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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4311 Data: 12 de novembro
de 2013
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CARTAS DOS LEITORES
-Li o Biscoito Molhado
em que o Sérgio Fortes se viu em palpos de aranha porque teve de conduzir o
Rádio Memória sozinho, apenas com o auxílio do Peter, o operador de áudio.
Pretendo apenas fazer uma correção no texto, o tango que foi tocado não é “Per
una cabeza”, e sim “Por una cabeza.” Elio.
BM: Elio, não é a primeira vez que, distraidamente, troco
o espanhol pelo italiano. Ainda mais com esse tango que, de melodia tão bonita,
nos faz devanear. Não foi à toa que o personagem cego do Al Pacino, quando
satisfez um dos desejos da sua vida, no filme “Perfume de Mulher”, que era
dançar, dançou “Por una cabeza” com uma bela acompanhante.
Há dois meses, assisti
a um documentário que se desenrolou com os acontecimentos vividos pelo grande
tenor argentino, Marcelo Alvarez, na gravação do seu disco com tangos de
Gardel, apenas.
Na vez da faixa “Por
una cabeza”, um especialista em Carlos Gardel se referiu à sua paixão pelo
turfe, o que o levou a usar uma metáfora “por una cabeza”, para se referir à
felicidade que não alcançamos por muito pouco e ao desespero da derrota
inexorável.
No caso do Rádio Memória,
acredito que Sérgio Fortes tocou esse tango para pontuar o “forfait” do Jonas
Vieira.
-BULLYING. O jovem de
23 anos que provocou um caos no aeroporto de Los Angeles ao disparar contra um
agente de segurança e ferir pelo menos sete pessoas teria sido vítima de
bullying na escola. Arre! Eu também fui vítima de bullying: aluna medíocre, com
débito de atenção, tímida, magra de braços compridos, gostava de pescar sozinha
meus siris no mangue em Recife. E nem por isso saí dando tiros por aí. Agora,
grande parte dos distúrbios psicológicos
é atribuída ao bullying! E pior: continuo sofrendo bullying aos 71 anos, dos
espelhos, da minha casa e dos elevadores, que insistem em mostrar o que não
sou. Arlette Mello.
BM: Sempre aparece um e outro leitor que demonstra mais
razoabilidade e, até mesmo talento, do que medalhões que escrevem suas colunas
nos jornais. Por isso, eu nunca deixo para trás a página das Cartas dos
Leitores de um periódico sem a ler. Foi o que aconteceu agora, tive de pensar
esta carta do nosso coirmão, O Globo.
O texto da Arlette
Mello é uma pequena joia de lucidez e de humor pernambucano, mas que bem
poderia ser britânico.
O que hoje chamam de
bullying – o brasileiro e a sua mania de ser americano – sempre existiu. No meu
tempo infanto-juvenil na escola, quem usasse óculos não escapava do apelido
“Quatro olhos”. Os cabeçudos eram os “Cabeça de nós todos”, os gordos, “Bolão
do Vasco”, os baixinhos, “Pintor de rodapé, e por aí ia.
Eu, como me iniciei no
tabagismo com 13 anos de idade, era chamado de “maconheiro” e, nessa época, a
maconha era maldita, não se falava em seu uso terapêutico e quem queria dar
suas tragadas procurava um isolamento de Robinson Crusoé.
Já narrei esse caso,
mas não custa repeti-lo. No meio de uma
aula de matemática, na 2ª série ginasial, o professor, uma autêntica chaminé, apalpou
o bolso e se viu sem cigarros. Como não podia fumar o giz, recorreu ao
grandalhão da turma. Não, ele também não tinha cigarros na mão. Sentado, curvei o meu corpo para tirar da
minha pasta um maço de Continental e dele um cigarro que levei até o professor.
Na minha caminhada até ele, houve uma algazarra dos diabos da turma, com dois
ou três mais ousados chamando-me pelo apelido. Depois de o professor sair da
sala, poucos colegas não participaram do coro:
-É maconheiro. É
maconheiro.
Hoje, só lamento que
eles não fossem mais insistentes no bullying contra mim, pois talvez eu não
parasse de fumar definitivamente com 18 anos de idade e sim, antes.
-Quanto aos espelhos,
minha cara Arlette Mello, reporto-me a uma colega de trabalho que vivia se
queixando do espelho do banheiro feminino: “já repararam como ele engorda a
gente...”
Os espelhos têm um
defeito: são sinceros demais, é melhor não encará-los. Isso é coisa de Narciso,
cuja história não acabou bem.
-No programa Rádio
Memória da Roquette Pinto em que o Sérgio Fortes se disse mais só do que
Robinson Crusoé sem radinho de pilha, ele apresentou “Pedacinho do Céu”, de
Waldir Azevedo sob a batuta do maestro Daniel Barenboim. Disse, então, que o maestro
estava deixando a direção de uma orquestra cujo nome não chega à sua mente, no
momento. Ele já se lembrou? Dieckmann.
BM: Sim, ele já se lembrou. Há menos de uma quinzena foi
anunciado que o maestro renunciou às suas funções de diretor artístico do
Teatro Alla Scala, de Milão, com dois anos de antecedência do término do
contrato.
Para o consolo dos
melômanos, foi lançado, recentemente, o “Réquiem” operístico, de Verdi, com o
maestro ainda à frente da orquestra e do Coro do Teatro Alla Scalla. E melhor
ainda: a TV Cultura registrou esse acontecimento e, dois sábados atrás, colocou-o
na programação.
Críticos afirmam que,
caso tenha sido a despedida de Daniel Barenboim, foi um adeus admirável. Que ele não perdeu a mão, como alguns
maestros, transformando uma missa fúnebre numa “maçaroca ruidosa”.
Como curiosidade,
acrescentamos que o maestro Hans von Bullow, de quem Wagner levou a mulher,
passando por Milão, deu uma olhada na partitura e comentou sarcasticamente:
“Verdi acaba de compor mais uma ópera, ainda que travestida de caráter
eclesiástico.” Brahms, por sua vez, discordou
da má vontade de Bullow e elogiou o “Réquiem”, de Verdi. O tempo mostrou quem
estava certo.
-Li sobre a visita que
o filósofo e escritor Albert Camus fez ao redator do Biscoito Molhado em Del
Castilho. Afinal, ele era a favor da revolta e não da revolução?... Não entendi bem. Sérgio Gay.
BM: Nada disso. Camus queria a revolução desde que ela
continuasse estritamente ligada à revolta que deu luz a ela. E os exemplos na
história mostravam que isso não acontecia. Tão logo os revolucionários chegavam
ao poder, o motivo da revolta se diluía e eles lutavam entre si. A revolução
engolia os seus próprios filhos, como se dizia no Terror, em 1793, na França.
Camus foi um espírito
livre, que não se deixou prender pelo debate ideológico e hoje, ironicamente,
esquerda e direita o disputam. A sua inteligência paira sobre esses
maniqueísmos obsoletos.
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