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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5117 Data: 30 de
maio de 2015
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SABADOIDO LEVADO NA FLAUTA
Daniel conduzia a mãe para um
restaurante no Méier e, como normalmente faz, alterou o percurso para me deixar
em casa. Quando o seu carro, parou no primeiro sinal que encontramos, a Gina se
manifestou.
-Ontem, quando este sinal fechava para
os motoristas, uma mulher, com uma blusa tomara que caia, uma calça arrochada
que realçava ainda mais o seu traseiro, se metia no meio dos automóveis tocando
flauta,
-A popozuda era uma Altamiro Carrilho
de saia, digo, de calça arrochada?
-Nada, Carlinhos; ela enfiava os dedos
em qualquer buraco e soprava. Queria, certamente, que alguém a carregasse para
o motel. - respondeu-me.
-Era uma prostituta que abordava os
clientes musicalmente.
-Ela queria nota, Carlão e não era da
flauta. - manifestou-se meu sobrinho.
-Quando eu dirigia, eu topava muito,
nos sinais, com garotos fazendo malabares com limões, laranjas, quaisquer
coisas esféricas. Não tenho visto mais esses malabaristas.
-Passaram a fumar craques. - disse a
Gina.
-Não foi notícia, agora, um menino que
se tornou médico depois de vender bombons no ônibus? Talvez alguns deles tenham
entrado numa faculdade do governo.
Sempre cética, minha cunhada zombou do
meu otimismo para arrematar:
-Mesmo que entrassem, não adiantaria
nada, pois está tudo parado. Não há verba nem para limpar os banheiros.
-É a pátria educadora da Dilma
candidata.
-Pátria cagadora.
-Carlão, chegamos.
Como sempre faz, ao deixar-me em casa,
Daniel imitou o Luca que, em Sabadoidos passados, levava nós três no seu carro
como caronas.
-Dê miiiiiiiiil abraços apertados na
Dona Vivi.
A abertura desse Sabadoido se deu como
o seu encerramento, sem alterações dignas de nota, a não ser se eu visse uma
flautista calipígia no meu caminho até a casa das nossas reuniões de sábado. O
que encontrei foram as obras da Prefeitura que duram uma eternidade.
-Cada vez o buraco na sua calçada
aumenta mais; sem sustentação, o muro vai cair. - disse ao Claudio quando ele
abriu o portão para mim.
-O pior que só sai um fiozinho de água
nas torneiras lá dentro. - reclamou.
Na cozinha, os assuntos foram outros.
-Já leu a autobiografia do Bill
Clinton?
-Claudio, já vai distante o tempo em
que eu lia volumes de 400 páginas em menos de uma semana e esse do Bill Clinton
é um cartapácio de mais de 900 páginas. Segundo o meu cronograma de leitura, em
um mês, eu chego ao imbróglio dele com a Monica Lewinsky.
-Você agora está onde?
-Lá pela página 260; quando ele se
refere ao tempo de governador do Arkansas, o seu estado natal.
-É interessante?
-Um cargo desses é interessante, no
mínimo, muito movimentado. Mas o que achei mais curioso foram os seus textos
sobre uma eleição anterior sua para congressista, que ele se empenhou com todas
as forças e perdeu. Clinton comenta que a derrota lhe tirou o ânimo, quase o
levou da tristeza à depressão, e que, anos depois, constatou que, caso fosse
vitorioso, jamais chegaria à Presidência da República.
-Diz o ditado popular: o que é do
homem, o bicho não come. - manifestou-se.
-Na hora, lembrei-me da derrota do
Fernando Henrique Cardoso para o Jânio Quadros. Se o Fernando Henrique Cardoso
se elegesse prefeito de São Paulo, ele nunca seria presidente da República.
-Essa eleição foi em 1985, bem antes,
Carlinhos.
-Sim; mas o F.H.C. se elegeu porque
comandou a equipe de notáveis que formulou o Plano Real. O Itamar Franco já
havia escolhido três ou quatro ministros da Fazenda, em dois anos, que não
deram certo, então o Roberto Freire lhe sugeriu nomear o F.H.C., que era o
ministro das Relações Exteriores.
-Ele aceitou contra a vontade. -
assinalou meu irmão.
-O êxito do Plano Real o catapultou à Presidência
da República, afinal, o povo não aguentava mais uma hiperinflação que, no
acumulado de 17 anos, chegava a casa dos quintilhões, ou número parecido, por
cento.
-Então, valeu a pena sentar na cadeira
de prefeito de São Paulo, que o Jânio Quadros desinfetou com uma lata de
inseticida?
-Como valeu! - respondi ao meu irmão.
-Como está Dona Vivi? - perguntou-me a
Gina adentrando a cozinha.
-A mamãe está cada vez mais surda. Dia
desses, chegando do trabalho, vi a minha mãe jantando e, como sempre, com o
rádio ligado.
-Ela escuta muito a Rádio Catedral. -
aparteou-me o Claudio.
-Estranhei porque a prédica religiosa
era quase gritada, dita com ferocidade. Padre não fala assim... Fui averiguar a
emissora. Depois, voltei-me para ela. “Mãe, você está ouvindo um pastor. Isto é
rádio evangélica.” Ela quase engasgou: “Tira daí... Tira daí.”
-Carlinhos, nós temos de nos preparar:
a mamãe, a Tia Flavinha, o Tio Vivinho...
-A Tia Sofia, que nós não conhecemos. -
acrescentei à lista de humor negro do meu irmão.
-Todos surdos. É genético. - afirmou.
-Eu percebo que a audição do meu ouvido
esquerdo está aquém do outro, e, às vezes, tenho de passar o telefone para o
ouvido direito para ouvir o meu interlocutor, - revelei.
-Carlinhos, se eu fosse você, já
começava hoje mesmo um curso intensivo de leitura labial. - não perdeu a Gina a
oportunidade para mais uma piada.
-Numa das cartas da Rosa, ela escreveu
que um dos maiores sofrimentos dela é não poder mais ouvir a Sinfonia nº7 de
Beethoven e o “Miserere” da ópera “O Trovador”, de Verdi. - lembrei.
-Carlão, você foi no casamento do
Roberto Jefferson? - era agora o Daniel que marcava a sua presença na cozinha.
-Roberto Jefferson é o São Dimas da
política brasileira. Ele salvou o Brasil de ter o José Dirceu como presidente
da República.
-Em compensação, temos a Dilma
Rousseff.
-Dos males o menor, Gina. - devolvi.
-Falando em ladrões, Carlão, e o presidente
da CBF?
-Merece julgamento e cadeia nos Estados
Unidos, onde a justiça é de um país sério. - comentei.
-Bem, vou agora para a academia. Volto
daqui a pouco.
-Vê se não desamina dessa vez, Daniel.
Se você não estiver perdendo peso na rapidez que pretendia, é porque está
ganhando massa magra, músculos, que também pesam, mas são bem vindos.
-Carlão, um dia, você será o meu Nuno
Cobra. - disse ao sair.
-Não demora para a gente não almoçar
muito tarde no Méier - gritou a Gina quando ele já rumava para o portão.
E a conversação se seguiu do seu
retorno até a carona que me eu, como foi contado.
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