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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4989 Data: 20 de novembro de 2014
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MULHERES NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE III
Eram os três agora que desancavam a
ignorância reinante no Brasil.
-Estamos vivendo um festival de
besteiras. - rezingou o Jonas Vieira.
-Se o Sérgio Porto estivesse vivo, o
FEBEAPÁ estaria no número 15. - foi a vez do Sérgio Fortes.
-Você tem de pagar uma televisão a cabo
para ter uma programação melhor.
Sérgio discordou, em parte, da sua
convidada, porém o Jonas Vieira citou o Arte 1, o canal 53, que tem uma
programação qualificada, embora repetitiva. Depois, foi lembrada a TV Cultura.
Quanto a este canal, não há o que reclamar; todos os sábados coloca em cena as
apresentações da OSESP e, horas antes, 21h 30 min, precisamente, apresenta o
programa “Clássicos”, que já mostrou até a ópera “Sonhos de Uma Noite de
Verão”, de Benjamin Britten, récita no parque Lage com a OSB Ópera e
Repertório.
Jonas Vieira queria mais música
interpretada pelas mulheres. Luciana Requião o atendeu logo.
-O terceiro seminário, em 2011,
homenageou a mulher instrumentista na figura da Rosinha de Valença, grande
violonista. Eu trouxe Maria Aron, professora da Unirio que gravou um disco
maravilhoso de outro compositor pouco conhecido, Nicanor Teixeira. Ela toca com
outra violonista sensacional, Vera de Andrade, “Fina Flor”.
-Manuel Bandeira.
A arte do duo violonístico ativou a
memória do Jonas Vieira, lembrou-se não só do seu poeta preferido, como ainda
citou outro grande da poesia do século XX, Jorge de Lima.
Sérgio Fortes tirou o foco do violão
para o piano e aludiu ao século XIX, no Rio de Janeiro, em que as moças tinham
de tocar piano.
-Fazia parte da educação da mulher
costurar, tocar piano...
-Tocar piano para casar. - arrematou o
Jonas Vieira as palavras da artista.
-Tocavam piano justamente para encantar
(um futuro marido).- disse ela.
-Se fizessem uma reunião familiar para
você tocar baixo elétrico?... - elucubrou o Sérgio Fortes.
-Seria complicado. - reagiu.
-Seria deserdada. - imaginou o Jonas.
A crônica do Fernando Milfont sobre a
República foi uma espécie de “intermezzo” do Rádio Memória.
O programa retornou com uma dúvida do
Sérgio Fortes; na lista das aptidões da Luciana Requião está “editoração de
partituras”, cujo significado desconhecia. Ela explicou que, através de um software,
especializou-se em passar partituras para o computador, o que facilitava
substantivamente a vida dos músicos e, por isso, deu aulas a figuras ilustres,
como o violoncelista Jaques Morelenbaum.
Sérgio Fortes, em seguida, se referiu
aos subterrâneos de uma orquestra sinfônica para realizar um concerto, a
revolução para se conseguir partituras que, eventualmente, são importadas. A
editoração de partituras, pelo visto, simplificaria as coisas.
Esse assunto rendeu a ponto de o Sérgio
Fortes imaginar como seria fascinante corrigir as partituras de Villa-Lobos,
que compunha rapidamente e com crianças por perto. Dizem – adicionamos nós –
que, além da petizada ao redor dele, o seu rádio ficava ligado nas novelas do
“Anjo” e do “Jerônimo, Herói do Sertão”, da Rádio Nacional.
-”Meu filho, o ouvido de fora nada tem
a ver com o ouvido de dentro”. - disse Villa-Lobos ao Tom Jobim, que estranhara
tanta bagunça ao redor do mestre.
-Neste caso (corrigir Villa-Lobos) já é
um trabalho de especialista da obra, pois decisões são tomadas. - explicou ela.
O jornalista Jonas Vieira fez
comparações com o copydesk, e recordou que, trabalhando ao lado do Nélson
Rodrigues, dava “uma espiadinha nas suas crônicas” a pedido dele para corrigir
eventuais erros.
De Villa-Lobos passou-se a falar do
maior dramaturgo brasileiro.
-Nélson Rodrigues - disse o Sérgio
Fortes, enxergava muito pouco.
Em seguida, narrou um causo proveniente
da sua visão deficiente. Ela era sequela da tuberculose que quase o matou e,
por isso, mal enxergava os jogadores no campo de futebol. Mário Neto, seu
sobrinho, conta que, numa partida entre o Fluminense e Madureira, a que
assistiu com ele, no meio do jogo, o tio exaltou o “banho de bola” que o
Fluminense estava dando no Madureira, quando ocorria justamente o contrário,
Nélson Rodrigues confundia o tricolor das Laranjeiras com o tricolor suburbano.
Chegou o momento de mais música.
-Seguindo o roteiro, o seminário de
2012 foi sobre as mulheres negras. A grande homenageada foi Clementina de
Jesus. Eu trouxe aqui Ana Costa, cantora, também violonista de uma geração mais
recente. Ela toca e canta uma música sua: “Felicidade”.
A felicidade, que foi ouvida
musicalmente, desapareceu quando o titular
do programa passou a falar de um fato que mostra a situação em que o Brasil se encontra, ultrapassando as imaginações mais delirantes.
Uma agente de trânsito, cumprindo a
lei, recebe uma carteirada de um juiz que a descumprira, e, por isso, é vítima
do corporativismo do judiciário, que a obriga a indenizar o juiz infrator em 5
mil reais.
-É uma vergonha! Um país onde acontece
uma coisa dessas não tem futuro. - tornava-se o Jonas Vieira porta-voz de todos
os cidadãos respeitáveis.
E, há pouco, Sérgio Fortes dizia que 15
de novembro era o Dia da Tolerância...
Uma fúria de Zola no caso do Capitão
Dreyfus – citação recorrente do Nélson Rodrigues - ainda movia o Jonas Vieira.
-O Brasil é assim; você quer fazer a
coisa certa, os outros não deixam. Isso é um absurdo! Vêm outros juízes
absolvem o infrator e a moça que cumpriu com a sua obrigação é punida, é
multada.
E concluiu:
-Se ele quiser me processar, processe;
vai receber a multa na próxima encarnação.
-O Marco Riba paga a sua multa, ele
está ganhando uma grana no Teatro Café Pequeno, no Leblon. - descontraiu o
Sérgio Fortes o clima de indignação.
Hora da música.
-Luciana, qual é o próximo seminário?
-É de 2003 em que homenageamos as
educadoras, no caso, Cecília Conde, com uma fala muito bonita da Adriana
Dedier, que tratou da trajetória dela. A faixa que escolhi é com a Vika
Barcelos, uma cantora de Porto Alegre, professora da rede municipal, mais a
Orquestra Lunar. O arranjo é meu de uma música de Marina Lima.
-As mulheres tomaram o poder. -
constatou o Sérgio Fortes.
-A música que ouvimos?...
-”Grávida.” - respondeu ela.
-Quais são as instrumentistas da
Orquestra Lunar, Luciana? - indagou o Sérgio Fortes.
-Somos dez neste CD; a Samanta Rennó na
percussão, Geórgia Câmara na bateria, Sheila Zagury no teclado, eu, Luciana
Requião no baixo elétrico, Manoela Marinho no cavaquinho, Mônica Ávila no
sax-alto, Sueli Faria no sax-alto, Kátia Preta no trombone e vozes de Áurea
Martins e Vika Barcelos.
-Se precisarem de alguém que toque campainha...
- brincou o Jonas Vieira.
-Se puser uma sainha... - entrou ela no
espírito da coisa.
Luciana Requião aludiu ao último
seminário, o de 2014, realizado em homenagem às compositoras. E foi ao ar
“Broto”, de Lisa K. sob a direção de Vera Andrade, em que a convidada do Rádio
Memória se disse prazerosa em ter tocado baixo elétrico na gravação.
O programa terminou, musicalmente, com
Áurea Martins cantando “No Rastro”, da Daniela Spielman, destacada saxofonista,
e Décio Carvalho.
Chiquinha Gonzaga aplaudiria essas
mulheres.
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