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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5133 Data: 24 de
junho de 2015
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203 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Embora gagueje muito, o 009 é um ótimo
interlocutor para assuntos de esporte em geral. Seu irmão, o 202, me disse,
cera vez, que ele foi muito bom de bola, mas o pai, que também é taxista, podou
o seu talento. Disse-me, também, que ele é vascaíno doente. Fui eu que puxei
conversa.
-Tempos atrás, as câmeras do metrô
davam notícias com semanas de atrás, agora, não, as notícias são frescas.
-Que bom.
-Eu vi, na viagem para cá, a informação
do Eurico Miranda, presidente do Vasco, que o Léo Moura telefonou para o
Romário porque queria jogar no Vasco.
-E foi isso mesmo. O Léo Moura sofreu
ameaças da torcida do Flamengo, ficou com medo e desistiu. - disse o Gaguinho
com a sua língua travando só no momento em que pronunciou Flamengo.
-Ele é profissional, não tem de dar
satisfações a torcedores fanáticos.
E Prossegui:
-Morreu o Carlinhos, grande jogador do
meio de campo do Flamengo, aposto que 90% desses torcedores não sabem quem é;
eles só vivem do presente.
-O Carlinhos jogou com o Gérson, não
foi?
Depois de confirmar, disse-lhe que os rubro-negros
reverenciam apenas o Zico. Ele me contestou:
-Nem ele. Recorda-se quando o Zico foi
assessor do Zagalo na Copa do Mundo de 1998 e o Romário, que jogava no
Flamengo, não foi convocado? Os flamenguistas rasgaram os cartazes com a figura
do Zico. - gaguejou mais, dessa vez, porque foi tomado pela exaltação dos
polemistas.
-Outra notícia que vi na câmera do
metrô foi a que dizia que o Eurico Miranda pedia a torcida vascaína para não
comparecer à partida contra o Fluminense, e, em seguida, duvidava de a torcida
tricolor lotar o estádio.
-O Eurico Miranda é dado a essas
provocações, mas é porque o Fluminense está fazendo ruído nas negociações do
Vasco com o Ronaldinho Gaúcho.
-O problema dele é acirrar os ânimos
sem medir as consequências. Muitos bandidos, de um tempo para cá, passaram a
participar de torcidas organizadas, e o Eurico Miranda, já nos anos 90,
provocava os flamenguistas. Quando chegou à presidência, acirrou os ânimos
entre as torcidas rivais e, não há dúvidas, que ele tem sua parcela de culpa
nas mortes que ocorreram nessas brigas entre torcedores do Vasco e do Flamengo.
-Eu também acho. - concordou.
-Roberto Dinamite pode não ter sido um
bom presidente do Vasco, mas quando substituiu no cargo tomou um gesto digno de
aplausos: confraternizou-se com os dirigentes do Flamengo num almoço.
-Mas os torcedores não fumaram o cachimbo da paz, não.
- manifestou-se, enquanto me deixava na Rua Modigliani.
No táxi do 151, aquele que me chama de
“Meu Nobre”, quem me deu o pontapé inicial na conversação foi ele.
-Tenho sérias dúvidas de que esta
cidade fique pronta para as olimpíadas.
-Quando foi anunciado o Rio de Janeiro
como sede das olimpíadas de 2016, em 2009, eu almoçava com uns amigos no Jirau,
um restaurante do início da Rua São José, e parecia que o Brasil tinha feito um
gol na decisão da Copa do Mundo.
-Uma euforia louca. - imaginou.
-Apenas na minha mesa, onde estávamos eu,
dois amigos e uma amiga, não houve vibração. Essa amiga até comentou que todos
ali pensariam que éramos espanhóis, pois Madri era uma das favoritas.
-Tóquio era uma das concorrentes, tenho
certeza. - assegurou.
-Chicago também concorreu, e o
presidente Barack Obama até foi lá, se não me engano, na Dinamarca, no dia da
votação do Comitê Olímpico. A cidade não tinha chances, mas era seu reduto
político, a capital do estado em que ele foi senador. Ele não podia se
descuidar, pois viria a eleição de 2012. - comentei.
-Sediar uma olimpíada é muito mais
complexo do que uma Copa do Mundo; virão países de quase todo o mundo e os
atletas não ficarão espalhados pelo Brasil. Todo o mundo vai ficar no Rio de
Janeiro, que parece uma cidade bombardeada na Segunda Guerra Mundial. Logo
agora, que tudo que é esporte passou ser olímpico até o rugby. - manifestou-se.
-Li muitos anos atrás uma crônica do
João Saldanha em que ele escreveu que o nosso futebol surgiu do rugby.
-Mas o futebol tem mais de dois mil anos.
- retrucou.
-Sim; mas o futebol era jogado de
qualquer maneira, valia tudo, até usar o crânio do inimigo como bola. O futebol
com regras, que se tornaria o esporte mais popular do planeta, nasceu na
Inglaterra. No rugby, todos podem segurar com as mãos a bola, no futebol, só
dois, e dentro de um espaço demarcado, a grande área. Enfim, nessa crônica do
João Saldanha, ele mostra as modificações que levaram os ingleses a criarem o
nosso futebol.
-Aquele esporte truculento, o futebol
americano, eu sei que foi inspirado no rugby. Eu nunca consegui entender as
regras.
-Eu consegui entender alguma coisa
lendo as memórias do Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos.
-Aquele da estagiária que fez boquete?
- interrompeu-me.
-Ele foi muito mais do que isso. Mas
voltando ao que eu dizia, aprendi alguma coisa sobre futebol americano com ele.
Escrevendo sobre um confronto entre um time do Arkansas e outro do Texas, ele
explica que cada um tem quatro tentativas para avançar na defesa adversária, se
conseguir, ganha mais quatro tentativas, se não, a bola passa para o
adversário. Se o tradutor não errou, nessas quatro chances tem-se ganhar, pelo
menos, 10 jardas do terreno inimigo.
-Chegamos, meu nobre.
Ele já tinha percorrido todas as jardas até a minha
casa.
Quando entrei no táxi do 017, resolvi
poupar a garganta como os protagonistas de uma ópera em dia de récita, mas ele
quebrou o silêncio com uma pergunta:
-Você está assistindo aos jogos da Copa
América?
-Só vi os do Brasil e da Argentina que
começaram antes das 18h 30min.
-Então, você não viu o jogo Brasil e
Colômbia?
-Não vale as minhas horas de sono.
-Não perdeu nada. O Neymar todo
nervosinho... mas isso é culpa da mídia que endeusa esses caras.
-Um amigo meu ficou indignado porque um
intelectual comparou da Academia Brasileira de Letras comparou os pés do Neymar
com as mãos do pianista brasileiro de maior projeção internacional que, com 3
anos de idade, já tocava piano. “O que o Neymar fazia com os pés aos 3 anos de
idade?” - bradava esse meu amigo no telefone.
Ele ficou quieto, e eu continuei:
-Quebrava a cristaleira da casa em que
morava dando pontapé em bola de borracha.
-E o Messi?... O que você tem achado
dele nessa Copa América?
-Sonolento. - respondi.
-Mas quando ele acorda... - colocou a
ênfase nas reticências.
-No time do Barcelona, ele está em
vigília quase sempre, mas não o vejo tão motivado na seleção. Mas prefiro o
Messi ao Neymar, porque não debocha dos adversários, quando derrotados e não
sofre de crises de chilique.
O silêncio retornou até a chegada do
táxi na minha rua.
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