--------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 5234 Data: 18 de novembro de
2015
------------------------------------------------
SABADOIDO
-Claudio, tem ido ao cinema?
-Carlinhos, o cinema está muito caro. Vou muito
raramente.
-Idoso paga mais barato; aproveite. Veja o Xalulu: Vê
até cuspe à distância no Engenhão, porque entra sem pagar.
-O Xalulu assistiria, se houvesse no Engenhão, até
arremesso de anão. - acrescentei.
-Arremesso de anão eu assistiria também. - disseram a
quase uma só voz meu irmão, o Daniel e a Gina.
-Num discurso de paraninfo, o ministro do STF, Luiz
Roberto Barroso, disse que os anões se revoltaram contra uma medida que proibia
esse “esporte”. Eles se sentiram desprestigiados.
-No cinema, mesmo para o idoso pagando menos pela
entrada, é caro. - voltou meu irmão ao assunto.
-Em economia, chama-se free rider, aquele que
paga menos ou não paga; são os idosos, os estudantes na maioria das vezes. Há
muitos idosos e estudantes de famílias abonadas que deveriam pagar tudo. Quem
acaba pagando por eles são os outros consumidores que, muitas vezes, têm menos
posses.
-Concordo, Carlão, por isso o ingresso do cinema, do
futebol é tão caro. - manifestou-se meu sobrinho.
-Quanto ao cinema, eu só assisto aos filmes da
televisão; para mim, não faz diferença. - disse a Gina.
-Eu tenho um colega de trabalho, que é xará do atual Ministro
da Fazenda, que, quando pega o metrô comigo, não se conforma porque eu pago a
passagem.
-Carlão não quer ser idoso.
-Eu não quero ser free rider, Daniel.
-Bobagem sua, porque o metrô embolsa mais dinheiro
ainda.
-É verdade. - concordou o Claudio.
-Lembram-se do preço do cinema no passado? -
perguntei.
-Eu não me lembro. - pilheriou meu sobrinho.
-Houve, uma vez, no Cine Cachambi, um festival de
filmes nacionais, de segunda a domingo um filme diferente e nós assistimos a
todos sem exceção, sem problemas de dinheiro, que era escasso lá em casa.
-Problema foi o filme da segunda-feira, “Amei um
bicheiro”, que era proibido para menores de 18 anos, mas nos deixaram entrar
porque estávamos com a mamãe. - recordou meu irmão.
-O filme de domingo era “Nem Sansão nem Dalila”. Eu
estava tão fixado na Fada Santoro, que nem notei que o Oscarito faz um discurso
imitando o presidente Getúlio Vargas.
-Ele imita mesmo, Carlão?
-Imita; claro que a criançada da plateia não entendeu
essa ironia; eu só soube quando revi o filme na televisão poucos anos antes.
-Eu e minha irmã íamos ao cinema também e, apesar de
não sermos de família rica, não havia problemas com o preço das entradas. -
disse a Gina.
-Só uma vez houve problema...
-Comigo, não. - cortou-me o Claudio.
-Aconteceu comigo e com a nossa irmã em um filme do
Mazzaropi. Era um domingo; e, quando fomos comprar as entradas, a bilheteira
nos disse que, para aquela fita, o ingresso era mais caro. O nosso dinheiro não
dava.
-Vocês voltaram? - interessou-se a Gina.
-Voltamos e recorremos ao papai.
-O que ele disse, Carlão?
-Papai meteu a mão no bolso esbravejando: “Eles é que
têm de pagar para vocês verem os filmes do Mazzaropi”.
-Seu Amaury tinha razão. - disse a Gina com um sorriso.
-Certamente, pois, dos filmes brasileiros daquela
época, só não consigo rever os do Mazzaropi. - concordei.
-Os paulistas adoravam. - assinalou meu irmão.
-Se a minha memória não falha, creio que foi, nesse
domingo, que encontramos, na volta do cinema, o papai exultante porque o
Fluminense, já campeão carioca de 1959, jogou a última partida do campeonato
contra o Botafogo e empatou de 3 a 3 depois de estar perdendo de 3 a 1.
“Queriam dar baile no campeão e se deram mal” - dizia o papai revoltado com
essa “audácia” dos botafoguenses.
-Carlinhos deu sorte de estar no cinema, se não, o
papai ia correr atrás dele.
-Carlão, ele fez isso com você?
-Só uma vez, Daniel; em 1958, quando o Botafogo venceu
o Fluminense por 2 a 1. Ele correu atrás de mim, subi no muro, daí para o
telhado da fábrica EMPER.
-Quem mandou virar casaca? - manifestou-se a tricolor
Gina.
-Criança não pode sofrer desilusões muito fortes. No
jogo do turno do campeonato de 1957, o Fluminense ganhou de 1 a 0 do Botafogo e
eu enlouqueci quando o Castilho agarrou o pênalti batido pelo Didi. Eu dava
saltos na cama agarrado a um travesseiro, com se eu fosse o Castilho e o
travesseiro, a bola. Quando jogaram decidindo o campeonato, eu estava
empolgadíssimo. Aqueles 6 a 2 me deixaram arrasados. - justifiquei-me.
-E por isso, Carlão, vira para o lado do inimigo?
-Daniel, o Botafogo tinha Garrincha, Nílton Santos,
Didi, Paulo Valentim, que fez cinco gols nessa decisão, um deles de bicicleta.
-Naquela época se televisionava todos os jogos do
Maracanã – disse meu irmão.
-Eu assisti à decisão na TV da casa da vovó, a mamãe
não ficava um domingo sem ir lá. Saímos antes do término da partida. No ônibus,
soubemos que o Fluminense marcara um gol, veio uma esperança de reação, mas, em
casa, soubemos da derrocada.
-Você virou casaca logo, Carlão?
-Não, talvez uma semana depois.
-O que aconteceu quando você comunicou o divórcio ao
seu pai? Porque isso é traumático como um divórcio.
-Talvez ele tenha pensado que era uma reação
momentânea. Lembro-me que fui patrulhado até pelo noivo da irmã mais nova da
mamãe que era vascaíno; durante um tempo, ele só me chamava de vira-casaca.
-Vou tocar teclado. - soergueu-se meu sobrinho do
banco de alvenaria que dividia com a mãe.
-Fique mais um pouco para saber a causa de você ser
Fluminense. -disse-lhe.
-Eu já sei; sou Fluminense porque tem as cores mais
bonitas, os maiores craques...
-Você é Fluminense porque pertence a uma dinastia: avô
paterno...
-Avô materno também. - interrompeu-me a Gina.
-Avôs, pais...
-E o bisavô?
-Claudio, eu acho que o nosso avô gostava mais de
turfe do que de futebol.
-Ele também era tricolor, não tão fanático como o filho.
- garantiu meu irmão.
-Bem, agora vou para o teclado tocar o hino do
Fluminense.
-Se for gravar, Daniel, faça como o pianista Arthur
Moreira Lima, que o dedicou ao Ademir, ao Didi e ao Castilho. - aconselhou o
Claudio.
-Ao Didi não, que ele participou daqueles 6 a 2 de
1957. É um traidor.
-Nesse dia, depois do jogo, Didi, pagando uma
promessa, Didi foi a pé do Maracanã a General Severiano seguido por uma legião
de fãs, mas, em respeito ao Fluminense, passou o mais longe possível da Rua
Álvaro Chaves. - lembrei.
-Então está perdoado. - disse a Gina, enquanto o
Daniel rumava para o teclado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário