-------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4986 Data: 16 de novembro de 2014
------------------------------------------------------------
192 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
-Modigliani?
-Desta vez, não, Vou para a Rua 24 de
Maio. Saí mais cedo do trabalho para visitar minha sobrinha no seu aniversário.
-Vou por aqui para evitar o trânsito da
Aristides Caire e da Arquias Cordeiro.
-Faça o que achar melhor. - disse ao Bob
Esponja.
-Daqui a pouco, paro para o almoço e
para tirar uma sesta, estou no volante desde as 3h da manhã.
Mesmo cansado, ele sempre está pronto
para uma conversa.
-Na viagem de metrô, agora, três meninas
adolescentes, falando espanhol, se dirigiram aos passageiros, cantaram duas
músicas e, depois, recolheram uns trocados.
-Bonitinhas?
-Sim, e vestidas como quaisquer jovens
brasileiras de classe média. Mas não é a primeira vez; quando pego o metrô,
entre 11 e meio dia, comumente me deparo com essas garotas latino-americanas
cantando, tocando instrumentos e passando o chapéu.
-Elas pedem ostensivamente dinheiro pela
exibição? - demonstrou curiosidade.
-Não; dizem que um sorriso já paga o
show, mas se alguém quiser contribuir...
-E você contribuiu?
-Com dois reais.
-Se elas forem venezuelanas, compram um
estoque de papel higiênico antes de voltar para o seu país, mas se forem
argentinas, compram dólares antes do retorno. - comentou.
-Creio que só saem do Brasil se nosso
país cair na mesma decadência dos países delas, o que pode acontecer com tantos
descalabros deste governo. - disse-lhe.
-Essas meninas agem nessa hora porque podem
se locomover com facilidade pelos vagões, por isso, o amigo não as vê no
horário normal de ida e volta do trabalho.
-Bonitas, artistas, educadas, não
importa, elas estão praticando mendicância e isso não é proibido pela direção
do Metropolitano?
-Quando fui segurança do metrô, tínhamos
ordens de impedir que aquele pessoal que aparece nos ônibus dizendo...
-Eu poderia estar roubando, mas estou
aqui pedindo aos senhores uma ajuda para tratar do meu filho doente. -
antecipei-me.
-Isso. - confirmou.
-É o clichê dos pedintes.
Ele prosseguiu:
-Nós tínhamos de proibir esses pedintes,
bêbados, aquelas pessoas que perturbam os passageiros. Pelo o que o amigo me
disse, essas garotas não perturbam, mas não importa, é pedido de dinheiro, e
não pode.
-Eu me sentiria constrangido se as visse
sendo maltratadas.
Bob Esponja se tornou autobiográfico.
-Eu era segurança do metrô, no ano 2000,
quando assaltaram na estação de Triagem, fui para a marca do pênalti. No ano
seguinte, assaltaram a bilheteria de Del Castilho e a mim, inclusive, Então, a
minha cabeça foi entregue numa bandeja.
-Eles lhe assaltaram também?-
surpreendi-me.
-Andávamos desarmados, vou fazer o
quê?... Fui, então, dirigir táxi.
-E também foi assaltado. - não consegui
conter a ironia amarga.
-Se eu não quiser ser assaltado, vou ter
de sair do Brasil. Mas há lugares piores, como os países dessas meninas de que
o amigo estava falando.
-Você vai entrar no Buraco do Padre,
dobrar à direita, passar pela bifurcação que leva ao Lins de Vasconcelos. Solto
no primeiro prédio que aparecer.
-Do lado do colégio?
-Sim.
-Deixa comigo.
Bob Esponja ainda teve tempo para falar de um parente
seu, do Maranhão, que se alojou na sua casa para prestar as provas do ENEM.
Na
volta para casa, o profissional do táxi que peguei, embora desconhecido para mim,
mostrou uma desenvoltura que poucos da cooperativa Metrô demonstram.
-Amigo, com isto aqui – mostrou-me o
celular – você fica sabendo de tudo.
-O WhatsApp?
-É este nome aí.
E prosseguiu:
-Agora mesmo, recebi de um colega de
praça a notícia de que um táxi está pegando fogo.
Sem largar o volante – provocaria um
acidente se o fizesse – virou-se e me mostrou a foto de um táxi, tomado pela
chama, no seu celular.
-Não sei onde foi, mas logo vou saber.
-Por coincidência, venho da casa da
minha sobrinha, e o marido dela, que é professor de História, me disse que será
obrigado a comprar um celular com WhatsApp, porque são marcadas reuniões
importantes entre os seus colegas de profissão, e ele fica sem saber porque não
tem esse dispositivo no celular.
-Eu não sabia como se usava isto, mas
meu sobrinho me ensinou. Essa garotada fuça aqui e ali e descobrem, nós,
adultos, já temos medo de escangalhar se mexermos muito.
-Eu caminho antes do amanhecer ouvindo
noticiário do rádio, às vezes, da Jovem Pan, e muitas notícias são dadas por
ouvintes, que se identificam, através de WhatsApp. Por exemplo, essa moça que
caiu da ponte Rio-Niterói, na segunda-feira de carnaval, depois do carro
capotar diversas vezes, a informação foi dada por WhatsApp.
-Nós, por esse negócio sabemos de tudo o
que está acontecendo na praça.
-Já sabe onde esse táxi está pegando
fogo?
-Não me informaram ainda.
-Sendo bem usado, o WhatsApp é de grande
utilidade; no seu caso, você fica sabendo de lugares que deve evitar por causa
de engarrafamento.
-Eu recebi a notícia que vão estourar manifestações
de bandidos em Guadalupe, Irajá, Bangu, por vários bairros.
-A PM vai desalojar os invasores do
conjunto de Guadalupe, e haverá confusão.
-Mas a confusão não será só lá. Aqui
está dizendo. - indicou o celular.
-Ontem de manhã, no trabalho, um colega
me mostrou uma mensagem da mulher dele, no WhatsApp, que era justamente igual a
esta: manifestações de marginais por quase toda zona oeste.
-Eu,
daqui a pouco, estou recolhendo o meu táxi. Não vou ficar de bobeira.
-O WhatsApp também pode ser um propagador de boatos em
velocidade supersônica.- pensei sem me manifestar.
Lembrei a corrida do dia anterior, no
táxi do ponto da Domingo de Magalhães. O 151 estava empolgado porque seu filho
baixara mais de 100 músicas do computador para o seu pendrive.
-Ele fez uma pasta com o nome: músicas
do meu pai.
-Você escolheu?
-Não; as músicas entraram
aleatoriamente.
E ele, que só ouvia o rádio da central
da cooperativa, se detinha agora, com a música pop.
-Olha, esta é antiga. - disse-me.
Eu nunca ouvi aquele som estridente, mas
não falei nada.
Ele passava rapidamente de uma música
para outra, qualificando-as de novas ou antigas.
-Esta é da década de 80, é antiga.
Caramba, “Chega de Saudade”, para ele,
deve ser da pré-história. - pensei sem me manifestar.
E,
assim fomos, até a Rua Modigliani, escutando uma cacofonia ora nova, ora
antiga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário