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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5229 Data: 11 de novembro de
2015
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212ª
CONVERSA COM OS TAXISTAS
O taxista dessa vez era o Albino, que eu considero o
mais culto de todos os que conheço da cooperativa. Como a pergunta recorrente
dele, logo que me vê, é sobre o metrô, eu me antecipei.
-Nessa viagem, agora, da estação da Carioca para Maria
da Graça, duas senhoras se estranharam.
-No metrô, o nível não é melhor do que no trem da
Supervia?
-Creio que sim; mas elas não se xingaram, nem se
estapearam.
-O que houve entre as duas?
-As senhoras viajam em pé, quando vagou um lugar no
banco, então, uma delas quase que passou por cima da outra para se sentar. A
que continuou em pé...
-Ela estava mais próxima do lugar vago?
-Isso; ela reclamou e a outra se justificou alegando
que era mais velha e estava muito cansada.
-Era mais velha mesmo?
-As duas regulavam a mesma idade, uns 50 anos. As
palavras exatas foram essas: “Você é mais jovem do que eu, pode ficar em pé”.
-Para uma mulher dizer que a outra parece mais jovem,
é porque estava mesmo à beira da estafa. - concluiu o Albino.
-Mesmo com esse, digamos, elogio, a que ficou em pé
grasnou algumas palavras contra a truculência da outra, que ouviu calada e,
depois, sossegou.
-Não parece, mas essa questão de se sentar em condução
é séria. Você viu o filme “Selma”?
-Não assisti ao filme, mas já li bastante a respeito
do assunto dessa fita. - respondi.
-Porque uma negra não se levantou, num ônibus, para
ceder seu lugar a um branco, começou a luta pela igualdade racial, nos Estados
Unidos, liderada pelo Martin Luther King.
-No caso dessas duas, elas eram brancas. Como dizem os
negros: “Eles, que são brancos, que se entendem.
-Montgomery... Modigliani – corrigiu-se; troquei o
nome da rua com uma das cidades do filme.
Saltei e lhe desejei um bom serviço.
No dia seguinte, por uma incrível coincidência, pois o
Albino não costuma trabalhar no horário da minha chegada à Rua Domingo de
Magalhães, peguei novamente o seu táxi.
-Falávamos ontem sobre a luta por um banco para se
sentar no metrô.
-Há um vídeo, no Facebook, que mostra uma guerra
dessas, mas foi realizado com intenções cômicas. - seguiram-se as palavras
deles às minhas.
-Se filmassem antes da inauguração da Cidade Nova,
quando havia baldeação no Estácio, não havia nada de comicidade, era guerra
mesmo. Vi dois passageiros se chutando, uma loura de uns 55 anos
esborrachando-se com os peitos no chão, porque tropeçou enquanto corria para
pegar um banco para se sentar e por aí vai.
-A viagem de metrô não é rápida?... Por que essa ânsia
por um banco para se sentar?
-É verdade – disse-lhe -; eu me lembro do George
Foreman que, lutando com 50 anos de idade, nunca se sentava nos intervalos
entre um round e outro das lutas de boxe.
-Ele devia querer manter o organismo sempre ativo
durante a luta, por isso, recusava o banquinho que o seu treinador colocava
para ele. – conjecturou.
-Nesses trens chineses do metrô, as barras para os
passageiros se segurarem ficam numa altura que provocam dormência nos meus
braços, por isso, procuro os balaústres para segurar, o problema é que eles
ficam junto aos bancos dos idosos.
-Problema? - estranhou.
-Problema porque as pessoas, digamos, mais jovens,
imaginam que estou exigindo que elas se levantem para eu sentar ou, então, que
estou mendigando um lugar. Procuro evitar contato visual com essas pessoas.
-Ora, você tem direito. - declarou.
-Eu trabalho o dia todo sentado... É verdade que eu
bem que gostaria de me sentar para fazer palavras cruzadas na viagem.
-Então?...
-Certa vez, uma senhora que aparentava uns 67 anos,
levantou-se para me ceder o lugar e prosseguir a viagem em pé, protestei, mas
não adiantou. Eu senti com uns 80 anos de idade.
-Uma mulher para se mostrar mais jovem faz qualquer
sacrifício, até mesmo fazer o que essa fez. Já imaginou se, em vez de você, ela
cedesse o lugar para outra senhora que aparentasse menos idade do que ela? Era
declaração de guerra.
Sorri com o comentário do Albino e estiquei a
conversação.
-Anteontem, de tarde, eu estava me exercitando na
academia da terceira idade...
-Aquela que fica na sua rua?
-Essa mesmo. Estava apenas eu lá, quando chegou um
jovem, desses “havaianos de praia”, como dizia o Nélson Rodrigues,
cumprimentou-me com um discreto movimento de cabeça e se pôs a exercitar. Sem
que ele percebesse, eu observava a sua ginástica. A comparação entre mim e ele
foi inevitável; eu me julguei com uma lerdeza de lesma diante dos gestos
vigorosos dele.
-E ficou arrasado?
-Fiquei, mas depois de uns minutos, eu pensei: saí da cama
às 4h 30min da manhã, assinei o ponto no trabalho, depois da viagem de metrô,
às 6h 10min. Trabalhei 8 horas, voltei para casa de metrô, e estou aqui, às 4h
da tarde me exercitando. Será que esse “havaiano de praia”, passando por esse
meu dia, estaria, agora, com esse vigor?
-Esse pessoal jovem, mesmo atravessando a noite
acordados, ainda estão cheio de energia.
-Sim, mas eu não tinha porque ficar arrasado.
-Modigliani. - avisou.
No dia
subsequente, foi a vez do táxi do Paizão
-Desisti, agora definitivamente, de ir a pé até a
Estação de Del Castilho para pegar o metrô.
-Por causa dos cracudos? - indagou-me.
-Por causa dos pedidos de dinheiro que são um quase
assalto. Semana passada, um sujeito, que me pareceu saudável para ser cracudo, grudou
em mim e me pediu dinheiro.
-Comigo eu vou logo dizendo que não dou. - bravateou o
Paizão.
-Eu, que ia com passadas largas, parei em frente da
academia de ginástica, perto da igreja, porque ali o dono, um português,
ilumina tudo, e o vagabundo, percebendo a minha intenção, mandou que eu
seguisse adiante, ou seja, para a parte mais escura da rua.
O Paizão estava mais disposto a falar do que a ouvir e
entrecortou a minha fala por diversas vezes.
-Eu falo assim: “Quer dinheiro? Só se for para um
sanduíche.”
-Com esse, não tinha nada de sanduíche, não. -
disse-lhe.
-Uma vez, paguei um sanduíche para um desses caras,
numa padaria, quando soube que ele ia vender o sanduíche lá fora, falei que
nunca mais lhe dava nada.
Achei a história do Paizão estranha e prossegui com a
minha.
-No caminho, o tal sujeito me disse que já mataram
dois ali e insistiu em saber onde eu morava. Puxei 2 reais da carteira e ele me
disse que queria 10. Vi, pelo aspecto dele, que lhe dar os 2 reais era a melhor coisa a fazer.
-Eu não dava. - continuou o Paizão com a sua
bravata.
-Ele pegou os 10 reais e ainda puxou os outros 2,
resumindo: foi um assalto sem armas.
-Eu não dava. - insistiu.
-Ele não levou tudo o que eu tinha, penso eu, porque o
tráfico deve matar quem rouba nas proximidades, pois a reportagem da Record,
disseram-me que a da Globo também, esteve por lá, por causa dos assaltos.
Talvez isso explique os dois mortos de que ele falou.
-Pediu-me dinheiro, não dou.
Eu ouvia o Paizão e o imaginava, até a chegada do seu
táxi, na Rua Modigliani, com seus 81 anos, atracado com um assaltante.
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