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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5226 Data: 07 de novembro de
2015
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SABADOIDO
-Entrei na livraria Saraiva, na Rua Sete de Setembro,
em busca do livro do Fernando Henrique Cardoso...
-“A Miséria da Política?” –
interferiu o Claudio.
-Não, o cartapácio de que
quase mil páginas. Nem me lembro agora do nome.
-O livro em que ele fala mal
de todo o mundo, menos dele?
-Claudio, se você... mudemos
para eu... se eu for gravar de noite o que aconteceu no meu trabalho, pouca
gente vai escapar, imagine, agora, se eu estivesse exercendo a Presidência da
República. O Getúlio Vargas declarou que, durante os anos em que esteve no
poder, e foram muitos anos, não apareceu um só político lhe perguntando o que
poderia fazer pelo Brasil, mas o contrário; é o mesmo sentido da frase que
seria dita pelo Kennedy, quando assumiu, uma década depois, a presidência dos
Estados Unidos.
-“Diário da Presidência”. -
lembrou meu irmão o nome do livro.
-Retomando o fio da meada;
eu fui à Saraiva comprar esse tijolo, mas sem muito tempo para namorar os
livros que lá estavam expostos; assim, rumei logo para a seção “Novidades”. O que encontro lá?... “Os Irmãos Karamazov”.
-Se os “Irmãos Karamazov”
são novidades, o que seria “Antiguidade”?
-“A Bíblia de Mogúncia” –
respondi ao meu irmão – que a Rosa Grieco sempre põe a mão quando faz um
juramento.
A Bíblia de Mogúncia foi
impressa por Johannes Gutenberg, o inventor da prensa de tipos móveis, de 1450
a 1455.
-Encontrou a “Bíblia de
Fofocas” do Fernando Henrique Cardoso? – pilheriou meu irmão.
-Não.
-Carlão, você procurou na
seção errada; tinha de ir na seção de livros de terror.- brincou o Daniel.
-Comprou, então, “Os Irmãos
Karamazov”? – quis saber meu irmão.
-Para reler?... Depois que li
a entrevista desse brasileiro originário da Rússia, que revelou que fez a
revisão das revisões dos livros de Dostoievski, porque os revisores mudaram
para o português castiço o russo coloquial do original; depois, principalmente,
que reli “Crime e Castigo” em que essa linguagem informal é respeitada na
tradução, além de as notas de rodapé do tradutor serem altamente
esclarecedoras, temi encontrar “Os Irmãos Karamazov” com aquela velha tradução
rebuscada.
-Ora, por que você não
folheou o livro para saber, Carlinhos?
-Eu já havia feito
musculação.
-Carlão é assíduo, agora, na
academia da terceira idade. - manifestou-se meu sobrinho.
-Tratava-se de um livro de
capa dura, que é muito bom para chamar a atenção nas estantes, mas horrível
para ler. Eu presenteei, dois anos atrás, a Rosa Grieco com uma biografia do
Toulouse Lautrec, de capa dura, e ela, mesmo lidando com livros há 80 anos,
escreveu, numa carta, que tinha de fazer uma autêntica ginástica para lê-lo. Eu
prefiro brochura e a Rosa, em se tratando de livros, também.
-O Luís Fernando Veríssimo
disse que não leu “A Lanterna na Popa” porque temia que o osso esterno dele afundasse.
- lembrou meu irmão.
-Osso esterno... caiu numa
prova de Ciências no Santa Mônica; é o osso que fica na parte anterior do tórax
e tem o formato de um “T”. Ele, então, lê deitado. – disse meu sobrinho.
-A piada do filho do Érico é
boa; ele só se perde quando escreve sobre política e, principalmente, sobre
economia, de que nada entende. - comentei.
-Você leu “A Lanterna na
Popa”, não foi?- indagou-me meu irmão.
-Li a grande maioria das páginas na cama, em decúbito
dorsal, e não houve problema algum com o meu esterno.
O Daniel, sempre pândego, interveio.
-Mesmo assim, Carlão, você deveria poupar o seu tórax,
ora lendo em decúbito dorsal, ora, em decúbito ventral.
-Lendo, em decúbito ventral, eu só vi mulheres, mas
nas praias apenas.
-Elas fingem que leem, Carlão, na verdade, bronzeiam
as costas e a popança. (*)
-Esse livro do Roberto Campos tinha umas mil páginas e
foi editado em brochura com 2 volumes. “Guerra e Paz”, do Tolstoi, que tinha
umas 1200 páginas, eu li, numa edição da Abril, em capa dura, mas dividido em 4
volumes. Assim, a dificuldade, para mim, foram só as letras que eram um tanto
pequenas.
-Você lembra, Carlão, daquele desenho animado em que o
Charlie Brown ficou em recuperação, na escola, e teve de passar o fim de ano
lendo “Guerra e Paz”?
-Claro, Daniel, é um dos meus desenhos prediletos. No
meio da festa da passagem do ano, Charlie Brown lia o livro e acabou dormindo.
Apareceu, então, a garotinha ruiva, o seu amor platônico e ele não viu.
-Você leva romance para ler no Trabalho? – quis saber
meu irmão.
-Anos atrás, eu levava. Quando a SUNAMAM estava jogado
às traças, eu li todo o “Tocaia Grande”, do Jorge Amado, em uma semana, sem
precisar levar o livro para casa, pois era de uma colega.
-No horário do almoço, é permitido ler na Casa da Moeda.
- informou meu sobrinho.
-No meu trabalho, o You Tube e o Facebook ficam
desbloqueados das 12h 20min às 14 horas e eu fico, então, com as minhas vistas
no computador.
-Para o funcionário público é mais fácil ler e
escrever na hora do expediente; numa empresa privada, o funcionário, se fizer
isso, leva um pé na bunda. - disse a Gina que vinha do quintal para a cozinha
onde estávamos os três.
-Por coincidência, eu assisti a um documentário,
anteontem, sobre o Carlos Drummond de Andrade. Ele diz que, mesmo atuando como
chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, conseguiu achar tempo para
escrever alguns versos.
-Mas ele foi um chefe de gabinete brilhante? – mostrou-se
cética.
-Foi; muitas personalidades do mundo cultural, Villa
Lobos, Jorge Amado, entre outras, elogiam o trabalho do Drummond, que
facilitava as coisas quando tinham de falar com o ministro do Getúlio Vargas.
-Sei não. - insistiu no seu ceticismo.
-O melhor exemplo é o Machado de Assis; ele era o
diretor geral da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação e Obras
Públicas. Como os republicanos desconfiavam que ele fosse simpatizante do Imperador
Pedro II, tiraram o cargo dele quando a República foi proclamada. O Medeiros e
Albuquerque, no livro de memórias “Quando Eu Era Vivo”...
-Eu li esse livro. – cortou-me o Claudio.
-O Medeiros e Albuquerque não diz isso claramente; ele
escreveu que tiraram o cargo do Machado de Assis para que ele tivesse mais
tempo para se dedicar à literatura. Mais tarde, quando o Artur de Azevedo
declinou o convite para ser diretor e que, assim, Machado de Assis retornasse
ao seu antigo posto...
Tomei fôlego e concluí:
-A alegria do
Machado de Assis foi tamanha, que o Medeiros e Albuquerque se conscientizou de
quanto eles, os republicanos, magoaram o nosso maior escritor.
-Machado de Assis poderia, agora, voltar a escrever os
seus romances no ministério. – alfinetou a Gina.
(*) Às vezes, o Distribuidor do seu O
BISCOITO MOLHADO topa com o que parece errado e, na dúvida, pergunta ao Criador.
Neste caso, embora poupança signifique habitualmente derrière, a
proximidade com a lanterna na Popa indicou ao Distribuidor que nada mexesse.
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