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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4314 Data: 19 de novembro
de 2013
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121ª VISITA À MINHA CASA
E me deparei com a
visita do escritor William Faulkner.
-Faulkner, estou em falta
com você, ainda não li um livro seu. (*)
-Saíram de catálogo
aqui no Brasil?
-Creio que não; ainda
assim, eu teria os sebões para comprar “O Som e a Fúria”, “Os Desgarrados”,
entre outros.
E prossegui:
-Às vezes eu me vejo,
por exemplo, num simpósio, ouvindo palestrantes enfadonhos, e lamento perder
horas da minha vida quando poderia estar lendo um romance de William Faulkner.
Desculpe-me pela minha falta.
-Não há do que se
desculpar. Eu, quando escrevo não me preocupo com o público. Eu disse numa
entrevista a Malcom Cowley que a obrigação do escritor não é com o leitor, sua
obrigação é realizar o seu trabalho o melhor que puder, podendo valer-se de
qualquer outra obrigação que haja deixado de lado, como lhe aprouver. Quanto a
mim, vivo demasiadamente ocupado para me importar com o público. Eu não tenho
tempo para cogitar quem está lendo o que escrevo.
-“O Som e a Fúria” será
o primeiro livro seu que lerei.
-O título do livro me
veio com a frase de Macbeth: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia
de som e fúria, sem significado algum.”
-Foi a sua inspiração?
Repetiu a palavra
inspiração com desdém e disse:
-Noventa e cinco por
cento talento... noventa e nove por cento, disciplina... noventa e nove por
cento, trabalho. O escritor não deve ficar jamais satisfeito com o que
faz. Jamais a coisa é tão boa como
poderia ser. Um artista é uma criatura impelida por demônios. Não sabe por que
razão o escolheram, e ele se acha habitualmente ocupado para perguntar a si
próprio o porquê dessa escolha.
-Você falou que a obra
de arte se origina basicamente de talento, disciplina e trabalho, e sou
conduzido aos três maiores compositores: Bach, Bethoven e Mozart, que
compuseram compulsivamente, porque eram talentosos, cumpridores das suas
obrigações e incansáveis.
-Eu diria que a música
é o meio mais fácil de expressão, já que chegou primeiro à experiência e à
história do homem. Como o meu talento consiste em palavras, devo procurar
exprimir canhestramente por meio delas o que a música teria feito melhor. A música teria exprimido melhor e de
maneira mais simples, mas eu prefiro usar palavras, assim como prefiro ler a
ouvir. Apraz-me mais o silêncio do que o som; e a imagem produzida por palavras
surge com o silêncio. A música da prosa se processa no silêncio.
-Shakespeare é uma das
suas grandes admirações?
-Eu não saía de casa
sem levar Shakespeare num bolso e o Antigo Testamento em outro. Mas só fui
influenciado por um escritor, Sherwood Anderson. Histórias diferentes correndo paralelamente,
um mesmo fato sendo narrado por vários personagens alternadamente, e por aí
vai.
-Você privou da
amizade de Sherwood Anderson?
- Eu vivia em New
Orleans, fazendo qualquer tipo de trabalho para ganhar alguns dólares,
carpintaria, pintura de parede, agência dos Correios, quando conheci Sherwood
Anderson. Caminhávamos habitualmente à tarde, pela cidade, conversando com as
pessoas pelo caminho. À noite, encontrávamo-nos, de novo, a uma mesa diante de
duas garrafas; ele falava e eu ouvia; ouvi muito. Pela manhã, eu nunca o via, descobri
que ele se isolava para trabalhar nesse período do dia. Percebi que a vida de
escritor era aquela e que me convinha. Parti, então, para o meu primeiro
romance.
-E qual foi a reação de
Sherwood Anderson quando soube que você se tornou também um escritor?
-Eu estava em casa,
ele entrou pela porta adentro perguntando se eu estava zangado, pois sumira por
três semanas, disse-lhe que não, que escrevia um romance. “Santo Deus!” -
exclamou ele. Quando Mr. Anderson soube que eu já terminara o livro, me fez a seguinte
proposta: ele recomendaria o manuscrito de “Soldier´s Paper” a um
editor, mas não o leria. E assim foi feito.
-Mas não foi o seu
primeiro livro?
-Meu primeiro livro
éde 1924, uma coletânea de poemas, quando eu ainda estava no Mississippi. “Soldiers
Papers” é de 1926.
-Você nasceu no sul
dos Estados Unidos, no estado do Mississipi?
-Em 1897, poucas
décadas após a derrota sulista na Guerra da Secessão.
-A derrota mexeu muito
com o Mississipi?
-Sim, a aristocracia
de acentuada influência inglesa sofreu um baque, famílias ficaram arruinadas
com a abolição dos escravos.
-Seus ascendentes foram
pessoas influentes?
-Foram, houve muitos
políticos. Meu avô se destacou na
guerra, construiu ferrovia e, depois de vencer uma eleição, foi
assassinado. O outro avô meu foi
banqueiro. Restou ao meu pai ser comerciante.
-E os estudos?
-Não fui adiante com
os estudos, larguei para trabalhar no banco do meu avô.
-Deixa-me ver... Você
tinha 17 anos quando eclodiu a Primeira Grande Guerra Mundial.
-Alistei-me no serviço
militar americano, mas fui recusado porque só tinha um metro e sessenta de
altura.
-Eles teriam recusado
Napoleão. - comentei com um sorriso de cumplicidade.
-Procurei, então, a
Força Aérea Canadense, mas não cheguei a participar da guerra.
Em 1929, você estava casado, estabelecido em
Oxford, cidade de Ohio e dedicado inteiramente à literatura.
-Não foi bem assim. -
interveio.
-Ah, sim... Você
escreveu também para o cinema.
-Quando eu precisava
de dinheiro, pois agora tinha uma família, eu me via obrigado a redigir
roteiros para filmes.
-Mas não foram maus
filmes, haja vista que a maioria deles foi dirigida por Howard Hawks, um
cineasta destacado entre seus pares.
-O meu trabalho
cinematográfico que me pareceu melhor foi feito pelos atores, com o escritor
deixando de lado o texto e inventando a cena antes de a câmera começar a rodar.
Se eu não levasse, ou não sentisse que era capaz de levar a sério o trabalho
cinematográfico, por pura honestidade com o cinema e comigo mesmo, não teria
tentado.
-Dos atores, você
destaca algum:
-Humphrey Bogart é um
daqueles com quem trabalhei melhor. Trabalhamos juntos em “To Have and Have Not” e
“The Big Sleep”.
-Em 1949, você recebeu
o Prémio Nobel de Literatura.
-Eu arava a terra
quando me veio a notícia. Ótimo, era um bom dinheiro, mas sempre preferi a
companhia dos meus amigos caçadores, de gente simples ao fulgor das rodas
literárias, imagine o formalismo na entrega do Nobel. Não me senti à vontade.
-Ao escrever, você se utilizava do fluxo de
consciência, que Marcel Proust, James Joyce, Thomas Mann, Virgínia Woolf,
principalmente, consagraram.
-Deixo isso para os
críticos, É hora de partir.
-E foi-se.
(*) A
pergunta que não quer calar: por que um escritor sairia do Além e bateria à
porta de um jornalista que diz logo de cara que não o conhece? É meio surreal,
seja lá o que isto queira significar.
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