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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5236 Data: 21 de novembro de
2015
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128ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE
-Como a sua educação se deu,
praticamente, nas ruas, você, Irving Berlin, foi um músico autodidata?
- Eu tenho uma ideia, um
título, uma frase ou uma melodia, que vai se formando na minha cabeça. Quando a
canção se completa, eu a memorizo e a canto para o arranjador que as escreve no
pentagrama.
-Mas você tocava piano.
-Eu só tocava as teclas
pretas do piano. Eu havia comprado um piano de segunda mão em 1909. Quando pude,
financeiramente, adquiri um piano especial, com uma tonalidade abaixo no
teclado, que me possibilitou transpor minhas músicas mecanicamente.
-Esse piano, Irving, está
num museu da Bélgica.
-Devo muito a ele.
-Muitos especialistas dizem
que foi bom você seguir o seu dom natural para a música, pois a teoria musical,
caso a estudasse, poderia dar cãibras no seu estilo.
-Quando o meu amigo George
Gershwin pediu a Ravel que lhe ensinasse música, ele lhe disse: “É preferível
você ser um ótimo Gershwin a ser um mau Ravel”. Isso foi quando Gershwin
resolveu se concentrar apenas na música clássica.
-Sim, Irving, mas música
popular, ele, podemos dizer, aprendeu com você. Disse Gershwin que a sua música
tem vitalidade, tanto rítmica quanto melódica, que nunca perde a sua frescura
exuberante. Que o seu fluxo melódico colorido é uma maravilha.
-Nossas famílias fugiram das
perseguições aos judeus na Rússia para a América. Gershwin era um ótimo
pianista, não foi o meu caso.
-Sim, porém, ele deixou
registrado que aprendeu muitas coisas com você, que o seu ragtime, o seu jazz,
a sua música, enfim, era o único idioma musical que expressava adequadamente a
América.
-“Alexander’s Ragtime Band”,
o meu primeiro grande sucesso, composto em 1911, não era, na verdade, um rag,
como o do Scott Joplin, de dez anos atrás, mas uma marcha. Mas gostaram tanto
dela que o ragtime ressurgiu com toda força.
-Voltando a Gershwin, ele
declarou que “Alexander’s Ragtime Band” era o primeiro trabalho musical
realmente americano, que você mostrou o caminho a todos os compositores, que,
agora, era mais fácil atingir “o nosso ideal”.
-Foi um sucesso não só
nacional como internacional – admitiu apesar da sua modéstia.
-Os russos também adoraram
essa música, também, por ironia, a família imperial. Contam que, num baile, em
Londres, o príncipe Felix Yusupov, descendente de Frederico da Prússia,
herdeiro de um latifúndio maior que o do czar, se esbaldou com a sua música.
Uma tal de Lady Diana Manners, devia ser a namorada dele, comentou irritada que
o príncipe se contorcia no salão como um
verme demente gritando por “mais ragtime e champanhe”.
-Essa Lady não foi a única a
antipatizar com a minha música.
-Sim, Irving. Um médico
alemão, Ludwig Gruener, afirmou que “Alexander’s Ragtime Band” era uma ameaça
pública, que o ragtime produzia a histeria que é uma forma de loucura.
-Exagerou, não?
-Cinquenta anos depois, mais
ou menos, falariam a mesma coisa do “rock”. - observei,
A minha ambição era chegar
ao coração dos americanos comuns, não confio muito nos intelectuais. Meu
público são as pessoas reais, que lutam no dia a dia pela vida. - enfatizou.
-Os seus primeiros triunfos
se deram com músicas sincopadas, dançantes, mas você logo partiu para as
canções românticas.
-O ritmo do ragtime não era apropriado
para expressar o romantismo, comecei, então, a ajustar o meu estilo para
canções de amor.
-Citam, então, “I Love A
Piano”, de 1915.
-Essa canção refletia um
amor erótico, com ritmo de ragtime e comicidade. Compus a minha primeira música
triste quando perdi minha esposa.
-Como foi isso?
-Em 1912, quando eu estava
com 24 anos de idade, casei-me com Dorothy Goetz, irmã do meu colega de
profissão, E.Ray Goetz. Nosso casamento durou escassos seis meses; na lua de
mel, em Havana, ela contraiu a febre tifoide. Tentei sublimar a minha tristeza
compondo “When I Lost You”, “Quando Eu perdi Você”; foi a minha primeira
balada.
-Vendeu mais de um milhão de
cópias. – lembrei.
-O êxito foi, em parte um
consolo, mas se passaram muitos anos até eu pensar em outra esposa.
-Nessa sua transição do
ragtime para as canções de amor, você compôs baladas.
-Eram baladas líricas, como
“Uma Menina Bonita É Como Uma Melodia”. Essa foi para os espetáculos de
Ziegfeld Follies.
-Em 1º de abril, o
presidente Woodrow Wilson declarou a entrada dos Estados Unidos na Primeira
Guerra Mundial. - lembrei.
-Tínhamos de ser, agora,
mais americanos do que nunca. Eu tinha de retribuir à pátria que me acolheu
quando a minha família foi escorraçada.
-Em 1917, você, com 29 anos
de idade, foi convocado para o exército e isso, evidentemente, já sendo um nome
nacional, foi manchete.
-Compus canções patrióticas,
de incentivo ao soldado americano, e contribuí, financeiramente, para o esforço
de guerra. Era o mínimo que eu poderia fazer.
-Às portas da Segunda Grande
Guerra, em 1938, você compôs “God Bless America”, na versão para o português,
“Deus Salve a América”.
-Eu pedia a Deus para
abençoar a América.
-Tornou-se o segundo hino
dos Estados Unidos.
-Eu compus “God Bless
America” para comemorar o vigésimo aniversário do armistício da Primeira Guerra
Mundial.
-O belicismo entre os países
é tal que se tornou uma canção patriótica atualíssima em 1938. Mesmo agora, em
11 de setembro de 2001, quando atentados terroristas derrubaram as torres
gêmeas do World Trade Center, com mais de três mil mortos, os senadores e
congressistas americanos, nas escadarias do Capitólio, cantaram “God Bless
America”.
-Eu concebi essa canção
patriótica como expressão da minha eterna gratidão pelo país me acolheu com a
minha família e onde eu tive a oportunidade de fazer a minha vida. Eu não pus,
na letra, a terra que nós amamos, e sim a terra que “eu” amo.
-Essa canção, no momento,
1938, foi interpretada também como a vitória do país depois de nove anos da
Grande Depressão. Com a Guerra contra os nazistas, tornou-se o segundo hino dos
Estados Unidos.
-Eu cresci, em Lower East
Side, ouvindo a minha mãe dizendo repetidamente “God Bless America”, que,
graças a América nós sobrevivemos. Essa expressão ficou na minha mente durante
anos e anos, até que um dia, eu a transformei numa canção patriótica.
-O presidente Eisenhower o
condecorou com a Medalha de Ouro do Congresso por ela.
E acrescentei:
-Por ela e muitos outros
serviços seus prestados à nação americana.
-Não fiz mais do que a minha
obrigação.
-Mas “God Bless America” foi
um dos inúmeros sucessos estrondosos seus como compositor. - acentuei.
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