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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

2514 - o Além te procura



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4314                           Data: 19  de novembro  de 2013
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121ª VISITA À MINHA CASA

E me deparei com a visita do escritor William Faulkner.
-Faulkner, estou em falta com você, ainda não li um livro seu. (*)
-Saíram de catálogo aqui no Brasil?
-Creio que não; ainda assim, eu teria os sebões para comprar “O Som e a Fúria”, “Os Desgarrados”, entre outros.
E prossegui:
-Às vezes eu me vejo, por exemplo, num simpósio, ouvindo palestrantes enfadonhos, e lamento perder horas da minha vida quando poderia estar lendo um romance de William Faulkner. Desculpe-me pela minha falta.
-Não há do que se desculpar. Eu, quando escrevo não me preocupo com o público. Eu disse numa entrevista a Malcom Cowley que a obrigação do escritor não é com o leitor, sua obrigação é realizar o seu trabalho o melhor que puder, podendo valer-se de qualquer outra obrigação que haja deixado de lado, como lhe aprouver. Quanto a mim, vivo demasiadamente ocupado para me importar com o público. Eu não tenho tempo para cogitar quem está lendo o que escrevo.
-“O Som e a Fúria” será o primeiro livro seu que lerei.
-O título do livro me veio com a frase de Macbeth: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem significado algum.”
-Foi a sua inspiração?
Repetiu a palavra inspiração com desdém e disse:
-Noventa e cinco por cento talento... noventa e nove por cento, disciplina... noventa e nove por cento, trabalho. O escritor não deve ficar jamais satisfeito com o que faz.  Jamais a coisa é tão boa como poderia ser. Um artista é uma criatura impelida por demônios. Não sabe por que razão o escolheram, e ele se acha habitualmente ocupado para perguntar a si próprio o porquê dessa escolha.
-Você falou que a obra de arte se origina basicamente de talento, disciplina e trabalho, e sou conduzido aos três maiores compositores: Bach, Bethoven e Mozart, que compuseram compulsivamente, porque eram talentosos, cumpridores das suas obrigações e incansáveis.
-Eu diria que a música é o meio mais fácil de expressão, já que chegou primeiro à experiência e à história do homem. Como o meu talento consiste em palavras, devo procurar exprimir canhestramente por meio delas o que a música teria feito  melhor. A música teria exprimido melhor e de maneira mais simples, mas eu prefiro usar palavras, assim como prefiro ler a ouvir. Apraz-me mais o silêncio do que o som; e a imagem produzida por palavras surge com o silêncio. A música da prosa se processa no silêncio.
-Shakespeare é uma das suas grandes admirações?
-Eu não saía de casa sem levar Shakespeare num bolso e o Antigo Testamento em outro. Mas só fui influenciado por um escritor, Sherwood Anderson.  Histórias diferentes correndo paralelamente, um mesmo fato sendo narrado por vários personagens alternadamente, e por aí vai.
-Você privou da amizade de Sherwood Anderson?
- Eu vivia em New Orleans, fazendo qualquer tipo de trabalho para ganhar alguns dólares, carpintaria, pintura de parede, agência dos Correios, quando conheci Sherwood Anderson. Caminhávamos habitualmente à tarde, pela cidade, conversando com as pessoas pelo caminho. À noite, encontrávamo-nos, de novo, a uma mesa diante de duas garrafas; ele falava e eu ouvia; ouvi muito. Pela manhã, eu nunca o via, descobri que ele se isolava para trabalhar nesse período do dia. Percebi que a vida de escritor era aquela e que me convinha. Parti, então, para o meu primeiro romance.
-E qual foi a reação de Sherwood Anderson quando soube que você se tornou também um escritor?
-Eu estava em casa, ele entrou pela porta adentro perguntando se eu estava zangado, pois sumira por três semanas, disse-lhe que não, que escrevia um romance. “Santo Deus!” - exclamou ele. Quando Mr. Anderson soube que eu já terminara o livro, me fez a seguinte proposta: ele recomendaria o manuscrito de “Soldier´s Paper” a um editor, mas não o leria. E assim foi feito.
-Mas não foi o seu primeiro livro?
-Meu primeiro livro éde 1924, uma coletânea de poemas, quando eu ainda estava no Mississippi. “Soldiers Papers” é de 1926.
-Você nasceu no sul dos Estados Unidos, no estado do Mississipi?
-Em 1897, poucas décadas após a derrota sulista na Guerra da Secessão.
-A derrota mexeu muito com o Mississipi?
-Sim, a aristocracia de acentuada influência inglesa sofreu um baque, famílias ficaram arruinadas com a abolição dos escravos.
-Seus ascendentes foram pessoas influentes?
-Foram, houve muitos políticos.  Meu avô se destacou na guerra, construiu ferrovia e, depois de vencer uma eleição, foi assassinado.  O outro avô meu foi banqueiro. Restou ao meu pai ser comerciante.
-E os estudos?
-Não fui adiante com os estudos, larguei para trabalhar no banco do meu avô.
-Deixa-me ver... Você tinha 17 anos quando eclodiu a Primeira Grande Guerra Mundial.
-Alistei-me no serviço militar americano, mas fui recusado porque só tinha um metro e sessenta de altura.
-Eles teriam recusado Napoleão. - comentei com um sorriso de cumplicidade.
-Procurei, então, a Força Aérea Canadense, mas não cheguei a participar da guerra.
 Em 1929, você estava casado, estabelecido em Oxford, cidade de Ohio e dedicado inteiramente à literatura.
-Não foi bem assim. - interveio.
-Ah, sim... Você escreveu também para o cinema.
-Quando eu precisava de dinheiro, pois agora tinha uma família, eu me via obrigado a redigir roteiros para filmes.
-Mas não foram maus filmes, haja vista que a maioria deles foi dirigida por Howard Hawks, um cineasta destacado entre seus pares.
-O meu trabalho cinematográfico que me pareceu melhor foi feito pelos atores, com o escritor deixando de lado o texto e inventando a cena antes de a câmera começar a rodar. Se eu não levasse, ou não sentisse que era capaz de levar a sério o trabalho cinematográfico, por pura honestidade com o cinema e comigo mesmo, não teria tentado.
-Dos atores, você destaca algum:
-Humphrey Bogart é um daqueles com quem trabalhei melhor. Trabalhamos juntos em “To Have and Have Not” e “The Big Sleep”.
-Em 1949, você recebeu o Prémio Nobel de Literatura.
-Eu arava a terra quando me veio a notícia. Ótimo, era um bom dinheiro, mas sempre preferi a companhia dos meus amigos caçadores, de gente simples ao fulgor das rodas literárias, imagine o formalismo na entrega do Nobel. Não me senti à vontade.
 -Ao escrever, você se utilizava do fluxo de consciência, que Marcel Proust, James Joyce, Thomas Mann, Virgínia Woolf, principalmente, consagraram.
-Deixo isso para os críticos, É hora de partir.
-E foi-se.

(*) A pergunta que não quer calar: por que um escritor sairia do Além e bateria à porta de um jornalista que diz logo de cara que não o conhece? É meio surreal, seja lá o que isto queira significar.

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