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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5237 Data: 22 de novembro de
2015
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128ª VISITA À MINHA CASA
3ª PARTE
-“Always”, Irving Berlin,
outro estrondoso sucesso que me vem, agora, à mente.
- Eu compus, em 1925, quando
me apaixonei pela minha segunda e definitiva esposa, Ellin Mackay.
-Depois de treze anos da
morte de Dorothy, você casou?
-Mas não foi fácil. Ela era
herdeira de Clarence Mackay, um milionário católico. Ele se opôs de tal maneira
à nossa união, que a enviou para a Europa, onde esperava que pretendentes mais
interessantes para ele a fizessem se esquecer de mim.
-Você fez valer o seu
talento musical e a cortejou de um modo irresistível, imagino.
-Ela retornou da Europa
gostando ainda de mim, enquanto o seu pai declarava à imprensa que o nosso
casamento só aconteceria sobre o seu cadáver. Resolvemos, então, fugir e casar
numa cerimônia simples longe da mídia.
-O pai deserdou a filha?
-Deserdou e, quatro anos
depois, faliu com a queda das ações na quebra de Wall Street em 1929.
-Contam que você, esquecendo
as maldades sofridas, financiou o seu sogro.
-Deixe isso pra lá.
-Seu casamento, dessa vez,
não foi meteórico?
-Não, graças a Deus; fomos
inseparáveis até ela morrer em 1988 com 85 anos. Em sessenta e três anos de casados,
tivemos quatro filhos: Irving, que morreu criança, no Natal de 1928, Mary Ellin
Barrette, Elizabeth Irving Peters e Linda Louise Emmet.
-Apesar de você ser
insuperável em número de composições, letra e música, de qualidade, é justo
frisar que as músicas não brotavam da sua cabeça, que você suava para cria-las.
-Que eu sentia as dores do
parto, como disse Beethoven depois de sofrer para dar à luz à sua única ópera?
– riu com a comparação.
Após uma breve pausa,
prosseguiu:
-Suei sangue de verdade
quando compus “Annie Get Your Gun”.
-Considerada uma das maiores
produções da história da Broadway. – interferi.
-A trilha sonora de “Annie
Get Your Gun” era uma incumbência do meu grande amigo, um dos maiores
compositores da história da música popular, Jerome Kern. Desafortunadamente,
ele sofreu uma hemorragia cerebral e faleceu. Os produtores Richard Rodgers e
Oscar Hammerstein II me convenceram a levar a tarefa adiante. Eu relutei, pois
sabia que substituir Jerome Kern à altura era quase impossível.
-Mas tudo saiu bem; “Annie
Get Your Gun” foi o maior triunfo obtido na Broadway, até então, com 1.147
apresentações ininterruptas. – observei.
-Eu não acredito em
inspiração, eu acredito em trabalho. Em 1916, quando eu estava com 28 anos de
idade, concedi uma entrevista em que disse que, quando tinha de escrever uma
canção madurando no meu cérebro, ia para casa, jantava por volta das oito
horas, e depois, trabalhava nela se, preciso, até às quatro, cinco horas da
manhã. Até 1962, quando me aposentei com setenta e quatro anos, foi mais ou
menos assim.
-Você foi um compositor tão
profícuo que foi criado o “Music Box Theater” exclusivamente para as suas
criações.
O “Music Box Theater” foi
elaborado pelo arquiteto C. Howard Crane, em 1921 e construído por mim e pelo
produtor Sam H. Harris com o objetivo específico de pôr em cartaz as minhas
peças de teatro musical. Nesse ano de 1921, eu já compunha bastante, mas o
produtor apostou em mim.
-Era o único teatro da
Broadway dedicado as representações de um só compositor. – pontuei.
-Era pequeno, mil e nove lugares sentados,
mas, para mim, me bastava.
-A canção mais gravada da
história, durante muitos anos, é sua: “White Christmas”, “Natal Branco”.
-Composta por um judeu. –
riu.
-Vendeu 50 milhões de discos
em 1942, quando o mercado não tinha a dimensão de hoje, quando a venda de 5
milhões de discos já é uma façanha! – exprimi meu assombro.
-Evidentemente que, ao
compor essa canção, eu não imaginava nem de longe essa marca, mas a
popularidade do Bing Crosby ajudou.
-Em 1942, as gravações eram
feitas numa chapa.
-Eram os discos de 78 rpm, o
material usado na fabricação era a goma-laca, antes, era o ebonite. O LP só
surgiria em 1948. - acrescentou.
-Pois é; de uma única chapa
de gravação, um número elevadíssimo de cópias poderiam ser feitas, contudo
“White Christmas” vendeu tanto que extrapolou esse valor e uma nova chapa de gravações
teve de ser feita, pois a demanda persistia.
-É verdade – confirmou. O
Bing Crosby teve de fazer uma nova gravação e, coitado, teve de reproduzir tudo
igualzinho, cada respiração tinha de ser idêntica à da gravação original. O
público não poderia notar a menor diferença que fosse.
-E ele conseguiu?
-Bing Crosby foi um grande profissional;
conseguiu.
-Essa canção evoca anseio
nostálgico e as pessoas se identificaram com ela, além da beleza da melodia
naturalmente. Mesmo nos países tropicais, como o Brasil, o sucesso foi grande.
-O menino dentro de mim
nunca saiu. – declarou.
Respirou fundo e prosseguiu:
-Ao longo da minha vida, eu
tinha por hábito visitar os lugares onde passei a minha infância de vendedor de
jornais, de garçom de Café, de artista de rua. Passava
pela Praça Union, Chinatown, o Bowery, “Lower East Side.” Lembrava as moedas que
recolhia dos populares que gostavam do meu canto, os cortiços onde dormia.
-Você, Irving Berlin,
visitava os velhos fantasmas.
-Todo homem deve ter um
“Lower East Side” em sua vida.- declarou.
-Eu entendo; lá, o seu
caráter foi formado.
-Todo o meu ser. – foi
enfático.
-Dizem os seus biógrafos que
você nunca esqueceu os amigos, quando passou a ganhar rios de dinheiro, que
sempre foi simples até na maneira de ser vestir, jamais foi um janota.
-Sim, ganhei e doei muito
dinheiro. Certa vez, meus advogados me aconselharam a depositar a minha fortuna
em paraísos fiscais, disse-lhes um peremptório não. “Eu quero pagar impostos.
Eu amo este país.”
Fez uma pausa e prosseguiu:
-Visitar velhos fantasmas...
Fantasma, isso sim, era a minha casa queimada pelos cossacos em Tyumen. As
minhas idas e vindas de “Lower East Side” me revigoravam.
-Você disse que se aposentou
com 74 anos, mas eu acredito que ainda portava por, mais ou menos uns vintes
anos, o fogo da criação.
-Parei em 1962, porque o
mundo mudara muito. Eu fazia canções, trilhas sonoras, música, enfim, que
espelhava o gosto do americano comum, mas ele não era mais o mesmo. Porém,
reafirmo, que até os cento e um anos de idade, eu não deixei de amar a América.
-Você morreu em Nova York.
-Sim; e fui enterrado no
Cemitério de Woodlawn no Bronx.
-Depois dos cinco primeiros
anos de vida turbulentos, você morreu sossegadamente, dormindo.
Não ouviu as minhas
palavras, já havia partido para outras paragens.
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