----------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4988 Data: 20 de novembro de 2014
-----------------------------------------------------------
MULHERES NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II
-Como é o nome dela?
-Luciana Requião.
Era a convidada desse domingo, que
abriu musicalmente o programa com o “Corta Jaca” de Chiquinha Gonzaga.
-Você é altamente qualificada,
participa efetivamente de uma orquestra, a que tocou agora.
-A Orquestra Lunar. - completou ela as
palavras do titular do programa.
-A Luciana é mais difícil de dizer o
que ela não faz; instrumentista, arranjadora, professora... participou de seis seminários “A Mulher na Música”.
Sérgio Fortes foi aparteado pelo
galanteador Jonas Vieira.
-A mulher é a própria música.
Sérgio Fortes quis saber da convidada
se a participação da mulher no mundo da música era crescente; ela respondeu que sim, citou o instrumento em
que é versada, o baixo elétrico que,
anos atrás, era praticamente do domínio masculino. Mas fez algumas ressalvas:
-Ainda encontro dificuldades quando
procuro uma substituta para mim no baixo elétrico. Também é meio complicado
quando se procura uma mulher que toque bateria, trombone...
Sérgio Fortes aludiu à época em que Paulo
Fortes atuava no Teatro Municipal; acompanhando o pai, olhava para as
orquestras e quase não via mulheres. A Filarmônica de Berlim, que surgiu em
1842, só aceitaria a primeira mulher em 1997, a harpista Anna Lelkes; Sérgio,
porém, se limitou somente à discriminação no Brasil.
Em seguida, perguntou a ela sobre o
começo do projeto “Mulheres na Música”. Luciana Requião respondeu que a ideia
envolvia sindicatos, principalmente o canadense, que acabou se desenvolvendo em
vários lugares.
-Você acha que há diferença entre o
sentimento masculino e feminino? - aflorou a curiosidade do Jonas Vieira.
-Acho que não, acho que o sentimento é
o mesmo. - respondeu ela.
-Não acha que a mulher é mais profunda?
- insistiu o Jonas.
-Nem sempre,
-Pelo menos na música popular, na
clássica também, mas, principalmente na popular, as músicas dos homens são
dedicadas às mulheres. - disse o Jonas Vieira.
-Acho que a mulher é um tema comercial.
Jonas Vieira, sem perder um segundo,
contestou:
-É tema sentimental mesmo. A favor ou
contra, fala mal ou fala bem.
Ainda ressoava a observação dele quando
recebeu o Monarco como convidado do Rádio Memória.
-As suas letras são todas mandando bala
nas mulheres.
Ela
argumentou que, agora, que as mulheres entraram na composição com a força dos
homens, que, numa pesquisa, talvez se encontre muitas compositoras falando bem
ou mal dos homens.
Um parêntese: forçosamente a “anima” do
Chico Buarque de Holanda deveria entrar na relação dessa estatística das
compositoras.
-E qual é a segunda música, Luciana?
A música inicial que escolhi foi de
Chiquinha Gonzaga que tem tudo a ver com o primeiro seminário dedicado a ela. O
segundo seminário homenageou Áurea Martins. Eu trouxe um CD com as faixas
“Pressentimento” e “Mas Quem Disse Que Te Esqueço”.
-É a Orquestra Lunar?
-Não, é solo dela.
Depois, ela nomeou os compositores;
“Pressentimento”, de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, e “Mas Quem
Disse Que Te Esqueço”, de Ivone Lara e Hermínio Belo de Carvalho. E acrescentou
que as letras de todas as faixas desse CD são de Hermínio Bello de Carvalho.
-Ele é ligado aos grandes nomes da
música popular brasileira: Cartola, Paulinho da Viola... É uma das pessoas que
mais admiro. - exultou o Jonas Vieira.
Lembramos que Hermínio Bello de
Carvalho recomendou ao adolescente Turíbio Santos anotar meticulosamente tudo
que o Villa-Lobos dissesse numa conferência, em 1958, o que redundou no livro
“Villa-Lobos e o Violão”.
-Luciana, uma curiosidade: Chiquinha
Gonzaga é um ícone; é o marco zero da participação feminina na música popular
brasileira, ou há algum registro anterior? - quebrou o Sérgio Fortes o seu
silêncio de alguns minutos.
-Se olharmos a história, é ela. Deve
haver outras Chiquinhas por aí que não tiveram oportunidade de vir para a
história. - foi a resposta.
Jonas Vieira interveio incisivamente:
-Chiquinha Gonzaga é o marco zero.
Breque.
Chiquinha Gonzaga, como mulher, é um
caso único na música popular de todo o mundo. Para citar uma das suas mil
realizações, criou um gênero musical: a marchinha carnavalesca. Na biografia
escrita pela sua neta, Dalva Lazaroni, que acabamos de ler, recentemente, a
magnitude dessa extraordinária mulher é evidenciada; não havia necessidade de
exageros, como dizer que Machado de Assis a procurou para aprender francês.
Menos, Dalva Lazaroni, menos, Prossigamos com o Rádio Memória.
Sérgio Fortes insistiu com outra
pergunta:
-Na fase áurea da música popular
brasileira, décadas de 30 e 40, você encontra uma compositora, ou era um tabu?
-Havia a Marília Batista. -
antecipou-se o Jonas Vieira.
-Depois, tivemos a Dolores Duran. -
disse ela.
-Dolores Duran é década de 50. -
acrescentou o titular do Rádio Memória.
-Nós temos no nosso CD “Quem Sou Eu Pra
Perdoar” da Carolina Cardoso de Menezes.
-Esta, sim, é compositora da década de
30. Foi importantíssima. - ressaltou o Jonas Vieira.
-O grande público, até mesmo as novas
musicistas desconhecem a Carolina Cardoso de Menezes. - constatou a convidada
do Rádio Memória.
Mais um breque.
Carolina Cardoso de Menezes, também
inspirada pianista, que compôs sambas e choros com ousados arranjos seus, morreu em 1999, com 83
anos de idade, no Méier, decepcionada por não ter sido convidada para
participar da minissérie “Chiquinha Gonzaga”, da TV Globo. Um esquecimento
lamentável, pois foi sucessora dela.
Indignado, Jonas Vieira investiu contra
a ignorância que grassa neste país.
-Nós não temos uma divulgação adequada;
isto em todos os sentidos. A música popular não é conhecida, infelizmente.
Pergunte sobre futebol, e todos saberão responder. A massa pensa que
Villa-Lobos é um beque do Olaria.
Por isso, é massa de manobra de
políticos e marqueteiros. - assinalamos.
E continuou:
-Eu vou dar um exemplo claro de alguém
que contribuiu para este país e é desconhecido; morreu, recentemente, o poeta
Manoel de Barros; era gênio, gênio, uma figura extraordinária que se casa com a
natureza; o poeta da natureza, sendo profundo é de uma grande simplicidade.
E escandiu bem as sílabas:
-Ninguém conhecia.
Concluiu:
-Manoel de Barros é um dos quatro
grandes poetas da minha predileção; ele, Drummond, é claro, Fernando Pessoa,
que era fantástico... O outro era de Pernambuco, o meu favorito... Qual é mesmo
o nome dele?...
A traiçoeira memória pregava uma peça
no Jonas Vieira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário