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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4990 Data: 22 de novembro de 2014
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195ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Na fila do ponto de táxi do
NorteShopping, veio-me à mente os meus primeiros anos de trabalho na Marinha
Mercante; áreas marítimas eram cartelizadas pelos armadores das conferências de
fretes, os de fora, chamados “outsiders”, podiam atender os usuários do
transporte marítimo de carga geral, mas numa proporção bem menor – era
estabelecido 20%, num universo de 100%.
Lá, no ponto, a área em frente do Shopping pertencia à COPERNORTE, ao
largo, ficavam os táxis de outras cooperativas, os “outsiders”, que, já
formavam uma fila maior do que as das pessoas que preferiam o serviço
cartelizado.
Vi, ao me aproximar, umas seis pessoas
na fila e apenas dois táxis da COOPERNORTE, como eu demorara pouco na dentista,
eu tinha todo o tempo do mundo para esperar. Ocorreu-me, então, essa
reminiscência e, em seguida, as reservas que eu nutria contra monopólios, ou
coisa parecida, gigantescos ou diminutos.
Chamou-me a atenção na fila dos que não
tinham aquela reserva de mercado, um táxista que me olhava fixamente, há algum
tempo, creio. Quando conseguiu fazer contato visual comigo, fez gestos com a
cabeça, levantar de sobrancelhas para eu entrar no seu táxi. Eu não tinha
pressa, repito, além disso, o carro dele era o último da fila, se eu sucumbisse
à sua proposta, desdenharia o serviço regular da COOPNORTE, até aí nada demais,
e os taxistas “outsiders” que chegaram à frente dele, uns oito.
Aguardei o serviço cartelizado e não
esperei dez minutos para entrar num táxi guiado por um cidadão de uns trinta
anos de idade.
Foi ele quem puxou conversa.
-Os preços estão lá em cima. A vida
está dura.
-Não estão achando, pois reelegeram a
presidente; pediram bis. - limitei-me a dizer.
-Eu não votei nela. - crispou-se ao
volante.
-O que ela disse que os seus
adversários, Aécio e Marina Silva fariam, ela está fazendo. O marqueteiro dela
armou a mais escandalosa propaganda enganosa. O público alvo era a massa de
ignorantes e desinformados, a maioria esmagadora do eleitorado brasileiro. -
comentei.
-As passeatas contra este governo
pipocam pelo Brasil, daqui a pouco, serão em maior número. - animou-se.
-Os reacionários já portam faixas
pedindo a volta dos militares.
-Você viu a votação do Jair Bolsonaro?...
Não seria ruim se os militares voltarem.
-Não diga isto. - reagi.
-Eles puseram ordem na casa, e é disso
que precisamos. - afirmou.
-Numa ditadura militar, o direito ao
habeas corpus é suspenso; alguém, mesmo com um fiapo de poder, pode lhe prender
e sumir com o seu corpo. Isso aconteceu no Brasil e muito mais ainda no Chile e
na Argentina nos chamados Anos de Chumbo.
-O senhor, então, é completamente
contrário a essas faixas nas passeatas.
-Não sou contrário – respondi-lhe – é
bom que este governo se assuste com o fantasma da ditadura militar para não
cometer os descalabros que vêm cometendo.
Como ele era novo, não vivenciou o
tempo em que o regime militar se impôs no Brasil, talvez, retransmitisse os
pensamentos dos seus pais ou de pessoas a quem respeitava, pois insistia na
“ordem na casa”.
-Essa ordem lembra os dizeres da
bandeira brasileira e se explica, pois a república surgiu de um golpe militar
que deu por encerrada a monarquia. - disse-lhe.
-Não pode continuar essa lambança toda
que estão fazendo, tem-se de dar um basta. - falou, enquanto aguardávamos que o
demorado sinal verde da Rua Pedras Altas com a Avenida Hélder Câmera se
iluminasse.
-Muitos disseram que lutaram contra a
ditadura quando, na verdade, pretendiam trocar a ditadura da direita pela da
esquerda; uns eram maoístas, outros trotskistas, stalinistas, gramscistas, de
todos os matizes do vermelho, que são incontáveis.
-Os petistas. - aparteou-me.
-Eles chegaram ao poder e constataram
que dinheiro é bem melhor do que ideologia.
-E isso tem de acabar. - indignou-se.
-A Constituição de 1988 dá autonomia à
Polícia Federal e ao Ministério Público para investigar a corrupção, porém, na
hora da justiça se impor... Os corruptos do mensalão só foram para a cadeia
porque um juiz, o Joaquim Barbosa, não é palaciano e lutou para que a lei se
impusesse. Ele desagradou a muitos e teve, praticamente, de antecipar a sua
aposentadoria.
-É assim que está o Brasil.-
acrescentou às minhas palavras.
Depois, fez-me uma pergunta adicionada
de comentários:
-Você leu que vão mudar o nome da ponte
Rio-Niterói de Costa e Silva para Betinho? Nada contra o Betinho, que foi uma
grande figura humana, mas essa mudança é o fim da picada.
-O governo petista, há doze anos no
poder, não realizou uma só obra de vulto; eles querem, agora, roubar uma do
governo militar. O presidente Lula, aliás, não fez outra coisa: roubava as
realizações do Fernando Henrique Cardoso, mudava os nomes e dizia que eram
dele. Enganou os trouxas. - disse-lhe.
Quando ele falou das faixas de passeata
pedindo o impeachment da presidente reeleita, seu táxi já subia a Rua Renoir e
se aproximava da Praça Manet.
-Se tirarem a Dilma do poder, quem
assume é o vice, o Michel Temer. A alternativa é tão ruim que não valerá a pena
parar o país, diferentemente do que aconteceu com o Fernando Collor. -
lembrei-lhe.
-Mas não há uma possibilidade de
tirarem os dois numa só tacada? - quis saber.
-Se ficar comprovado que os dois
receberam dinheiro ilícito para a campanha eleitoral, caem os dois.
-E
receberam, é que não interessa aos políticos e empresários afastarem os dois,
como interessou no caso do Collor.
Concordei com ele e memorei o golpe que
destituiu o Getúlio Vargas do poder.
-Vivia-se, em 1945, o Estado Novo, não
havia vice-presidente e o Congresso estava fechado. Sem vice-presidente da
República, presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado, assumiu o
poder José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal.
-E aqui se tirarem a Dilma e o Michel
Temer.
-O primeiro na hierarquia para assumir
é o deputado Henrique Alves.
Fez uma expressão de asco.
-Depois dele, o senador Renan
Calheiros.
-Pior ainda.
-Em seguida, a poder iria para o
Ricardo Lewandowski.
-Nossa! - persignou-se como se
estivesse diante de um vampiro.
Na Rua Modigliani, a nossa conversa
animada, ora desanimada, se encerrou.
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