir. Isso posto, não temos muito a realçar quando
ela efetivamente começou, a não ser a presença de uns três penetras que
participavam da turma da Rua Cachambi esquina com a Rua Getúlio. Eles trajavam
calças Jeans, topetes que mais pareciam bolo de sorvete de casquinha e
costeletas. Como não chegavam a ser transviados, meu pai aceitou a entrada
deles lá em casa. No dia seguinte, porém, deparou-se com vomitados no vaso
sanitário e a sua suspeita recaiu sobre os penetras, já que a aproximação do
Claudio, minha e demais adolescentes da família e da vizinhança do barril de
chope foi rigorosamente impedida. E os componentes daquela turma foram
devidamente xingados pelo meu pai com as suas respectivas genitoras.
Foi, como eu disse acima, o nosso último
(e também primeiro) baile da Ilha Fiscal da Rua Cachambi.
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