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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4306 Data: 03 de novembro
de 2013
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ALMOÇO DO TRIO
PARTE II – O PRATO
PRINCIPAL
Elio se aproximou de
nós com a sua placitude habitual.
-Desculpem-me o
atraso.
-Ora, Elio. - disse o
Luca achando graça de tanta cerimônia.
-Telefonei três vezes
para o Carlos.
Apesar de a Brasserie
não ser barulhenta como a grande maioria dos restaurantes, nenhum som do meu
celular foi ouvido; tirei-o do bolso da calça e constatei que havia três
chamadas perdidas.
-Se eu tivesse
colocado para vibrar... Meu celular, vez ou outra me prega essa peça.
-Vocês já pediram?
-Elio, o patê com
esses pães são ótimos. - garantiu o Luca.
O garçom, que já
chegara, ouviu o Elio pedir mais pães.
-Chope também?
-Água mineral.
O afastamento do
trabalhador da casa, franqueou o momento para
o Luca entrar com o assunto das biografias não autorizadas.
-Não, Luca, eu não
assisti ao “Roda Viva”.
-O entrevistado, que
escreveu a biografia do Roberto Carlos...
-Paulo César de Araújo.
- interrompeu-o o Elio ao perceber que ele esquecera o nome.
-Isso mesmo, Paulo
César Araújo foi o entrevistado.
E prosseguiu:
-O Roberto Carlos não
percebeu que é rejeitado pela elite. Essa biografia vem até ao seu favor. Mas o
Roberto Carlos, acreditando-se rei, de fato, julgou-se acima de tudo. O Alberto
Dines, quando falou...
-Alberto Dines foi um
dos entrevistadores? - cortei, pensando que, na minha época de estagiário do
Jornal do Brasil, em 1977, ele era considerado o cabeça desse jornal.
Depois de confirmar,
reiniciou a sua narrativa.
-Alberto Dines falou
que as canções de Roberto Carlos têm letras pueris, melodias pouco inspiradas,
que não é rei de nada.
Bem, caros leitores do
Biscoito Molhado, as palavras do meu amigo de décadas não foram justamente
estas, como as do Alberto Dines, talvez, não sejam estritamente as que o Luca
reproduzia, mas o sentido era o mesmo.
-Sobre essa história
de lentidão da justiça, de que o biografado levará um tempo enorme para se
ressarcir das inverdades do biógrafo, o ...
-Paulo César Araújo. -
lembrou-lhe o Elio.
-O Paulo César Araújo
afirmou que, vinte dias depois do lançamento do livro, ele e o editor já
estavam diante do juiz que os ameaçava com 500 mil reais por dia caso o livro
fosse comercializado. - enfatizou.
-Esse grupo “Procure
Saber”, que é contra as biografias não autorizadas, se baseia nos artigos 20 e
21 do Código Civil que, na verdade, são inconstitucionais. - interveio o Elio
com considerações jurídicas.
-O João Máximo é um
dos mais conceituados jornalistas de hoje, no entanto, a biografia que redigiu
sobre o Noel Rosa foi brecada pelos sobrinhos do compositor. É o fim da picada.
- manifestei-me.
-O biógrafo do Roberto
Carlos afirmou que teve uma trabalheira dos diabos, que entrevistou centenas de pessoas... E o
Chico Buarque disse que não foi entrevistado... Ele mostrou logo fotos que
comprovam essa entrevista.
-O Chico Buarque disse
que esqueceu.
-No Roda Viva,
afirmaram que a entrevista que ele deu na Última Hora, sem o Samuel Wainer,
jornal já nas mãos da ditadura, e que o Chico nega, também foi dada.
E completou
enfaticamente o Luca:
-Mas eu não arredo um
milímetro sequer da minha admiração pela obra do Chico Buarque.
Estranhei, creio que o
Elio também, a veemência do nosso amigo, pois ninguém colocava em dúvida o
talento artístico dele, nem mesmo o Millor Fernandes, quando o acusava de fazer
da sua ideologia um investimento para ganhar dinheiro.
A chegada dos pratos
solicitados por nós, peixe e carne, descontraiu a nossa conversação.
-Caramba, como este
peixe está saboroso! - não me contive.
-Esta carne é muito
gostosa. -seguiu-me o Luca nos elogios.
-Este restaurante é
muito bom, - manifestou-se o Elio, satisfeito com a aprovação da sua escolha.
Luca, como fizera
comigo, passou-lhe o cardápio do restaurante mais antigo do mundo em que sua
filha estivera.
-Também passei por lá,
quando fui à Espanha. - informou-nos o viajado Elio.
Chegou a vez do meu
retrato da escola primária.
-Você é este?...-
apontou.
-Não, sou o do lado
desse garoto.
Imaginando que me
achasse muito moreno, antecipei-me:
-O brasileiro nasce
preto e morre branco.
E acrescentei:
-Há fotografias de
Machado de Assis, jovem, em que ele era mulato, mas as que foram feitas quando
estava velho, ele já é branco.
-É verdade. -
confirmaram.
-Elio, você não sabe o
que aconteceu. - agitou-se.
-O que foi? -
despertaram a curiosidade dele e a minha.
-No torneio de tênis
de mesa, disseram-me que lá estava um “rankeado”, de nome Isaque.
E o Luca contou que,
como admirador do povo judeu e dos grandes praticantes desse esporte,
aproximou-se dele efusivamente chamando-o de Isaque.
-Eu não sou Isaque,
sou Ibrahim.
-Caramba! -
espantou-se o Elio.
-Pregaram-lhe uma
pegadinha? - perguntei com tonalidade de afirmação.
Elio mostrou-nos,
então, a semelhança entre nomes árabes e judeus, como Abraão e Ibrahim.
-Na verdade, são povos
irmãos.
-Ele me massacrou no
tênis de mesa. Eu, que pelo menos consigo vencer um set, quando sou derrotado,
perdi de zero. Será que se ofendeu pela troca de nome?... Não, não foi isso,
ele joga muito bem, mesmo.
A nossa conversa que
já fora interrompida com duas vibrações do celular do Elio, atendido com
pedidos de desculpas, vibrou mais uma vez. Era a sua mãe. Enquanto falava com
ela, meu pensamento ia para os ensinamentos de História que Dona Sarita passou para
o filho que, assim, se mostra capacitado para as viagens que faz na máquina do
tempo, repercutidas nas páginas deste periódico.
-Desculpem-me. -
pediu, logo que desligou.
-O que é isso?!... -
protestamos a cerimônia exagerada.
Na hora da vinda da
conta, Elio nos falou dos sortilégios da sorte.
Já na rua, Luca nos
mostrou o livro que comprara no sebo ao lado: “O Velho e o Mar”, de Ernest
Hemingway. Elio se reportou, então, ao livro que lia sobre o Rio de Janeiro do
século XVI. Mostrando que assimilara bem
a leitura, e que nos achávamos próximos ao Largo do Teles, discorreu sobre essas
ruas e construções do Rio de Janeiro no tempo colonial.
E, falando da nossa
cidade, se encerrou o nosso almoço com toque afrancesado.
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