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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5235 Data: 20 de novembro de
2015
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128ª VISITA À MINHA CASA
-Irving Berlin, os musicólogos chamam atenção que, dos
cinco maiores compositores americanos, só você e Cole Porter escreveram letra e
música. Um deles chama a atenção para o fato de Cole Porter ter nascido em
berço rico, estudado na Universidade de Yale, enquanto a sua formação se deu na
pobreza das ruas.
-Eu morava com meus pais, quando viemos para a
América, numa espécie de porão, sem janelas, em Lower Easy Rider, a zona
dos teatros iídiches de Nova York.
-Voltando ao tal musicólogo, Irving, esse musicólogo
observa que você logo caiu no gosto popular enquanto Cole Porter só o
conseguira depois dos 30 anos, além de você ter incentivado Cole Porter a
deixar Paris e retornar para América, pois ele conseguiria um sucesso igual ao
seu.
-A história não foi exatamente esta... – mostrou-se
reticente.
-Irving, você é o compositor que melhor retratou a
América, isso é quase uma unanimidade, mas vê nasceu na Rússia, precisamente,
na Sibéria.
-Era muito gelado lá. A água do nosso porão, em Lower
Easy Rider apesar de fria, era bem mais quente. - brincou.
-Você nasceu na cidade de Tyumen, em 1888, quando a
Rússia vivia ainda sob o império czarista?
-Isso; meu nome era Israel Isidore Beilin. Os judeus
sofriam perseguições e a minha família, como outras, veio para os Estados
Unidos da América.
-Como se chamavam seus pais?
-Leah e Moses Beilin, que cantava em sinagoga e de
quem herdei o gosto pela música.
-Quando se mudaram para a América?
-Em 1893; eu estava com cinco anos de idade.
-Lembra-se ainda de alguma coisa da sua primeira
infância na Rússia?
-Recordo-me de que estava deitado em um cobertor ao
lado de uma estrada e via minha casa crepitar em chamas.
-Era o terrível “pogrom”.-
lastimei.
-O mais novo czar, Nicolau II, reacendeu os pogroms
antijudaicos. Escaparam para a América
as famílias de George e Ira Gershwin, Al Jolson, Jack Yellen, Louis B.Mayer,
enfim, os Warner Brothers, produtores de cinema, e outras.
-A vida foi dura na América?
-No início, sim; meu pai, sem conseguir um emprego de
cantor litúrgico, trabalhou no mercado de carne e, para nos sustentar, teve
ainda de dar aulas de hebraico. Infelizmente, não viveu muito; morreu quando eu
estava com 13 anos de idade.
-Você não pôde, então, ser um adolescente que
frequenta à escola como os outros jovens. Sentiu logo as agruras da vida.
-As agruras da vida eu senti na Rússia. Em Lower
Easy Rider, eu estava vivo e com muita saúde. Para ajudar nas despesas de
casa, tive de sair da escola e arrumei um emprego de vendedor de jornais logo
que o meu pai morreu.
-Há uma história inesquecível para você quando começou
a trabalhar.
-Eu estava tão fascinado, no porto de Nova York,
observando um navio partindo, que não notei um guindaste que, balançando,
jogou-me ao mar. Fui literalmente pescado e deixei todos boquiabertos porque
não larguei, do meu punho cerrado, cinco moedas de um centavo. Era a receita do
dia e minha contribuição para o orçamento familiar.
-E a sua mãe?
-A minha mãe, que na América, passou a ser chamada de
Lena, trabalhou como parteira; três das minhas irmãs trabalhavam embrulhando
charutos, e meu irmão mais velho, numa fábrica de camisa. À noite, encerrado
mais um dia de trabalho, nós colocávamos a receita do dia no avental estendido
da nossa mãe.
-O historiador de música, Philip Furia escreveu que,
com oito anos de idade, “Izzi”...”Izzi”?
-Meu nome é Israel, esqueceu-se?... “Izzi” era uma
maneira carinhosa de chamarem os que tinham esse nome.
Depois desse esclarecimento, continuei:
-Plilip Furia escreveu que você, com essa idade, já
vendia jornais e escutava com atenção as canções do Bowery, um lugar musical e
que se entretinha com os cantos que
vinham através das portas dos bares e restaurantes que se alinhavam nas ruas de
nova York.
-É verdade; começou daí a se entranhar em mim o gosto
pela música popular. Algumas dessas canções eu cantava enquanto vendia jornais
e ganhava dinheiro também por isso. Foram os meus primeiros ganhos com a
música.
-Por favor, Irving, conte-nos mais sobre esse período
da sua vida.
-Com muitas dificuldades e pouca instrução, eu intuí
que não havia possibilidade de eu conseguir um emprego formal, que o jeito era
seguir a habilidade que veio do meu pai: cantar. Assim, eu e mais uns garotos
fomos para os saloons, no Bowery, e cantamos para os clientes.
Havia jovens itinerantes, como eu, pelo Lower East Side que cantavam
baladas populares na esperança que alguém lhe jogasse alguns tostões.
-Vocês eram como os garotos dos romances de Charles
Dickens, que viviam no meio da sujeira, na mesquinhez, lidando com a
insensibilidade de muitos adultos.
-De certo modo sim. Mas como tenho saudade daquele
tempo em que eu era artista de rua! Estava cheio de saúde, lutando para ganhar
a vida!
-Seus biógrafos disseram que foi nesse ambiente
sórdido, que o garoto fugitivo, recebeu sua educação real e duradoura, que você
surgiu, culturalmente, do estilo da vida de gueto, da aprendizagem da linguagem
da rua.
-Como eu tenho biógrafos! Explica-se: vivi cento e um
anos.- brincou.
-A explicação é que você escreveu letra e música de
mais de três mil canções, além de compor para 19 shows da Broadway e 18 filmes
de Hollywood.
-Não sei se cheguei a três mil canções ou se superei
este número.
-Contam que você trabalhava como garçom no Café
Pelham, em Chinatown, quando pediu ao dono do local que tivessem também
uma música porque a taverna concorrente, ao lado, tinha a sua própria canção.
-É verdade; ele foi receptivo à minha sugestão, e eu
escrevi “Mary from Sunny Italy”.
-Maria da Itália Ensolarada. - traduzi.
-O pianista do café, Nick Nicholson, pôs a música nos
meus versos. Foi o meu primeiro trabalho como compositor profissional.
-Ganhou quanto, Irving Berlin?
-Trinta e sete centavos de dólar. - respondeu-me com
um sorriso generoso.
-Nos seus primeiros passos, como compositor, você era
só letrista?
-Sim. Um dia, escrevi a letra de “Dorando” e procurei
alguém que a vestisse com uma melodia. Eu até venderia a letra, se fosse o
caso, mas não encontrei ninguém. Por que eu mesmo não componho a melodia? –
perguntei-me. E compus; assim foi praticamente com todas as minhas canções que
vieram depois.
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