-----------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4309 Data: 08 de novembro
de 2013
-----------------------------------------------------------------------------------------
170ª CONVERSA COM OS
TAXISTAS
Antes de entrar no
táxi do Botafoguense, fiz um desafio a mim mesmo: por quanto tempo eu
conseguiria evitar que ele falasse de futebol?
-Vinha lendo no metrô
uma reportagem sobre o Roberto Carlos... -disse-lhe (mentira minha, na verdade,
eu fazia palavras cruzadas).
-Minha mulher gosta do
Roberto Carlos, assiste àquelas apresentações dele de fim de ano na televisão.
Eu não gosto, são canções melosas...
-Xaroposas. -
tonifiquei a sua crítica.
-Ele é capixaba, de Cachoeiro do
Itapemirim. Conheço a cidade.
-Eu lia sobre o
posicionamento dele contrário às biografias.
-Que vá lamber sabão!
Não queria que falassem do acidente com a perna dele?... Todo o mundo já sabe.
- indignou-se.
-Argumenta, com outras
palavras, que apenas ele sabe o que se passou e, por isso, outra pessoa, no
caso um biógrafo, não seria capaz de
descrever esse drama.
-E o que você pensa?-
surpreendeu-me com a pergunta.
-Muitas celebridades
se apoiaram em mestres da redação de textos para fazer a sua biografia. Eu
penso que o Roberto Carlos é muito pretensioso, pois ele não é um mestre das
palavras para reproduzir acontecimentos com todo o seu impacto, mesmo os que
ele viveu.
Não era a hora, mas eu
pretendia reforçar meu entendimento comparando a autobiografia do Charles
Chaplin com a biografia sobre ele elaborada pelo psiquiatra Stephen Weissman,
para afirmar que toda a atribulada e miserável infância e adolescência do gênio
do cinema foram reproduzidas com muito mais realismo e pujança por este biógrafo.
-Roberto Carlos não é
o rei?... julga-se, então, acima dos súditos. - comentou.
-O problema é esse:
ele se julga, de fato, rei. O sucesso faz com que muitos artistas
percam a noção da realidade.
-Com jogadores de
futebol, existe um caminhão de exemplos. - interveio.
Reportei-me ao meu
desafio, constatando que conseguira um bom tempo sem que o assunto descambasse
para o futebol.
E prosseguiu:
-Veja o Ronaldo
Fenômeno: fez programa de sexo e droga com travestis, a imprensa do mundo
inteiro divulgou e ele foi prejudicado por isso?
-Na época, ouvi o
Carlos Heitor Cony garantido que esse caso não respingaria no renome dele e
julguei que não: o ídolo do futebol estava acabado. Nada; o Cony estava inteiramente
certo.
-Ronaldo é tão
considerado quanto antes; é até representante do Brasil na FIFA,
garoto-propaganda que embolsa milhões de reais. - cortou-me.
-E ele ainda dá
opiniões idiotas sobre a destinação do dinheiro público. - emendei.
E, enquanto pagava a
corrida até a Rua Modigliani,eu disse:
-E alguns
artistas ainda pensam que vão ser abalados por biografias...
Se o Botafoguense não
consegue ficar dez minutos sem falar de futebol, o Vereador, do táxi 184, não
consegue ficar dez segundos sem falar de política. Assim, não me propus a fazer
um desafio parecido como o do taxista anterior e entrei logo no assunto mal
pisei o assoalho do seu carro.
-E o furto das vigas
da Perimetral?
-Você tem dúvidas?...
Foi a Prefeitura.
-Logo na primeira fase
da demolição da Perimetral furtaram cinco vigas. - expressei o meu espanto.
-Não há dúvida alguma,
foi a Prefeitura. O Porto Maravilha nada tem a ver com isso.
-Acredito na inocência
do porto do Rio de Janeiro, pois eles têm de tirar de lá doze guindastes
desativados e não conseguem e ainda vão pegar cinco vigas da Perimetral, então...
Deixei a ênfase do meu
comentário nas reticências.
-Como é seu nome?
-Carlos. - respondi
surpreso, pois era o primeiro taxista da cooperativa que, depois de três anos,
queria saber o meu nome.
-Carlos, veja se é
possível alguém levar de um terreno do Caju uma viga de 20 toneladas sem
ninguém ver?... E não foi uma, foram cinco vigas. Furtaram 100 toneladas e
ninguém viu?... Ninguém sabe onde estão essas vigas?... Eu não nasci ontem.
Isso é outra falcatrua em que o prefeito está medido.
-Cada viga tem 40
metros de comprimento. Irregularidades desse tamanho e peso só acontecem em
países à beira do abismo. - observei.
-Você sabe, Luís...
-Carlos.
-Você sabe, Carlos,
quanto vale cada viga dessas?
Era uma pergunta
retórica.
-Dois milhões e meio
de reais. Multiplique isso por cinco.
-Dá mais de doze
milhões. - aproveitei a pausa da sua fala com veemência de discurso para
responder.
-Mas ainda há muita
coisa a ser demolida da Perimetral. São
mais de quatrocentas vigas. Multiplique quatrocentos por dois milhões e meio.
-O senhor acha que vão
furtar todas as vigas?
-Carlos... É Carlos o
seu nome, não é?
Depois de eu confirmar
com a cabeça, ele foi em frente.
-Carlos, essa
Prefeitura do Rio de Janeiro é capaz de tudo.
E arrematou:
-Isso vai acabar
quando eu me eleger vereador nas próximas eleições.
Meu Deus do
céu! Só não levei as mãos à cabeça porque estava com o dinheiro na mão para
pagar a corrida.
Paizão... Descobri por
colegas dele que se chama Demerval, quando completou recentemente 80 anos de
idade, mas prefiro tratá-lo de Paizão.
-Ontem, estavam dois
no banco de espera, quando veio um táxi, tive de esperar o seguinte.
-Quando o itinerário
dos dois coincide, eu me entendo com o passageiro que chegou primeiro e levo o
outro também que, assim, não fica tomando chá de cadeira.
-Sei disso; o senhor
já fez isso comigo, depois de confabular com a senhora que ia para a Rua
Honório.
-Alguns não gostam;
acham que é lotada.
E é lotada. - pensei,
mas sem me manifestar.
-Eu vejo o que é
melhor para o cliente, pois você sabe que já estou aposentado e só trabalho
quatro horas por dia para me manter em atividade, o dinheiro já fica em segundo
plano para mim.
-Eu tenho uma amiga de
trabalho que mora em Campo Grande e se desloca para o Centro de lotada. Na
volta para casa, ela, às vezes, pega um ônibus no Terminal Menezes Cortes.
-Uma corrida de táxi
de Del Castilho até Campo Grande fica em 90 reais. Meus colegas disputam uma
médica que para lá vai todos os sábados, mas eu estou inteiramente fora dessa
disputa. Já foi tempo.
-Minha amiga paga 10
reais de lotada.
-Uma pechincha.
-reagiu.
-A volta dela se
tornou problemática, pois os assaltantes de ônibus voltaram a atuar
constantemente na Avenida Brasil.
-Sei disso.
E prossegui:
-Ouvi, ontem, no
noticiário que houve um assalto de ônibus na Avenida Brasil e levaram vários relógios,
celulares, dois ”tablets”, dinheiro...
-Esses bandidos
fizeram a festa. - interrompeu-me.
-Não por muito tempo;
foram todos agarrados pela polícia no Viaduto Negrão de Lima.
-Como?
-Um dos Iphones
roubados tinha rastreador.
Enquanto ele soltava
uma gargalhada de satisfação, eu comentava já na Rua Modigliani:
-Bandido tem de estar,
também, em dia com os avanços tecnológicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário