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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4305 Data: 02 de novembro
de 2013
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ALMOÇO DO TRIO
PARTE I - A ENTRADA
E o nosso trio, depois
do Alentejano, do Adegão Português, do Árabe, se reuniu, agora, na “Brasserie
Rosário”. Nosso trio, diferentemente daqueles que são ouvidos no Rádio Memória,
Irakitan, Nagô, apenas dois cantam: o Elio e o Luca. O repertório dos dois é
triste, para o desespero do Dieckmann que não gosta de canções depressivas, que
falam de nomes riscados do caderno, de sorrisos apenas nas fotografias, de amor
que acaba sem foguete, sem luar sem violão, e por aí vai.
Quando o Luca e o Elio
marcaram o encontro no citado restaurante, trocando mensagens eletrônicas como
se fossem Charles Aznavour e Gilbert Bécaud, ou seja, em francês, veio-me logo
à mente que não deixariam de cantar “Ne me quitte pas”, o paroxismo da carência
afetiva representada em canção, que não faltaria no repertório dos dois na Brasserie.
E o Dieckmann, afundado nesse vale de lágrimas franco-brasileiro, se negaria a
distribuir este periódico. No entanto, “Ne me quitte pas” não foi executado;
eles, aliás, nem cantaram, não houve necessidade de eu soprar o diapasão. Mas noto
que me antecipo no relato desse almoço. Rebobinemos, então, a fita e iniciemos
antes da primeira garfada.
Eu vinha pela esquerda
e o Luca pela direita... Não! (*) Mudemos a visão da nossa chegada ao
restaurante, pois o meu amigo se assume gauche até no seu endereço
internético. Eu vinha pela direita e o
Luca pela esquerda, quando nos esbarramos à frente da Brasserie. Mal nos
saudamos e ele apontou a parte de cima do restaurante do lado.
-Lá, Carlinhos, tem um
sebão. Vi “Le Rouge et Le Noir”, do Sthendal, livros de Balzac e de Flaubert.
-Só franceses?... - já
imaginei que ali fosse uma extensão da Brasserie.
Depois de responder
negativamente, indagou pelo Elio.
-Horas antes, ele
reafirmou nosso almoço aqui, às 12h 30min.
Entramos e o Luca
pediu uma mesa para quatro; angelicamente, perguntei-lhe se viria um quarto
comensal. Não, uma cadeira seria ocupada pela minha mochila, pelo envelope que
trouxera e, se fosse o caso, com a pasta do Elio.
Confessávamos que era
a primeira vez que lá aparecíamos, quando o garçom nos abordou com as perguntas
da profissão. Bebidas? Luca pediu para provar o chope da casa, ratificando o
seu desconhecimento sobre a Brasserie; o garçom, logo em seguida, enumerou as
entradas.
Uma senhora da mesa ao
lado, observando que nós dois éramos novatos, como aquele ministro do STF cujo
nome me foge, se propôs a nos ajudar.
-O patê com pãezinhos
aqui é saboroso; acredito que vocês gostem.
Confiando nela,
agradecemos e voltamos a atenção para o garçom, que trazia uma pequena taça com
o espumante chope.
Sem degustação, pedi
um copo daquela bebida que, em seguida, seria aprovada pelo degustador.
-Muito bom. -
manifestei-me logo depois do primeiro gole.
-”Stella Artois”. Eles
devem servir aqui esta bebida. - deduziu.
Nossos elogios
entusiasmados também ao patê com pãezinhos incentivaram a nossa guia
gastronômica que, erguendo-se da cadeira para sair, ainda nos aconselhou a
pedir o prato principal com antecedência, pois o restaurante não atende com
pressa.
-Temos de esperar o
nosso amigo Elio. - disse-me o Luca.
Para mim, que
saboreava o chope e o patê com os pães fatiados, nunca um atraso me deixou tão
relaxado.
-Carlinhos – disse
reticentemente – enquanto sacava uma fotografia do envelope que se achava na
cadeira do seu lado.
-A Candinha encontrou,
finalmente, o retrato da turma de vocês.
Com ele na mão,
precisei o ano e a turma: 1958, 4º ano primário. Como já estivera com esse
instantâneo nas mãos meses antes, não encontrei dificuldades para localizar a
minha irmã, a cunhada do Luca e a mim. Eu mostrava um sorriso de felicidade,
não um sorriso de fotografia.
Agora, tirava do
envelope um cardápio, que me passou às mãos, com aperitivos e acepipes escritos
na língua de Cervantes.
-Isso é do restaurante
mais antigo do mundo. A minha Carolina trouxe da Espanha.
Será que eles lá distribuem
esses cardápios que, na realidade, são simples, aos turistas? - perguntei a mim
mesmo, pois não pretendia me aprofundar nessa questão.
-E o Elio? -
mostrava-se ansioso depois de olhar pela segunda vez a entrada da Brasserie.
O gesto não lhe exigia
muito esforço, diferentemente de um almoço nosso, no Alentejano, quando girava
o pescoço em 90 graus, após fazer a mesma indagação.
-Do escritório dele
até aqui é longe. Ele está a caminho. - disse-lhe, enquanto me regalava com o
serviço da Brasserie.
-Você assistiu à “Roda
Viva” com o biógrafo do Roberto Carlos?
-Não, Luca.
-Pena, pois merecia
ser visto.
-Não há problemas,
basta-me baixar no Youtube.
-Faça isso, Carlinhos,
faça, pois você não vai se arrepender.
Falou da entrevista,
mas com intervenções minhas, pois previ que o assunto seria requentado quando o
Elio ocupasse a cadeira vazia ao meu lado esquerdo. E, assim, consegui me
reportar as peripécias nada recomendáveis da Paula Lavigne, expostas por ela
mesma às revistas masculinas. Ela que, até então, era a porta-voz dos artistas
que lutam para as biografias passarem pela censura prévia antes de serem
editadas.
Mudei o tema da
conversa para um dos últimos programas do Rádio Memória para falar do ator
recentemente falecido.
-O Simon Khouri disse,
e eu ignorava, que ele não sentia o gosto das coisas, que sofria de falta de
paladar. Se ele tomasse remédio, o efeito colateral era a insônia, atravessar a
noite como um zumbi.
-A Glória (sua esposa)
me disse que o Cláudio Cavalcanti tinha o mesmo problema.
-Luca, é dele que
estou falando: Cláudio Cavalcanti.
-Mas você disse Flávio
Cavalcanti.
-Eu disse?!... Cacete,
troco os nomes sem perceber.
Luca esboçou um
sorriso de complacência.
-Já troquei o nome do
Jonas Vieira pelo do pastor e, até hoje, ele não metabolizou a minha troca.
-E aquele seu amigo
que vai ao Rádio Memória.
-O Dieckmann?
-Não.
-Ah, sim, o Sérgio
Fortes. Ele tem um programa de divulgação da Orquestra Sinfônica Brasileira na
Rádio MEC, domingo, à uma da tarde.
-Olha o Elio. -
anunciou o Luca.
(*) “Que
susto!” Exclamou o Dieckmann ao ler essas linhas. “Parece que adentramos uma
produção cinematográfica, onde o roteiro vai sendo esculpido enquanto os atores
se movimentam, trazendo-me à memória o filme Quando Paris Alucina (Paris When
it Sizzles!), onde o roteirista Richard Benson titubeava entre esquerda,
direita, noite-dia, Grand Palais-Torre Eiffel, enquanto a fita rolava com um toque
non-sense que a contagiou por completo (e estragou o resultado). O Distribuidor
do seu O BISCOITO MOLHADO coletou estas
frases num momento de raro e puro encanto do referido cinéfilo, muito mais
afeito a criticar, espezinhar e outros verbos do gênero..
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