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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5233 Data: 17 de novembro de
2015
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213ª CONVERSA COM OS TAXISTAS
Este taxista do ponto da Rua Magalhães Couto eu não
conhecia, por isso, mal sentei no banco da frente, disse-lhe que ia para a Rua
Modigliani.
-Na Praça Mané?
Por que tiraram o francês do currículo escolar? -
pergunto-me sempre que ouço os nomes dos pintores e escultores sendo
estropiados. Bem, pelo menos eu não ia para a Rua Rouault, que fica do outro
lado de Del Castilho; o estrago seria bem pior.
-A Rua Modigliani não é aquela onde fica uma academia
de ginástica da terceira idade?
-Essa mesma; foi colocada lá na campanha eleitoral de
2014.
-A ideia foi da Cristiane Brasil, filha do Roberto
Jefferson. - assinalou.
-Sim, mas nem falaram dela; não apareceu um
galhardete, um só santinho da Cristiane Brasil. Parecia que a academia estava
ali, no conjunto residencial do IAPC de Del Castilho, graças ao Pedro Paulo.
-O queridinho do Eduardo Paes?
-Ou queridão. - acrescentei.
Apesar de nos vermos pela primeira vez, ele mostrou um
entusiasmo para a conversação que superava o de muitos taxistas velhos
conhecidos meus.
-Se eu morasse por ali, não deixaria de, pelo menos
três vezes por semana, de me exercitar naquela academia.
-Eu caminho nos fins de semanas e feriados e dedico as
terças, quartas e quintas-feiras aos exercícios em alguns daqueles aparelhos.
-Isso de noite? - interessou-se.
-Não, por volta das 4 horas da tarde, depois que chego
do trabalho.
-Pega aquele sol brabo?
-Pegava pensando que fosse benéfico, que o sol me
supria de vitamina D, depois do que eu soube, tratei de procurar as sombras.
-Depois do que soube?...
Às palavras dele, vi-me obrigado a me estender sobre o
assunto.
-Eu ouvi, no rádio, a entrevista de um oncologista,
com especialidade de câncer de pele, aconselhando a nós a usarem protetor
solar, que essa cultura do bronzeamento faz um mal terrível aos brasileiros.
-Mais às brasileiras, que vivem de bunda para cima
tomando sol, e não é só nas praias, não.
A palavra voltou para mim.
-Quando a entrevistadora perguntou ao médico sobre a
vitamina D, que tem o sol como a sua maior fonte, ele disse que, quando se é
muito jovem, o organismo metaboliza bem a vitamina D proveniente do sol,
depois, não, que é mais seguro se proteger. Concluiu dizendo que, nos países
onde o sol pouco aparece, como na Inglaterra, todos sofreriam de carência de
vitamina D e isso só não acontece porque eles se alimentam bem.
-Olhe a academia lá. - disse, quando chegamos à Rua
Modigliani.
-Daqui a uns 15 minutos, estarei lá. - disse-lhe.
-Vai levar o protetor solar?
-Nunca usei isso na vida, bastam-me as sombras.
No dia seguinte, eu não peguei o táxi para Del
Castilho e sim para o Engenho Novo; ia, precisamente à casa da minha sobrinha
que aniversariava. A cooperativa era outra e o taxista me era também
desconhecido.
-Eu morei nesta parte da Rua São Gabriel; há muito
tempo que não passo por aqui.- disse-lhe.
-Da Rua Cachambi até cá é uma subida, mas dá para
enfrentar a pé.- observou.
-Eu era tão jovem, na época em que aqui morei, que
podia subir isso tudo que a minha respiração não se alterava. Meus pais não se
queixavam também, a única reclamação do meu pai era com a falta d' água, dizia
ele que a subida dificultava a chegada da água às nossas bicas. Mas isso foi no
início dos anos 60, depois o governador Carlos Lacerda, excelente
administrador, fez obras no Guandu que, praticamente, resolveram esse problema
de séculos.
-Esse Eduardo Paes só faz obras de fachada. -
criticou.
-Olha a Rede Economia – vibrei logo depois que o táxi
dobrou a São Gabriel e entrou na Rua Cachambi.
E prossegui:
-Era a terceira opção de compras da minha mãe:
Walmart, Carrefour e Rede Economia.
-O que aconteceu, ontem, na Rede Economia...
Com a interrupção da fala no meio, ele conseguiu o que
desejava: deixar-me curioso.
-O que aconteceu?
-Surgiu lá uma senhora, carregando uma panela com um
frango cozido que ela dizia estar estragado. Veio o gerente, e ela esbravejou
que o frango era de lá. Ele cheirou a panela e disse que não havia nada de
estragado. Sabe o que ela fez? Jogou a
panela com o frango no chão; quase pegou nos meus pés. Ficou aquela porcaria
toda bem na entrada do supermercado.
-O povo anda revoltado. - generalizei.
-Dia desses comprei um presunto – prosseguiu. Ao chegar
em casa, minha mulher achou que ele estava com a cor suspeita.
-Voltou para trocar?
-Não havia certeza de estar estragado ou não, por isso
eu e minha mulher resolvemos comer, mas nosso filho ficou de fora.
-Uma intoxicação com presunto é bem pior do que com
frango. - observei.
-Não há a menor dúvida. - concordou.
Essa parte do diálogo se deu na subida da Rua Coração
de Maria. Quando passamos pela Arquias
Cordeiro, esquina com a Rua Padre André Moreira, disse-lhe que o Visconde de
Cairu foi um ótimo colégio na época em que lá estudei.
-O ensino caiu muito em escola pública. - concordou.
-Como é mesmo o nome da rua que pegaremos para ir ao
Buraco do Padre? - indaguei.
-Sousa Barros.
-Essa mesmo, ela emenda com a Arquias Cordeiro.
-Passam anos, décadas mesmo, e isto aqui continua a
mesma coisa. - observou.
Enquanto ele falava, vinha-me à mente o Foto Quesada, onde
posei para muitas fotografias 3 por 4. Recordei-me também da gozação que um
colega da Rua Chaves Pinheiro sofreu, porque dissera que entrou com o carro na
“reta” do Quesada. Nem o Fangio, que vencia corridas de Fórmula 1, porque
acelerava nas curvas como se elas fossem retas.
-Há alguns lugares no Rio de Janeiro que não mudam, as
casas não recebem uma pintura, é a mesma penúria do passado, as mesmas
rachaduras com capim nas casas. - disse ele.
Enquanto passávamos pelo Buraco do Padre para chegar
ao outro lado da linha férrea, na Rua Vinte e Quatro de Maio, ele citava alguns
desses lugares, que não eram poucos.
E assim, nessa corrida que foi meio saudosista,
cheguei à casa da minha sobrinha aniversariante.
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